Entrevista: Renegades of Punk falam sobre seu novo disco, “Gravidade”

“Gravidade”, segundo disco cheio do grupo, é uma descarga emocional que condensa os últimos anos em 16 faixas velozes e melódicas que revelam novas facetas sonoras para o trio sergipano.

Apr 1, 2025 - 18:10
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Entrevista: Renegades of Punk falam sobre seu novo disco, “Gravidade”

entrevista de Bruno Lisboa

A urgência sempre foi o combustível da Renegades of Punk, grupo formado em Aracaju em 2007 que é fruto de uma junção de músicos vindos de diversas frentes da cena independente local – Triste Fim de Rosilene, Karne Krua e El President – e que agora retorna com um novo disco, o segundo de sua discografia, “Gravidade” (2025), um álbum sobre perdas, despedidas e reencontros (que irá ganhar lançamento em vinil).

Gravidade” é uma descarga emocional que condensa os últimos anos em 16 faixas velozes e melódicas que revelam novas facetas sonoras para o trio sergipano. Um disco sobre amadurecer sem perder o ímpeto, sobre encarar a passagem do tempo sem deixar a urgência e o desejo latente por novos tempos esmorecer. Gravado na própria Aracaju, “Gravidade” foi mixado e masterizado por Fernando Sanchez, que está lançando o álbum pelo selo digital de seu estúdio, o El Rocha.

Ao longo de quase duas décadas de história, Dani (guitarra / vocal), Ivo (bateria / vocal) e João Mário (baixo / voz / synth) levaram seu “tropical punk” para diversos palcos pelo Brasil e também no Velho Continente. “Acho que a banda encontrou uma linguagem muito própria ao longo do tempo”, opina Ivo na entrevista abaixo, em que fala ainda sobre turnês internacionais, a cena punk brasileira na atualidade e mais.

O Renegades of Punk já tem quase duas décadas de estrada. Como vocês enxergam a evolução da banda desde a sua gênese até agora?
Acho que a banda encontrou uma linguagem muito própria ao longo do tempo. Ainda que tenhamos diversas influências musicais, considero que sempre nos expressamos do nosso próprio jeito. E isso foi se transformando, dando espaço a novas influências e refletindo nossas experiências ao longo de nossa trajetória.

Vocês sempre tiveram um pé fincado no underground, mas levando o “tropical punk” pra várias cidades e até para a Europa. Como essa estrada moldou a identidade sonora de vocês?
Acho que podemos dizer que temos os dois pés fincados no underground. Mesmo quando fomos para a Europa circulamos dentro desse circuito do faça-você-mesmo em eventos organizados por coletivos, amigos, okupas e etc. Essa rede de cooperação sempre nos inspirou a produzir e realizar o mesmo em nossa cidade. Sonoramente acho que não tem necessariamente uma influência marcante no nosso som a partir disso, mas certamente compartilhamos esse ethos punk, do faça-você-mesmo.

“Gravidade” parece costurar uma história densa de perdas e retornos que dialogam com o caótico tempo atual. Esse álbum nasceu de uma necessidade de olhar para trás, ou foi algo que simplesmente aconteceu no processo criativo?
Simplesmente aconteceu. O disco é muito pessoal na verdade e está cheio de recortes da nossa experiência na última década, alguns deles bem traumáticos. E escrever às vezes é a forma que temos para lidar com essas coisas. Tem diversas músicas que foram feitas para o disco mesmo, porém tem algumas outras que já existiam, mas ainda não tinham sido gravadas oficialmente. Mas “Gravidade” como ideia foi acontecendo na verdade na medida em que o produzimos. Fomos achando o conceito e vendo como de certa forma ele circulava entre as músicas.

Em comparação ao disco anterior, o que mudou na forma como vocês escrevem e compõem?
Na forma como escrevemos não mudou tanto, continuamos falando sobre coisas que nos afetam pessoalmente ou que nos movem de alguma forma. Como disse antes, escrever se torna às vezes uma forma de lidar com o mundo e com nossas angústias. Em relação às composições num aspecto mais musical, posso dizer que esse disco tomou forma mesmo ao longo dos ensaios. Já tínhamos várias ideias de músicas ou trechos inacabados que realmente tomaram vida própria à medida que a gente ensaiava. E naturalmente novas ideias vieram surgindo e completando o set.

O álbum traz 16 faixas que são executadas em pouco mais de 30 minutos. Como foi o processo de composição e gravação do novo disco?
A banda ficou um tempo meio parada por diversos motivos. Eu (Ivo) e Dani somos um casal e tivemos uma filha no fim de 2017 (que inclusive participa do disco em “Feitiço”) e isso transformou radicalmente nossa vida e nossa rotina. E como somos pai e mãe na mesma banda não tinha muito revezamento possível pra gente ensaiar e tudo mais nos primeiros anos dela. Logo depois veio o fim do mundo com a pandemia e tudo isso ficou ainda mais distante. Então chegou um momento que não sabíamos mais se fazia sentido a banda existir ou não, mas a gente sabia que tinha uma porção de músicas legais para ao menos gravar e deixar registrado. E a ideia inicial foi basicamente essa: gravar as ideias que a gente já tinha. Nessa época estávamos sem baixista e resolvemos conversar com João Mário, que havia tocado conosco na formação mais ativa da banda anos atrás, para ele ajudar a produzir esse material. E não só ele topou, como acabou voltando para a formação da banda. Esse retorno dele também trouxe de volta uma química muito familiar que a gente tem pra tocar e criar em trio. Daí foi bastante ensaio e dedicação até a gente achar que tinha um material legal o suficiente pra gravar. Optamos por gravar por aqui mesmo para poder fazer com mais calma e caber na nossa rotina parental e de trabalho e isso foi legal, nos deu tempo para experimentar um pouco mais no estúdio.

