Oscar 2025: que o prêmio de “Ainda Estou Aqui” seja a Copa de 1958, o Grammy de João Gilberto para o nosso cinema

Após 97 edições, um filme falado em português, protagonizado e dirigido por talentos brasileiros, conquistou a maior premiação do cinema mundial. “Ainda Estou Aqui” obteve um feito histórico!

Mar 4, 2025 - 16:31
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Oscar 2025: que o prêmio de “Ainda Estou Aqui” seja a Copa de 1958, o Grammy de João Gilberto para o nosso cinema

texto de Alexandre Inagaki

“Memórias estão sendo apagadas como um projeto de poder”. A fala de Walter Salles na coletiva de imprensa logo após receber o Oscar sintetiza, de forma brilhante, a importância de um filme como “Ainda Estou Aqui” ter aterrissado nas salas de cinema de todo o planeta neste momento tão crítico e delicado para regimes democráticos mundo afora.

Enfim, após 97 edições, um filme falado em português, protagonizado e dirigido por talentos brasileiros, conquistou a maior premiação do cinema mundial. “Ainda Estou Aqui”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, obteve um feito histórico, que pode e deve trazer consequências positivas para a nossa cultura.

A partir dos próximos anos, os concorrentes brasileiros ao Oscar terão um precedente valioso no qual se inspirarem, e podemos supor que os próprios eleitores da Academia prestarão mais atenção neles.

Com custo de produção de aproximadamente US$ 7,5 milhões, “Ainda Estou Aqui” recebeu uma divulgação ímpar com suas 3 indicações ao Oscar, precedidas por marcos significativos como o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza e o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama para Fernanda Torres. Tornou-se, com isso, fenômeno mundial de bilheteria: já levou mais de 5 milhões de espectadores para os cinemas brasileiros, faturou mais de US$ 5 milhões só nos EUA e, mundo afora, mais de US$ 27 milhões.

Ainda falando de sua entrevista pós-Oscar, Walter Salles destacou que o prêmio não representa reconhecimento apenas para o seu filme. É uma conquista que valoriza também a literatura brasileira, através do livro de Marcelo Rubens Paiva que deu origem ao longa; da nossa música e de talentos como Caetano Veloso, Gal Costa e Erasmo Carlos, intérpretes de canções da trilha sonora de “Ainda Estou Aqui”; e do nosso cinema como um todo, que através das repercussões internacionais deste prêmio histórico receberá maior atenção no exterior (e um bom exemplo recente foi o feito de “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro, que há uma semana conquistou o Leão de Prata no Festival de Berlim.

Que este prêmio inédito para o cinema brasileiro abra uma porta a não ser mais fechada para nossas produções audiovisuais. Assim como a conquista da primeira Copa pela seleção masculina de futebol em 1958 semeou terreno para mais quatro títulos mundiais, assim como os prêmios de Álbum do Ano e Gravação do Ano (por “The Girl From Ipanema”) em 1965 fizeram de João Gilberto o primeiro artista não-estadunidense a ganhar os Grammys principais (3 anos antes de um certo grupo britânico vencer Álbum do Ano por “Sgt. Peppers”), projetaram a MPB no exterior e ajudaram a sedimentar a carreira internacional de músicos do naipe de Tom Jobim e Sérgio Mendes.

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Antes deste histórico 2 de março de 2025, o momento em que o Brasil esteve mais próximo do Oscar foi quando “Cidade de Deus” foi indicado a 4 categorias: Melhor Direção, Montagem, Roteiro Adaptado e Fotografia. Mas tudo na vida é uma questão de timing. A maior chance brasileira naquele ano era com Daniel Rezende, que impressionou o mundo com sua edição dinâmica (justamente premiada na categoria de Melhor Montagem no BAFTA). Mas calhou de “Cidade de Deus” ter concorrido aos Oscars no mesmo ano em que “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” foi indicado a 11 estatuetas e levou todos os prêmios, não dando chances para os demais concorrentes.

