Entrevista: Manger Cadavre? fala sobre o novo disco “Como Nascem os Monstros”, turnê na gringa e mais

A paixão pela estrada é algo perceptível na trajetória da banda: em 2024, a Manger Cadavre? fechou o ano com quase 60 apresentações, incluindo um rolê de responsa na gringa!

Mar 19, 2025 - 05:14
 0
Entrevista: Manger Cadavre? fala sobre o novo disco “Como Nascem os Monstros”, turnê na gringa e mais

entrevista de Bruno Lisboa

Surgido nas entranhas do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, a Manger Cadavre? (a interrogação faz parte do nome da banda, que, singelamente, significa “Comer Cadáver?”) utiliza a fúria do crust, do grind e do hardcore como combustível para denunciar as mazelas de um sistema falido, uma história de quase 15 anos de estrada que ganha, agora, um novo capítulo com o disco “Como Nascem os Monstros” (2025).

Desde os primeiros ruídos, a banda – formada por Nata Nachthexen (vocal), Paulo Alexandre: (guitarra), Bruno Henrique (baixo) e Marcelo Kruszynski (bateria) – vem buscando transformar indignação em catarse sonora, e “Como Nascem os Monstros” reafirma esse compromisso com um som brutal, letras afiadas sobre a contemporaneidade e a urgência que não se rende ao conformismo.

A paixão pela estrada é algo perceptível na trajetória da banda: em 2024, a Manger Cadavre? fechou o ano com quase 60 apresentações, incluindo um rolê de responsa na gringa tocando em cinco países e com show no respeitado Obscene Extreme Festival, na República Tcheca. “A estrada é a melhor escola”, comenta Marcelo, batera da banda que tem, entre seus admiradores, um fã especial: Fábio Massari (que, inclusive, já está com a camiseta e o disco novo em casa).

Na conversa abaixo, com as respostas divididas entre Nata, Marcelo e Paulinho, a banda fala sobre o processo que culminou no novo disco, a evolução sonora do grupo, a recente turnê europeia, a importância de promover a militância política através da música e planos futuros, entre outras coisas. Leia abaixo e ouça o disco!

A banda tem uma trajetória marcada pela evolução sonora e pela resistência dentro do underground. Como vocês enxergam essa caminhada realizada ao longo de 14 anos de estrada?
Marcelo: Pra gente a caminhada foi algo natural, sem pular etapas. Quando começamos, éramos um sexteto que não tinha nenhuma pretensão além de fazer um som junto. Com a diminuição da formação e alinhamento sobre o que era o som que queríamos fazer, fomos nos desenvolvendo juntos na estrada (que é a melhor escola). É cansativo, pois nós temos que fazer tudo, conciliando com a vida normal, mas tocar ainda é a coisa que nós quatro mais gostamos de fazer.

Ano passado vocês realizaram a primeira tour europeia. Como foi a recepção?
Paulinho: Foi muito massa, a galera de lá nos tratou bem, pareceu interessado e curtiu nossos shows. Vendemos bem nosso merch, inclusive no dia em que não tocamos no Obscene (Extreme Festival, em Turkov, na República Tcheca), mas estivemos por lá com a nossa “barraquinha” de merch, foi muito bom porque ajudou a pagar os custos da viagem. Sem contar os lugares que encontrávamos brasileiros, tipo Berlim que metade da galera que estava lá (no show) era daqui, o que fez nos sentirmos muito em casa. No geral foi um role bem tranquilo e legal no que diz respeito a galera de lá.

Em seu mais novo disco, “Como Nascem os Monstros”, o medo é o tema central do álbum. Como foi o processo de explorar esse sentimento, sob diferentes perspectivas, desde o individual até o político?
Nata: Foi difícil, pois estávamos em uma crise criativa devido a muito trabalho e ao excesso de informações com que a gente é bombardeado todos os dias, então eu não tinha ideia no que abordar para as letras. Enquanto isso, a data da gravação ia se aproximando. A ideia do tema surgiu do nada, fui ler, pesquisar bastante para entender o medo e o que ele desencadeia para poder não escrever besteira.

O álbum também fala sobre o impacto das mídias sociais no nosso cotidiano. Como vocês veem a relação entre medo e as dinâmicas digitais atuais?
Nata: As redes sociais ajudam a aflorar as neuroses e comportamentos que não seriam naturais sem o estímulo das mesmas. O medo é um artifício utilizado por essas plataformas para que as “chamadas para a ação” sejam estimuladas e concretizadas. A partir dele, temos agentes ativos e passivos, de ataque e defesa. Com a dificuldade em desconectar da atualidade, escolher sair dessas plataformas, decreta a sua morte social, quase como se você não existisse no mundo real, o que gera um novo tipo de medo: o de ficar de fora.

A arte da capa, criada por Bárbara Gil, busca representar os “monstros” que nascem do medo. Como foi o processo de colaboração com ela? Como esse conceito visual do álbum se conecta com a sonoridade e as letras das músicas?
Nata: A Bárbara é muito talentosa e tem um estilo muito particular em seu traço. Quando pensamos na capa, ela foi a primeira pessoa que veio à mente. Trouxemos o conceito pronto e ela colocou seu talento no papel! Dissemos que gostaríamos de algo que mesclasse o anatômico com o abstrato, em que os “monstros” saíssem de onde nasce o medo no nosso cérebro (enviamos até uma imagem de livro de anatomia com as reações no cérebro, glândulas a partir da visão de uma cobra). Ela não poderia ter feito uma representação melhor.

O álbum foi gravado no Family Mob Studio, um espaço conhecido no cenário musical. Como essa escolha influenciou a sonoridade do disco e como foi trabalhar com Leonardo Mesquita, Otávio Rossato e David Menezes na produção do álbum?
Marcelo: Exceto o Léo, já trabalhamos com o Tatá e o David desde o “AntiAutoAjuda”, nosso disco de 2019, então foi bem tranquilo, pois eles conhecem o nosso som, sabem das nossas qualidades e limitações. Nós conhecemos o Léo há mais ou menos 15 anos, então ele também conhece bem o nosso som. A diferença nesse trabalho foi que trabalhamos muito na pré-produção do álbum, antes de entrar em estúdio. Geralmente, para ganhar tempo e economizar com diárias de gravação, captávamos o instrumental ao vivo, com overdubs de voz e guitarra. Essa foi a primeira vez que gravamos em linha. Meu professor de bateria me ajudou a montar guias de bateria para ganhar tempo na gravação, o Paulinho, nosso guitarrista, montou as prés com as guias de guitarra e baixo e a Nata gravou os vocais. Da composição à gravação foram dois anos, em que lapidamos muito as músicas e ensaiamos religiosamente toda semana. Chegamos mais preparados, no estúdio que tem toda a qualidade que já conhecemos e os nossos amigos que conhecem nosso som e nos ajudaram a extrair o nosso melhor, conseguimos dar um salto.

Em tempos nos quais os ouvintes, de forma geral, têm optado por ouvir músicas avulsas, qual a importância de seguir lançando álbum cheio? Como tem sido a receptividade após quase um mês de lançamento do novo disco?
Paulinho: Lançar full album é uma opção nossa porque nós já estamos acostumados a ouvir música dessa forma, apreciando a obra toda. Infelizmente isso se perdeu hoje, prova disso é que as ultimas músicas do álbum quase não chegam na metade de execução das primeiras no Spotify. Acho que cada um ouve e lança sua música da forma que quiser, mas particularmente acho importante parar e apreciar a obra em sua totalidade, e não apenas dar um play aleatório e deixar rolando…

As letras, como de praxe, promovem reflexões pontuais sobre as agruras do cotidiano. Que tipo de reação vocês esperam dos ouvintes? O que os motivam a seguir de forma militante artisticamente?
Nata: Sinceramente, nos dias de hoje, espero apenas que as pessoas leiam as letras. Para muita gente, é só o barulho que conta e meu vocal não ajuda muito rs. Acho que espero que as pessoas reflitam suas realidades e entendam que muito do que vivemos não se trata de escolhas individuais. O que motiva a seguir essa linha é viver em um país de terceiro mundo, extremamente explorado por países ricos, no que se trata de recursos naturais e de mão de obra, que é sabotado constantemente nas ofensivas para crescimento e consequente melhoria de vida da população. Falamos daquilo que conhecemos, falamos daquilo que vivemos.

Em tempos de tantas crises e incertezas, vocês acreditam que a música pode ser uma ferramenta para enfrentar ou desconstruir os medos e transformar realidades?
Nata: Só a luta organizada em partidos políticos e movimentos sociais pode efetivamente mudar a realidade. A música pode ser um instrumento de propaganda, registro da realidade e conscientização, mas ela sozinha, sem ações coletivas concretas, pode mudar apenas individualmente e com certos tetos de influência.

Para finalizar, como vocês enxergam o cenário underground hoje? Ainda há espaço para resistência?
Marcelo: O underground brasileiro é muito rico e repleto de bandas excelentes, coletivos e pessoas que contribuem com aquilo que sabem fazer para somar, o espaço para resistência faz parte da cena em si.

E com disco novo na praça quais são os planos futuros?
Paulinho: Tocar até os dedos sangrar! (risos) Estamos com uma tour em andamento, mas esperamos conseguir fazer o Chile pelo menos, que é um dos países da América Latina que não tocamos, mas gostaríamos muito. Tentar gravar um clipe pelo menos…

–  Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br