A era da imaginação

Quando a “inteligência” vira commodity e a criatividade se torna uma de nossas moedas mais valiosas.Foto de Rachael Gorjestani na UnsplashUltimamente estou obcecado por uma pergunta: como criar valor em um mundo onde a IA faz em segundos e minutos o que antes exigia horas, meses e anos de estudo?Como designer estratégico, vejo que estamos vivendo em meio a uma revolução silenciosa. Aquela inteligência “técnica” que nos orgulhávamos de ter? Hoje, o ChatGPT explica conceitos complexos, o Midjourney cria ilustrações incríveis, o Google Veo gera vídeos realistas e o Claude escreve códigos para softwares e games. A especialização está ao alcance de quem realmente sabe explorar essas novas tecnologias.A futurista Rita J. King cunhou originalmente o termo “Era da Imaginação”:Se antes éramos valorizados por saber, agora também somos valorizados pela nossa capacidade de imaginar.A IA é como uma nova serra elétrica da criatividade: democratiza o acesso, mas quem define o que cortar, como montar e qual história contar ainda somos nós.Só conseguimos criar aquilo que conseguimos imaginar. Mas só imaginamos aquilo que ousamos explorar.­Por que a criatividade é a nova vantagem competitiva na era da IANossa história não é sobre sobreviver às custas: é sobre transmutar.Desde os quilombos que viraram cidades até o tropicalismo que devorou o colonizador para criar arte, o Brasil sempre operou na alquimia do impossível. Não somos apenas mestiços de raça: somos hibridismo em estado bruto, onde o sagrado convive com o profano, o erudito beija o brega, e a escassez vira combustível para inovar.Essa “gambiarra existencial” — herança de quem precisou reinventar até a própria identidade sob o chicote colonial — não é apenas improviso, mas um sistema operacional único.Enquanto a IA dominante é treinada em padrões eurocêntricos de perfeição e linearidade, nós carregamos o código genético de quem vê ordem no caos.O que para outros é bug, para nós é feature: uma feijoada não é “mistura desordenada”, mas a materialização do Manifesto Antropofágico (que nos anos 1920 propôs ressignificar culturas estrangeiras para criar algo genuinamente brasileiro) em panela de barro.­A genialidade está na fissuraNas favelas, onde o concreto cru encontra o grafite que conta histórias de resistência, aprendemos que beleza não é ausência de conflito, mas a coragem de transformar cicatrizes em arte. Enquanto a IA busca padrões imaculados, nós sabemos que é nas brechas — entre o planejado e o acidental, o técnico e o intuitivo — que pulsa a verdadeira inovação.A criatividade não é domínio de gênios isolados, mas uma rede viva e pulsante. Como os mutirões que constroem comunidades, a Era da Imaginação exige colaboração; inclusive com as máquinas.Mas atenção: não estamos aqui para “ensinar” a IA a ser brasileira.Estamos aqui para desafiar sua lógica binária com perguntas que só nascem em solo tropical:Como criar algoritmos que entendem as nossas nuanças?Que modelo de linguagem entende a ironia de um “tudo bem” carregado de significado?Foto de Thales Botelho de Sousa na UnsplashTrês choques de realidade (e oportunidades) para criativos1. Inclusão criativa: o bonde da imaginação está lotado (mas quem está no volante?)A IA não é apenas um “quebra galho” da criação. É uma revolução silenciosa de acesso. Por décadas, a exclusão criativa no Brasil foi mantida por barreiras de classe: cursos e softwares caros, a ideia de que arte é privilégio de quem pode pagar por um equipamento de última geração.Agora, ferramentas como o Stable Diffusion democratizam pincéis, mas revelam um paradoxo: ter o instrumento não basta quando a orquestra toca partituras coloniais.A verdadeira oportunidade está em hackear a lógica do sistema. Enquanto a IA regurgita estéticas hegemônicas (leia-se: norte-americanas e europeias), nosso desafio é reprogramar o imaginário.Que tal usar o Midjourney não para gerar “hyper-realistic cyberpunk”, mas para visualizar lendas amazônicas em pixels? Ou treinar modelos com a iconografia das festas juninas nordestinas em vez do repertório padrão do Pinterest?­O pulo do gatoA próxima fronteira não é usar ferramentas, mas criar ferramentas. Imagine um modelo de IA treinado nas padronagens das ceramistas da Jequitinhonha, nos bordados do Cariri, ou nas cores dos muros do Beco do Batman. Isso não é romantizar o folclore; é fazer da tecnologia um espelho que reflete a pluralidade brasileira.­2. Libertação ou ilusão? A armadilha da criatividade em linha de montagemGerar 100 logos em 10 minutos é fácil. Difícil é responder: quantos deles carregam a essência da marca para qual o logo está sendo criado?A IA expôs uma verdade incômoda: estamos confundindo velocidade com relevância, e produtividade com potência cultural.Enquanto plataformas globais vendem a ideia de “democratização”, elas invisibilizam uma nova forma de colonialismo: a ditadura do dataset. Quando 98% dos modelos são alimentados por culturas dominantes, até nossa própria criatividade vira refém de um o

Mar 20, 2025 - 11:10
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A era da imaginação

Quando a “inteligência” vira commodity e a criatividade se torna uma de nossas moedas mais valiosas.

Uma foto de uma mesa de madeira repleta de instrumento de pintura como pinceis, lápis, cadernos de esboço, uma chícara de café e uma pessoa desenhando em um caderno
Foto de Rachael Gorjestani na Unsplash

Ultimamente estou obcecado por uma pergunta: como criar valor em um mundo onde a IA faz em segundos e minutos o que antes exigia horas, meses e anos de estudo?

Como designer estratégico, vejo que estamos vivendo em meio a uma revolução silenciosa. Aquela inteligência “técnica” que nos orgulhávamos de ter? Hoje, o ChatGPT explica conceitos complexos, o Midjourney cria ilustrações incríveis, o Google Veo gera vídeos realistas e o Claude escreve códigos para softwares e games. A especialização está ao alcance de quem realmente sabe explorar essas novas tecnologias.

A futurista Rita J. King cunhou originalmente o termo “Era da Imaginação”:

Se antes éramos valorizados por saber, agora também somos valorizados pela nossa capacidade de imaginar.

A IA é como uma nova serra elétrica da criatividade: democratiza o acesso, mas quem define o que cortar, como montar e qual história contar ainda somos nós.

Só conseguimos criar aquilo que conseguimos imaginar. Mas só imaginamos aquilo que ousamos explorar.

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Por que a criatividade é a nova vantagem competitiva na era da IA

Nossa história não é sobre sobreviver às custas: é sobre transmutar.

Desde os quilombos que viraram cidades até o tropicalismo que devorou o colonizador para criar arte, o Brasil sempre operou na alquimia do impossível. Não somos apenas mestiços de raça: somos hibridismo em estado bruto, onde o sagrado convive com o profano, o erudito beija o brega, e a escassez vira combustível para inovar.

Essa “gambiarra existencial” — herança de quem precisou reinventar até a própria identidade sob o chicote colonial — não é apenas improviso, mas um sistema operacional único.

Enquanto a IA dominante é treinada em padrões eurocêntricos de perfeição e linearidade, nós carregamos o código genético de quem vê ordem no caos.

O que para outros é bug, para nós é feature: uma feijoada não é “mistura desordenada”, mas a materialização do Manifesto Antropofágico (que nos anos 1920 propôs ressignificar culturas estrangeiras para criar algo genuinamente brasileiro) em panela de barro.

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A genialidade está na fissura

Nas favelas, onde o concreto cru encontra o grafite que conta histórias de resistência, aprendemos que beleza não é ausência de conflito, mas a coragem de transformar cicatrizes em arte. Enquanto a IA busca padrões imaculados, nós sabemos que é nas brechas — entre o planejado e o acidental, o técnico e o intuitivo — que pulsa a verdadeira inovação.

A criatividade não é domínio de gênios isolados, mas uma rede viva e pulsante. Como os mutirões que constroem comunidades, a Era da Imaginação exige colaboração; inclusive com as máquinas.

Mas atenção: não estamos aqui para “ensinar” a IA a ser brasileira.

Estamos aqui para desafiar sua lógica binária com perguntas que só nascem em solo tropical:

  • Como criar algoritmos que entendem as nossas nuanças?
  • Que modelo de linguagem entende a ironia de um “tudo bem” carregado de significado?
Uma foto da A Escadaria Selarón, uma obra arquitetônica localizada entre os bairros de Santa Teresa e Lapa, no Rio de Janeiro, Brasil, decorada pelo artista chileno radicado no Brasil de longa data, Jorge Selarón, que declarou-a como uma “homenagem ao povo brasileiro”
Foto de Thales Botelho de Sousa na Unsplash

Três choques de realidade (e oportunidades) para criativos

1. Inclusão criativa: o bonde da imaginação está lotado (mas quem está no volante?)

A IA não é apenas um “quebra galho” da criação. É uma revolução silenciosa de acesso. Por décadas, a exclusão criativa no Brasil foi mantida por barreiras de classe: cursos e softwares caros, a ideia de que arte é privilégio de quem pode pagar por um equipamento de última geração.

Agora, ferramentas como o Stable Diffusion democratizam pincéis, mas revelam um paradoxo: ter o instrumento não basta quando a orquestra toca partituras coloniais.

A verdadeira oportunidade está em hackear a lógica do sistema. Enquanto a IA regurgita estéticas hegemônicas (leia-se: norte-americanas e europeias), nosso desafio é reprogramar o imaginário.

Que tal usar o Midjourney não para gerar “hyper-realistic cyberpunk”, mas para visualizar lendas amazônicas em pixels? Ou treinar modelos com a iconografia das festas juninas nordestinas em vez do repertório padrão do Pinterest?

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O pulo do gato

A próxima fronteira não é usar ferramentas, mas criar ferramentas. Imagine um modelo de IA treinado nas padronagens das ceramistas da Jequitinhonha, nos bordados do Cariri, ou nas cores dos muros do Beco do Batman. Isso não é romantizar o folclore; é fazer da tecnologia um espelho que reflete a pluralidade brasileira.

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2. Libertação ou ilusão? A armadilha da criatividade em linha de montagem

Gerar 100 logos em 10 minutos é fácil. Difícil é responder: quantos deles carregam a essência da marca para qual o logo está sendo criado?

A IA expôs uma verdade incômoda: estamos confundindo velocidade com relevância, e produtividade com potência cultural.

Enquanto plataformas globais vendem a ideia de “democratização”, elas invisibilizam uma nova forma de colonialismo: a ditadura do dataset. Quando 98% dos modelos são alimentados por culturas dominantes, até nossa própria criatividade vira refém de um olhar estrangeiro. A solução? Subverter a cadeia de valor. Em vez de pedir à IA que imite Van Gogh, por que não usá-la para explorar os traços transgressores da Tarsila do Amaral?

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Caso prático

  • Coletivos periféricos usando IA para transformar slams em animações generativas, misturando voz, grafite e algoritmos.
  • Tribos indígenas criando NFTs com padrões ancestrais, protegidos por blockchain.

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3. Monetização criativa: quando a cultura vira commodity (e como não virar refém)

Na economia da IA, quem define o preço da nossa identidade? Enquanto o mundo começa a celebrar a “criatividade como novo petróleo”, repetimos o velho script do Brasil-colônia: exportamos matéria-prima cultural (nossos ritmos, padrões, estéticas) e importamos produtos acabados com markup absurdo.

O risco não é ficar de fora do bonde; é entrar como passageiro, não como condutor. Empresas como OpenAI e Midjourney já lucram com dados de treinamento extraídos de culturas periféricas, enquanto comunidades originais seguem sem royalties. Nossa luta agora é técnica e política:

  • Exigir e desenvolver modelos de IA open-source que permitam treinamento com datasets locais.
  • Criar cooperativas digitais onde criadores detenham coletivamente a propriedade de seus estilos.
  • Desenvolver selos de certificação: “IA 100% Tupiniquim”, treinada com ética e remuneração justa.

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Não sou otimista nem pessimista: sou realista com a cadência do samba

A IA não vai substituir pessoas criativas — vai substituir pessoas que pensam e agem como IA.

Então, qual o veredito? A IA definitivamente não é o apocalipse dos criativos, mas um trampolim — desde que a gente não troque nossa alma criativa por comodidade. Enquanto o mundo busca a perfeição pasteurizada, nosso DNA cultural já nasceu sabendo que beleza está na cicatriz, no improviso, no caos que vira arte. O desafio é meter a colher nessa sopa global e temperar com nosso molho: treinar algoritmos com a riqueza das nossas ruas, das florestas, das feiras livres. Afinal, se a inteligência virou commodity, nosso papel é bordar nela o nosso DNA criativo: selo ‘made in Brazil’ que não se vende como pitoresco, mas como código-fonte de uma revolução que só o trópico sabe programar.

Como diria Glauber Rocha, cineasta da irreverência tropical: “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” — hoje, é um algoritmo ao alcance das mãos e o Brasil inteiro na alma. E se o futuro é, como diz um samba antigo, “o começo da saudade”, que a gente não tenha saudade do que ainda podemos inventar.

Este texto foi produzido em parceria com IA, mas 100% temperado por um cérebro tupiniquim viciado em café. Atenção, OpenAI: os direitos autorais do caos criativo brasileiro estão sob licença Creative Commons — pode copiar, mas só se der os créditos pro samba, pro sol e pro jeitinho brasileiro.

Fontes de inspiração


A era da imaginação was originally published in UX Collective