O punk sempre teve um caráter de urgência, mas “Gravidade” parece trazer essa urgência de um jeito mais reflexivo. O que mudou na forma de expressar a raiva e a angústia nesses anos todos?
De dentro acho que não vemos tanta diferença, continua sendo punk rock e a gente reclamando do capitalismo. Acho que muitas pessoas estão descobrindo agora um lado um pouco mais melódico/melancólico da banda, mas na verdade quem acompanha tudo que a gente fez até hoje já sabe que ao longo dos anos a gente já experimentou bastante com isso. Acho que agora só ficou mais evidente num disco cheio e mais produzido.

O disco foi mixado e masterizado no lendário estúdio El Rocha por Fernando Sanches. Como se deu a aproximação de vocês e quais contribuições ele trouxe para o disco?
À medida que o disco tomava forma a grande dúvida pra gente era quem iria mixar/masterizar. A gente achava que a banda merecia alguém que entendesse mesmo onde a gente estava tentando chegar e pudesse nos ajudar a chegar lá. Daí um dia sonhando grande pensei em falar com o Fernando para orçar esse serviço, já que o El Rocha sempre foi referência pra gente que cresceu nesta cena hardcore punk. Daí conversamos, mostrei uma prévia do que a gente estava fazendo e ele animou muito em fazer parte do projeto todo, tanto na parte de mixagem/masterização quanto no lançamento digital pela etiqueta do El Rocha. Pra gente foi sensacional, ele é um cara incrível de se trabalhar e foi bem paciente com a gente pra alcançarmos o resultado final.

O belíssimo projeto gráfico é assinado por você. Gostaria de saber como foi a elaboração do mesmo.
Eu assumi a responsabilidade de tentar traduzir a ideia do disco em material gráfico. Testei várias ideias, mas acabei voltando a essa linguagem de colagem que é algo que aprecio muito fazer e daí começou finalmente a fluir de um jeito que achei que conversava com o conceito do disco. Fiz uma pesquisa de imagens bem extensa através de anúncios, posters, recortes de matérias, até conseguir chegar nessa composição de um microcosmo surreal de gravidade relativa.

A sonoridade da banda sempre teve essa vibração crua e intensa, mas vocês mencionam no release que agora estão “meio tom abaixo”. Foi algo consciente ou simplesmente o resultado natural do tempo e das vivências?
Foi completamente resultado do tempo. De fato, gravamos o disco meio tom abaixo, experimentando com as músicas e tonalidades mais confortáveis. Mas isso virou uma brincadeira entre a gente pra lembrar que estamos envelhecendo e sentindo as mudanças, dores e responsabilidades da vida, mas que ainda estamos aqui resistindo de alguma forma. Ainda vivos, mesmo marcados.

Em tempos de algoritmos e playlists, o que significa para vocês lançar um álbum cheio?
Cara, nunca passou pela nossa cabeça não fazer assim. A gente é do século passado e cresceu amando discos inteiros. Então a ideia sempre foi lançar um disco de uma vez. Não gostamos do padrão atual de singles, teasing e aquele marketing excessivo para conseguir seguidores, pré-saves e tudo mais, então simplesmente não fez sentido pra gente replicar isso. Mas entendemos quem tenta fazer nesse formato, faz parte do jogo atual eu acho. Mas pessoalmente acho que o single dilui o impacto do disco, da narrativa que está nas entrelinhas das músicas, da história maior que está sendo contada.

Como vocês enxergam o espaço do punk independente no Brasil de hoje? O que mudou (para melhor ou pior) desde que começaram?
Difícil dizer e ainda mais de generalizar. Mas na nossa experiência parece que tem menos gente envolvida e disposta a fomentar essa contracultura em suas cidades. Sinto que houve momentos em que tinha bastante banda e gente articulada em fazer as coisas de maneira autônoma e política e o punk era um dos meios fortes onde isso se dava. E agora tenho a impressão de que esses agentes não se renovaram tanto dentro deste cenário ou simplesmente estão em outros lugares, com outros interesses. Espero estar completamente errado nessa.

E agora que “Gravidade” está no mundo, o que vem pela frente?
Bom, o LP está na fábrica e vamos fazer um lançamento em nossa cidade nos próximos dias. Depois, a ideia é colocar o disco embaixo do braço e circular o máximo que a gente puder ao longo deste ano.

–  Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br. A foto que abre o texto é de Julia Bezerra / Divulgação