Entre telas e a realidade

O equilíbrio nas novas experiências digitais.Como encontrar o equilíbrio nas nossas experiências entre IA e outras formas de interagir com nosso mundo?A evolução das experiências para além das telasNo meu último artigo sobre o Vision Pro, mencionei como as experiências estão cada vez mais transcendendo as telas. Nos últimos anos, o uso de assistentes de voz, como o ChatGPT e outros, tem crescido significativamente, com um aumento de aproximadamente 33,74% ao ano no mundo. Já no Brasil, esse número mais que dobrou, de 18% em 2020 para 39% em 2025.Esse aumento nos mostra uma mudança na experiência do usuário, à medida que nossas interações se tornam mais intuitivas e integradas ao nosso dia a dia.Como Don Norman diz no Design do Dia a Dia, o design é uma forma de comunicação, e isso exige uma profunda compreensão do usuário com quem o designer está se comunicando.E é exatamente isso que estamos vivendo: a evolução dos assistentes virtuais adaptando-se às nossas necessidades, tornando nossas interações com eles mais naturais.­Assistentes virtuais na era da Inteligência ArtificialObservar a evolução de assistentes como o recente Alexa+ demonstra como a inteligência artificial, aliada a esses sistemas, está se tornando uma verdadeira chave para um cadeado que está sendo aberto neste exato momento.Há até pouco tempo, esses assistentes tinham funcionalidades limitadas, ajudando somente com lembretes, alarmes, agendamentos, chamadas e coisas do tipo. Esse era o limite do conhecimento de muitas dessas ferramentas. No entanto, a nova geração está rompendo essas barreiras, proporcionando interações mais personalizadas.Evento de lançamento do Alexa+O impacto dos LLMsA grande novidade desse serviço oferecido pela Amazon é a conexão com LLMs (Large Language Models), ou Modelos de Linguagem em Larga Escala. Essa tecnologia permite que assistentes de voz e chat acessem uma enorme quantidade de informações disponíveis na internet, realizando uma verdadeira varredura desses dados e oferecendo respostas cada vez mais precisas.No contexto do UX, isso muda como interagimos com sistemas digitais. Jakob Nielsen descreve a experiência do usuário como:“ todas as interações que um usuário tem com uma empresa, seus serviços e produtos” (Usability Engineering, 1993). “O avanço dos assistentes virtuais amplia essas interações para além das interfaces visuais, tornando a experiência mais fluida e conversacional.Acessando os comentários de um vídeo sobre a Alexa+, não pude deixar de reparar nas menções ao filme Her, no qual o protagonista desenvolve uma relação interpessoal com sua assistente de voz. Essa conexão emocional com essas interfaces conversacionais levanta reflexões sobre o design de interação e a construção de experiências mais humanizadas.Filme Her (2013)A era da experiência “Chat”Tenho quase certeza de que esse fenômeno recente já foi mencionado em outros contextos, mas o que quero destacar é como essa forma de interação tem se popularizado.Os aplicativos que mais utilizamos estão adotando o formato de chat, semelhante ao ChatGPT. Desde compras de verduras no WhatsApp até agendamentos médicos, a interface que vemos cada vez mais é sempre uma simulação de conversa, tornando — ou tentando tornar — a experiência mais familiar e até mesmo dando uma certa personalidade a esses serviços.Para UX, essas mudanças refletem a importância da naturalidade nas nossas interações. Gostando ou não, queremos sentir que estamos conversando com algo próximo a um humano, sem enroscos na navegação, atrasos ou dificuldades para atingir nossos objetivos. Esse conceito tá diretamente ligado ao princípio de affordance, que Donald Norman apresenta no Design do Dia a Dia, onde ele afirma que os objetos (e por extensão, as interfaces) devem indicar de maneira clara como devem ser usados, sem a necessidade de aprendizado complexo.Imagem do ChatGPT, do Solin Feyissa no Unsplash­O outro lado da moeda: A nostalgia do contato físicoPor outro lado, também vejo muitas pessoas sentindo falta de experiências físicas. Vejo que principalmente pessoas da minha geração (os chamados Zillenials) vêm expressando um desejo por botões, algo clicável, que nos tire desse ciclo interminável de interações digitais. Há uma busca por algo mais tangível, que traga um senso de humanidade às experiências tecnológicas (inclusive existe um artigo recente de um colega aqui na UX Collective BR sobre isso, explicando o motivo dele querer comprar um arcade em 2025).Esse dilema reforça a importância de um UX equilibrado, onde a experiência digital não substitui, mas complementa nossas interações físicas.Print do vídeo “Why Young People Love Old Things” do Genuine Curiosity, disponível no Youtube (em inglês).Como designers de experiência precisamos explorar como criar produtos que respeitem a necessidade de desconexão e tragam benefícios reais pros usuários.Atualmente, essas experiências coexistem. Enquanto assistentes de voz e chats simulam conversas, há um movimento paralelo para pres

Mar 21, 2025 - 13:26
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Entre telas e a realidade

O equilíbrio nas novas experiências digitais.

