Cinema: “Câncer com ascendente em virgem” apresenta o câncer de mama por uma perspectiva de acolhimento feminino

“Câncer com ascendente em virgem” é um trabalho que emociona por sua verdade, por sua naturalidade de lidar com temas espinhosos e por sua celebração da força e do apoio feminino.

Mar 29, 2025 - 12:39
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Cinema: “Câncer com ascendente em virgem” apresenta o câncer de mama por uma perspectiva de acolhimento feminino

texto de Renan Guerra

O câncer de mama é o principal câncer a acometer mulheres no Brasil depois do câncer de pele, e a primeira causa de morte por câncer feminino. Em 2022, por exemplo, foram 19 mil óbitos por câncer de mama em mulheres. Segundo o Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA), foram estimados 73.000 casos de câncer de mama anualmente, de 2023 a 2025. Nos anos 2000, a produtora de cinema Clélia Bessa foi uma dessas mulheres a receber o diagnóstico de câncer de mama. Se num primeiro momento a notícia a deixou abalada, num segundo ela preferiu criar um blog para contar seu dia a dia – e, como contou em entrevista, uma opção para que ele não exaurisse seus amigos falando sempre do mesmo tema. Com sinceridade, leveza e um bom-humor invejável, a história de Clélia virou o livro “Estou com câncer, e daí?”, livro editado em 2024 pela editora Cobogó.

Das páginas do livro surge a inspiração para “Câncer com ascendente em virgem” (2025), dirigido por Rosane Svartman e com roteiro assinado por Suzana Pires, Rosane Svartman, Martha Mendonça e Pedro Reinato. No longa-metragem, Clélia vira Clara, uma professora de matemática que faz sucesso com aulas on-line. Segundo Clélia contou na coletiva de imprensa do filme, a opção de afastar a personagem cinematográfica de sua história real foi uma ótima escolha, já que, segundo ela, a vida de produtora de cinema é bastante desinteressante e a troca por uma professora seria uma mudança que acrescentaria mais ao filme. Clara, interpretada por Suzana Pires, tenta manter o controle de tudo ao seu redor, de sua relação com sua filha adolescente (Nathalia Costa) até as aventuras de sua mística mãe (Marieta Severo). Mas o diagnóstico de um câncer de mama bagunça as certezas de Clara e a leva para uma jornada de autoconhecimento e de fortalecimento de seus laços.

No processo do tratamento, Clara se aproxima ainda mais de sua amiga Paula (Carla Cristina Cardoso) e também de Dircinha (Fabiana Karla), criando um círculo de mulheres que se apoiam e se auxiliam de forma conjunta. Essa é uma das coisas mais belas de “Câncer com ascendente em virgem”, pois o filme celebra a união feminina tanto na tela quanto nos bastidores, já que é uma história construída com uma equipe de maioria feminina, nas mais amplas funções, do roteiro às câmeras, da trilha sonora à produção. Isso reverbera em um filme bastante sincero em suas intenções. Vinda do amplo sucesso da novela “Vai na Fé” (Rede Globo, 2023), a diretora Rosane Svartman traz para seu cinema muitos dos ensinamentos da TV e cria um filme popular e cativante, que sabe navegar entre o drama e a comédia de forma sagaz. A trama até dialoga com muitos daqueles signos já desgastados das comédias da Globo Filmes, mas consegue fugir disso quando se torna mais humano em sua dramaticidade.

Suzana Pires é realmente a espinha dorsal do projeto e sua dupla função de roteirista e atriz cria uma unidade forte para o resultado. Conhecida pelos personagens humorísticos na TV, a atriz navega muito bem pelas diferentes nuances que Clara pede e nos emociona em sua jornada que abdica da falácia de vencedores/perdedores muitas vezes usada para narrar histórias sobre câncer. Dentre as atrizes, vale um destaque especial para Fabiana Karla, atriz complexa e que muitas vezes acaba reduzida a um tipo específico de humor e que aqui consegue trazer sinceridade e delicadeza para sua personagem Dircinha, em um encontro bastante interessante com Suzana.

Produzido pela Raccord Produções, coproduzido pela Globo Filmes e RioFilme, e com distribuição da Downtown Filmes, “Câncer com ascendente em virgem” ainda conta com o apoio da FEMAMA, uma federação sem fins lucrativos formada por mais de 70 organizações de apoio a pessoas em jornada oncológica e presente em 20 estados brasileiros e no Distrito Federal. O apoio da FEMAMA reverbera essa função que o filme busca de abrir diálogos sobre o tema do câncer no cinema brasileiro – o filme de Svartman é um dos primeiros filmes brasileiros a ter como tema central o tratamento do câncer, ainda mais com um enfoque feminino. Uma das frentes da FEMAMA é a atuação em rede e o compartilhamento de informações de forma acessível sobre o tema, tanto que foram realizadas sessões especiais do filme com mulheres em diferentes etapas do processo de tratamento do câncer de mama e algumas sessões tiveram a distribuição de material informativo sobre o tema.

“Câncer com ascendente em virgem” é um trabalho que emociona por sua verdade, por sua naturalidade de lidar com temas espinhosos e por sua celebração da força e do apoio feminino. E avisamos, o filme tem seu lado comédia, mas recomendamos que se leve um lencinho para a sala de cinema!

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava