“O rap sempre achará um caminho de volta pra casa”, diz RT Mallone
Da zona leste de Juiz Fora até o posto mais alto do "Nova Cena", da Netflix, RT reflete sobre o sucesso em entrevista à Noize The post “O rap sempre achará um caminho de volta pra casa”, diz RT Mallone appeared first on NOIZE | Música do site à revista.

Um rapper com mais de uma década de carreira ainda pode ser visto como alguém “novo na cena”? Essa foi a primeira pergunta que fiz ao ex-vendedor de sonhos e atual vencedor do Nova Cena, o primeiro reality show de rap do Brasil, RT Mallone. “Eu acho que não!”, responde ele com convicção. O programa, exibido pela Netflix, tinha como premissa apresentar novos talentos do cenário da música rap, mas para quem já é ou já foi minimamente antenado na cultura, sabe que RT é uma figura mais do que carimbada nesse jogo.
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Para o cartório, Victor Alexandre Pereira; para o hip-hop, Rohor Tahir Mallone. Natural de Minas Gerais, RT cresceu em São Benedito, ou o antigo Arado. Seu primeiro contato com a música veio ainda muito jovem, no coral da igreja, mas foi escrevendo poesias na adolescência que começou a transcrever seu mundo particular. Consequentemente, o ritmo viria a se juntar à poesia alguns bons anos mais tarde, quando, em 2012, passou a ser presença assídua nas batalhas de rima de Juiz de Fora.
De lá para cá, o “rei do arado” acumula uma mixtape, dois álbuns, colaborações com nomes consagrados do meio (como Djonga) e elogios de figuras importantes como Rashid e Emicida. No entanto, somente em 2024, com o anúncio de sua participação no Nova Cena, RT Mallone obteve a atenção do grande público. Um reconhecimento tardio, mas que o próprio atribui à invisibilidade imposta aos artistas de sua cidade.
Apesar disso, Mallone não esconde o quanto é grato pela oportunidade e o alcance proporcionados pelo programa. Mesmo admitindo não ser o maior fã de reality shows, o sentimento é de confiança e esperança renovada. “Eu estava vindo de um ano difícil, no qual não havia conseguido lançar meus projetos solo, nem mesmo me cuidar psicológica e fisicamente. Meu sonho nunca morreu, mas eu estava aceitando que talvez fosse a hora de desistir antes que me tornasse uma pessoa frustrada”.
Com o título de vencedor do Nova Cena e os holofotes finalmente voltados para seu trabalho, RT planeja os próximos passos de sua carreira. Em entrevista, ele adianta que novos projetos estão a caminho e que a experiência no reality show não só reacendeu sua chama criativa, mas também reforçou sua crença no “tempo de Deus”.
Alguém que faz rap desde 2012, com 3 álbuns lançados, ainda pode ser considerado alguém novo na cena?
Eu acho que não! Inclusive, me ofende um pouco ser visto como um novato, mas, por outro lado, sou de uma cidade onde somos constantemente invisibilizados. Pouco se fala dos artistas de Juiz de Fora. Isso significa que não existimos? Não! Estamos produzindo algumas das melhores músicas do país sem receber o crédito que merecemos. Isso talvez me faça parecer “novo na cena”. O fato de meu sucesso só ter vindo após anos de insistência faz com que todos os meus movimentos soem novos para o grande público, mas, para os artistas de JF e para os MCs mais engajados na cultura, RT Mallone é um dos destaques desse jogo há tempos.
O que significou fazer parte do programa?
Uma oportunidade! Ter uma plataforma dessa dimensão, com essa estrutura, para mostrar quem eu sou e o que eu produzo foi essencial na minha carreira. Para mim, não era só sobre o prêmio: eu estava me provando o tempo todo. Precisava sentir que tanto tempo de dedicação ao rap não foi em vão. Não sou a pessoa mais fã de reality show do mundo, mas vi, nesse momento, uma chance de continuar acreditando no meu sonho e no meu trabalho. Foi nisso que eu me apeguei.
Lembro de ver você falando, no Instagram, que estava pensando em parar com o rap antes de ser convidado para o Nova Cena. Qual era sua situação antes do programa?
Em 2023, eu estava vindo de um ano difícil. Não consegui lançar meus projetos solo, muito menos me cuidar. Estava cansado e perdido, vivendo de freelas em restaurantes e em eventos na área de cenografia e montagem. Meu sonho nunca morreu, mas eu estava aceitando que talvez fosse a hora de desistir antes que me tornasse uma pessoa frustrada. A internet, as comparações, a falta de estrutura, tudo isso contribuiu para um dos momentos mais conflituosos da minha vida. Estar em contato com o rap através dos participantes e dos desafios durante as filmagens me trouxe de volta. Principalmente espiritualmente. No final das gravações, eu era o RT Mallone de novo.
Tem uma música sua lançada em 2020 chamada “Tempo de Deus”. Você acredita que agora ela ganhou outro grau de significado?
Acredito que essa não seja a afirmação correta. Após o reality e somado a tudo que tenho vivido nesse pós, eu acho que “Tempo de Deus” não ganha um significado novo, pelo contrário, ela cumpre seu propósito. Ela mostra para todos os seus ouvintes que tudo que está sendo falado ali é verdade. Não existe colheita sem plantio e sem esperar o tempo devido de cada cultivo. Eu e meu irmão, BRK Mallone, sempre acreditamos muito no poder do tempo, e no momento em que eu mais estava me afastando dessa filosofia, essa virada de chave veio para me lembrar que tudo só acontece no “Tempo de Deus”.
Sobre a relação com os outros participantes, deu para notar, pelas redes sociais, que vocês acabaram criando uma afinidade para além da competitividade que o programa exigia. Dá para dizer que o Nova Cena também ajudou a unir vocês?
O reality me deu uma nova família! Todos que participaram ali tinham algo em comum: o amor pela música. De certa forma, todos viemos de condições parecidas, sonhando em encontrar, na música, um caminho para mudar de vida. Foi isso que nos uniu. Teve um momento em que parecia que já nos conhecíamos há anos. Acho que o hip-hop tem esse poder. Além de muitas outras coisas, o hip-hop também é uma linguagem, e quem faz parte consegue se comunicar através dela. Fora da Netflix, nós ainda seguimos unidos e torcendo uns pelos outros. Aprendi e aprendo com eles, sou fã e me orgulho de cada um. Eles são minha família.
Quais são os próximos passos?
Eu tenho uma sequência de músicas prontas que ainda não sei muito bem se sairão como singles, EP ou mixtape. Além disso, participei do álbum do Froid, que foi algo grandioso para mim, de fato mais um sonho realizado. Existem outros projetos em andamento, como a criação do meu 4º álbum solo, que ainda está no início, mas com certeza agradará muito meus fãs, tanto os mais antigos quanto os que me conheceram através do Nova Cena. Mas tudo está sendo feito com calma. Eu não sou o tipo de rapper que precisa lançar um milhão de coisas na busca por não ser esquecido. Eu e minha equipe estamos focados em construir um legado, e isso demanda tempo e atenção, principalmente num momento do mundo e da cena onde o que é superficial chama mais atenção.
O que você pensa para o futuro do Nova Cena? Há a possibilidade de se criar um movimento que vai lançar novos artistas no mercado a partir do programa? Isso pode virar uma tradição?
A meu ver, isso já está acontecendo! Nós somos a “Nova Cena” do rap brasileiro. Cada participante, com o seu próprio estilo e estética, compõe esse movimento. Sinto que trouxemos um refresco para o cenário, com novos flows, novas abordagens e autenticidade. O que foi mostrado no reality é a ponta do iceberg. Estamos criando algo gigante, que talvez ainda não seja compreendido, mas vai fazer sentido em breve. E aí nós revisitaremos essa entrevista [risos]. Acho que, mesmo com tanta coisa supérflua no mercado, existe um contra movimento se criando ao redor do Brasil. Novos artistas estão ganhando visibilidade, seja no rap ou no trap, falando o que precisa ser dito e alcançando públicos com isso. Uns chamam de novo ano lírico; eu acho que é uma resposta do hip-hop. Independentemente de quanto tempo demore, o rap sempre achará um caminho de volta para casa.
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