A imagem que compõe a capa do artigo mostra diversos objetos dispostos em círculos verdes, na seguinte ordem do topo para a direita: um caderno, o logo do chatGPT, o logo da Alexa, o logo da Apple Intelligence, uma máquina de jogos arcade e, por último, uma câmera digital. Ao centro da imagem está o símbolo Tao, popularmente conhecido como Yin e Yang simbolizando o equilíbrio entre esses diferentes tipos de experiências.
Como encontrar o equilíbrio nas nossas experiências entre IA e outras formas de interagir com nosso mundo?

A evolução das experiências para além das telas

No meu último artigo sobre o Vision Pro, mencionei como as experiências estão cada vez mais transcendendo as telas. Nos últimos anos, o uso de assistentes de voz, como o ChatGPT e outros, tem crescido significativamente, com um aumento de aproximadamente 33,74% ao ano no mundo. Já no Brasil, esse número mais que dobrou, de 18% em 2020 para 39% em 2025.

Esse aumento nos mostra uma mudança na experiência do usuário, à medida que nossas interações se tornam mais intuitivas e integradas ao nosso dia a dia.

Como Don Norman diz no Design do Dia a Dia, o design é uma forma de comunicação, e isso exige uma profunda compreensão do usuário com quem o designer está se comunicando.

E é exatamente isso que estamos vivendo: a evolução dos assistentes virtuais adaptando-se às nossas necessidades, tornando nossas interações com eles mais naturais.

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Assistentes virtuais na era da Inteligência Artificial

Observar a evolução de assistentes como o recente Alexa+ demonstra como a inteligência artificial, aliada a esses sistemas, está se tornando uma verdadeira chave para um cadeado que está sendo aberto neste exato momento.

Há até pouco tempo, esses assistentes tinham funcionalidades limitadas, ajudando somente com lembretes, alarmes, agendamentos, chamadas e coisas do tipo. Esse era o limite do conhecimento de muitas dessas ferramentas. No entanto, a nova geração está rompendo essas barreiras, proporcionando interações mais personalizadas.

A imagem mostra pessoas em um evento da Amazon, com uma tela a sua frente com os dizeres “Alexa+!”
Evento de lançamento do Alexa+

O impacto dos LLMs

A grande novidade desse serviço oferecido pela Amazon é a conexão com LLMs (Large Language Models), ou Modelos de Linguagem em Larga Escala. Essa tecnologia permite que assistentes de voz e chat acessem uma enorme quantidade de informações disponíveis na internet, realizando uma verdadeira varredura desses dados e oferecendo respostas cada vez mais precisas.

No contexto do UX, isso muda como interagimos com sistemas digitais. Jakob Nielsen descreve a experiência do usuário como:

todas as interações que um usuário tem com uma empresa, seus serviços e produtos” (Usability Engineering, 1993). “

O avanço dos assistentes virtuais amplia essas interações para além das interfaces visuais, tornando a experiência mais fluida e conversacional.

Acessando os comentários de um vídeo sobre a Alexa+, não pude deixar de reparar nas menções ao filme Her, no qual o protagonista desenvolve uma relação interpessoal com sua assistente de voz. Essa conexão emocional com essas interfaces conversacionais levanta reflexões sobre o design de interação e a construção de experiências mais humanizadas.

A imagem mostra um momento do filme “Her” de 2013, exibindo o personagem principal da obra interpretada por Joaquin Phoenix. Na foto, o personagem está sentado a frente de um computador com uma camisa vermelha, olhando levemente para baixo. Na mesa, existem diversos objetos como livros, papéis e um computador.
Filme Her (2013)

A era da experiência “Chat”

Tenho quase certeza de que esse fenômeno recente já foi mencionado em outros contextos, mas o que quero destacar é como essa forma de interação tem se popularizado.

Os aplicativos que mais utilizamos estão adotando o formato de chat, semelhante ao ChatGPT. Desde compras de verduras no WhatsApp até agendamentos médicos, a interface que vemos cada vez mais é sempre uma simulação de conversa, tornando — ou tentando tornar — a experiência mais familiar e até mesmo dando uma certa personalidade a esses serviços.

