Rio antigo: Pesquisador reúne 300 mil imagens raras do carnaval carioca

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Feb 20, 2025 - 11:59
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Rio antigo: Pesquisador reúne 300 mil imagens raras do carnaval carioca

“Sou jornalista e músico, mas sempre quis fazer cinema. Tinha vontade de contar a história do Rio de Janeiro onde nasci e onde vivo, que vai além do cartão postal — a história das pessoas que fazem a cidade ser o que é. Queria fazer um documentário sobre isso, mas nunca saiu da vontade… só que a ideia do registro cotidiano ficou na minha cabeça. 

Passei a frequentar as feiras de antiguidade, ainda sem um objetivo. Até que me deparei com slides de uma mãe e filha na praia de Copacabana. Notei que era assim que queria contar a história da cidade: a partir de pessoas comuns. Acredito na fotografia amadora como acervo de memória do país. Desde então, percorro o Rio de Janeiro com bolsas e caixas cheias de negativos. 

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Um dia, recebi um áudio de um senhor que trabalha nessas feiras, contando que tinha um envelope que eu poderia gostar. Fui buscar. No envelope, estava escrito: “Rádio, TV, Cinema”. Revelei, e eram fotos lindas! Tinha uma jovem dançando em um estúdio de rádio, sorridente, feliz.

Publiquei algumas no meu Instagram. Foi ali que descobri que a “moça” era ninguém menos que Elza Soares! Esse negativo é de 1956. Vi que tinha em mãos o que poderia ser um documento das primeiras grandes conquistas da Elza. Em uma das fotos, ela está abraçada com Moreira da Silva e o Grande Otelo

  • Elza Soares
  • Elza, Moreira da Silva e Grande Otelo.
  • Elza Soares
  • Elza, Moreira da Silva e Grande Otelo.

A coisa que eu mais gosto na vida é samba, então o acervo do Carnaval carioca também me interessou desde o início. Tenho registros de um século de cortejo, e também de terreiros, de festas populares… A partir das imagens do Carnaval de rua, a gente vê também a cidade mudando. As fantasias contam muito a história de uma época.

Tenho fotos do Carnaval da Acadêmicos do Engenho da Rainha nos anos 1970, que são lindas. Nelas, algumas mulheres montaram um “estúdio improvisado” no alto do morro, com um lençol, antes de descer para o cortejo. São fotos amadoras, com cenários amadores, registros muito bonitos de um Brasil que nos é desconhecido.

Tem uma coisa importante de se observar, também. A produção fotográfica brasileira até os anos 1940 é basicamente branca, porque eram os descendentes de europeus que vinham com as câmeras. O meu grande desejo e desafio é buscar acervos que fujam dessa narrativa hegemônica. Outra questão é que, entre esses acervos pessoais, também já encontrei negativos de jornais, registros de expedições de fotojornalistas que ajudam a contar a história do Rio de Janeiro dos anos 1970, e foram parar no lixo. A perspectiva de preservação de memória no Brasil é muito cruel.

Há sete anos faço essa pesquisa de acervo. Não tinha pretensão alguma — comecei a postar essas fotos no meu Instagram, para o meu grupo de amigos. As pessoas começaram a gostar, compartilhar. 

Hoje, tenho mais de 300 mil imagens catalogadas no meu acervo, de vários lugares do Brasil. Quero dar um destino para isso, acho cruel que eles fiquem só para mim. Não tenho apoio nenhum, é um trabalho independente, mas tenho material para exposições. São cenas cotidianas que fazem um país inteiro. É fundamental que essas histórias sejam contadas.

Para mim, não existe contar a história de uma cidade sem se entranhar nela. Geralmente,  o fotógrafo conta a história de um lugar por uma perspectiva meio voyeur, a câmera apontando de longe… entrei na loucura de mergulhar na vida íntima das pessoas. Uma coisa quase irresponsável, anárquica.

O Rio é conhecido por ser uma cidade monumental, mas sua verdadeira história não está na história hegemônica. A história acontece nas esquinas. A partir do olhar para a intimidade, narra-se um lugar.

Certo dia, encontrei uma mala cheia de negativos. Estavam nomeadas como “Hélio”, que fotografou e registrou sua vida em Copacabana nos anos 1970. De tanto tempo que passei admirando aquelas imagens, era como se eu conhecesse aquelas pessoas também. 

Um desses negativos era de uma festa de réveillon de 1977. O filme revelava o roteiro: pouco antes da meia-noite, eles estavam em um prédio, tinha um bolo com a vela no formato do novo ano… Depois, esses jovens desceram para a praia de Copacabana, e ficaram até amanhecer. São imagens lindas. Chamei essa série de “Feliz 1977”, e postei no meu Instagram. 

Qual a minha surpresa quando, no dia seguinte, vejo um comentário na foto: “Rosa, aquela não é a sua mãe?!”. A tal mãe era uma das adolescentes da foto, e se chamava Frida. Ela me contou, muito emocionada, que as fotos foram tiradas por um amigo, Hélio, que ele adoraria me conhecer. 

Dois dias depois, ele me ligou. Contou que tinha  rompido com o irmão e, depois da morte da mãe, há dois anos, o irmão jogou todas as fotos no lixo. Ele ficou tão emocionado em saber que as fotos estavam guardadas comigo que quis me dar a câmera dele. São as histórias das pessoas comuns que me emocionam.

No fim, a beleza da vida se dá nesses encontros. É nos momentos mais banais, como uma tarde na praia com a família ou os amigos, que se constroem as melhores histórias, tendo a cidade como cenário.”

Esta matéria foi publicada originalmente na edição da Revista Noize que acompanha o vinil “Senhora da Terra” (1978), de Elza Soares, lançado em 2024.

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