Para UX, essas mudanças refletem a importância da naturalidade nas nossas interações. Gostando ou não, queremos sentir que estamos conversando com algo próximo a um humano, sem enroscos na navegação, atrasos ou dificuldades para atingir nossos objetivos. Esse conceito tá diretamente ligado ao princípio de affordance, que Donald Norman apresenta no Design do Dia a Dia, onde ele afirma que os objetos (e por extensão, as interfaces) devem indicar de maneira clara como devem ser usados, sem a necessidade de aprendizado complexo.

A imagem mostra uma pessoa segurando um celular que exibe a interface do serviço ChatGPT. No fundo da imagem existem plantas e folhas verdes.
Imagem do ChatGPT, do Solin Feyissa no Unsplash

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O outro lado da moeda: A nostalgia do contato físico

Por outro lado, também vejo muitas pessoas sentindo falta de experiências físicas. Vejo que principalmente pessoas da minha geração (os chamados Zillenials) vêm expressando um desejo por botões, algo clicável, que nos tire desse ciclo interminável de interações digitais. Há uma busca por algo mais tangível, que traga um senso de humanidade às experiências tecnológicas (inclusive existe um artigo recente de um colega aqui na UX Collective BR sobre isso, explicando o motivo dele querer comprar um arcade em 2025).

Esse dilema reforça a importância de um UX equilibrado, onde a experiência digital não substitui, mas complementa nossas interações físicas.

A imagem exibe o início de um vídeo no Youtube. No vídeo, existe um datilógrafo, que exibe o texto “I Like Old Things” ou “Eu gosto de coisas antigas”, em português.
Print do vídeo “Why Young People Love Old Things” do Genuine Curiosity, disponível no Youtube (em inglês).

Como designers de experiência precisamos explorar como criar produtos que respeitem a necessidade de desconexão e tragam benefícios reais pros usuários.

Atualmente, essas experiências coexistem. Enquanto assistentes de voz e chats simulam conversas, há um movimento paralelo para preservar o contato físico, proporcionando momentos de desconexão e foco.

Mas isso não é de hoje… Alan Cooper discute, em About Face (1995), como a tecnologia deve ser projetada para empoderar o usuário, permitindo que ele tenha controle sobre como interagir com o digital, em vez de ser controlado por ele.

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Resgatando experiências analógicas

Durante uma viagem recente nesse Carnaval, decidi fazer um experimento de quatro dias, escolhendo mais experiências analógicas. Em vez de tirar fotos sempre com o celular, usei uma câmera digital emprestada (valeu, mãe!). Depois de tirar as fotos que eu queria eu simplesmente via a foto e guardava a câmera.

Para anotar as aulas que assisti, levei um caderninho e uma caneta que cabiam na minha shoulder bag e depois eu revisava e passava a limpo em outro caderno maior, pra realmente fixar aquilo na minha mente.

Dessa forma, percebi como a ação se encerrava ali, sem distrações adicionais, permitindo-me estar no “agora”, evitando que eu me estendesse em alguma rede social ou outros tantos apps no meu celular.

A imagem mostra uma mão segurando um caderno azul com um padrão animal, similar ao de uma onça, uma pequena câmera digital rosa e uma caneta.
Meus companheiros de viagem, uma câmera digital, um caderno e uma caneta.

Essa experiência também levanta um ponto crucial no UX: o design da desconexão. Empresas como Apple e Google já implementam ferramentas para monitoramento de tempo de tela e incentivo ao uso consciente da tecnologia. Precisamos entender que um design bem feito não deve somente prender a atenção do usuário, mas sim oferecer controle sobre sua própria experiência.

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O equilíbrio entre o digital e o real

Assistentes de voz, chats e telas nos auxiliam no dia a dia (e como!), mas até que ponto essas experiências estão moldando como vivemos a vida fora do digital? O avanço tecnológico tem facilitado muito nossa rotina, mas também nos mantém constantemente conectados, nos puxando cada vez mais para dentro disso.

Entendo que o grande desafio aqui não é somente equilibrar o uso dessas ferramentas, mas garantir que elas sirvam como complemento à realidade, e não como sua substituta.

Talvez o segredo esteja em adotar o melhor dos dois mundos: aproveitar a tecnologia para facilitar o que precisa ser prático, enquanto reservamos momentos para experiências genuínas e presenciais.

No fim das contas, a verdadeira inovação pode estar em aprender a viver melhor — tanto online quanto offline, garantindo que o design digital respeite e valorize a experiência humana.

A imagem mostra diversos objetos em uma mesa de madeira. São eles, um caderno, uma caneta em cima desse caderno, ao lado um copo de vidro com água e ao centro um notebook aberto com um texto e ao lado direito desse notebook, um celular e um vaso de flor.
Foto do Bram Naus, no Unsplash

Referências

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Para se aprofundar


Entre telas e a realidade was originally published in UX Collective