Lembrei desse precedente ao me surpreender em constatar o quanto “Anora” agradou a Academia. Disputou 6 estatuetas e só não ganhou a de Ator Coadjuvante porque Kieran Culkin, por sua atuação em “A Verdadeira Dor”, ganhou todos os prêmios anteriores aos quais foi indicado (Globo de Ouro, Critics’ Choice, BAFTA, Sindicato dos Atores…). Graças ao sucesso esmagador de “Anora” junto aos votantes do Oscar, seu diretor, roteirista, produtor e editor Sean Baker obteve a façanha inédita de ganhar 4 estatuetas numa mesma noite por um único filme (Walt Disney venceu 4 Oscars em 1954, mas por ter sido produtor de 4 filmes distintos vencedores dos prêmios de Melhor Longa Documentário, Curta Documentário, Curta-Metragem e Curta de Animação).

E… não deu para a Fernanda Torres. Afinal, o rolo compressor de “Anora” também passou pelo Oscar de Melhor Atriz, que foi parar nas mãos de Mikey Madison, protagonista e alma do filme. Não posso dizer que foi um prêmio injusto, porque Mikey está magnífica na produção que já havia lhe rendido outras conquistas importantes como o BAFTA e o Spirit Awards. Mas não creio que a performance de Fernanda como Eunice Paiva será sua única indicação ao Oscar. A temporada deste ano fez com que Hollywood se rendesse ao seu carisma e à sua personalidade coruscante; e, agora que a protagonista de “Os Normais” e “Tapas e Beijos” passou a ser conhecida mundo afora, espero que Fernanda seja chamada para mais produções e, assim como a francesa Juliette Binoche e a espanhola Penélope Cruz se consolidaram como estrelas internacionais e conquistaram o Oscar (respectivamente, por “O Paciente Inglês” em 1997 e “Vicky Cristina Barcelona” em 2009), a vez de Fernanda Torres também chegará.

Apresentadores de TV na Letônia celebrando “Flow”

P.S. 1: Fora o Oscar de Melhor Filme Internacional, o prêmio que me deixou mais feliz foi o de Melhor Longa Animado para “Flow”, que conseguiu superar os pesos-pesados “O Robô Selvagem” (da Dreamworks) e “Divertida Mente 2” (da Pixar). Em minha coluna anterior, já havia destacado toda a comoção e o furor que os prêmios internacionais para a animação de Gints Zilbalodis, causaram na Letônia.

E não posso deixar de destacar o simpaticíssimo perfil que Gints mantém no Instagram, em que mostra flagrantes como sua comemoração levando a estatueta do Oscar para uma mesa de lanchonete onde comeu hambúrguer. Também vale mencionar a foto que Gints postou ao lado de Walter Salles; os responsáveis pelos primeiros Oscars de Brasil e Letônia juntos, acompanhados por uma legenda com as bandeiras de seus respectivos países.

P.S. 2: Neste ano, acertei 16 de 23 previsões para o Oscar 2025. Além de não esperar que “Anora” fosse consagrado de maneira tão contundente, fui derrubado nas categorias que costumam ferrar todo bolão: Curta-Metragem, Curta de Animação e Curta de Documentário. Ao menos cravei a categoria de Longa de Documentário; vitória justa para “No Other Land”, filme co-dirigido por um coletivo de quatro ativistas palestinos e israelenses, que também rendeu o discurso mais político e contundente da noite.

 

P.S. 3: Para 2026, o Brasil já tem, além do premiado em Berlim “O Último Azul”, o novo filme de Kleber Mendonça Filho, “O Agente Secreto” (protagonizado por Wagner Moura), como outro possível concorrente à próxima edição do Oscar. Agora que já carimbamos o passaporte do prêmio mais desejado do cinema mundial, espero que a indústria audiovisual brasileira aproveite a visibilidade inédita e o bom momento para se consolidar com mais investimentos e mais produções de qualidade.

– Alexandre Inagaki é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, e consultor de mídias sociais. Já escreveu para a Rolling Stone Brasil, Trip e foi responsável pela criação e planejamento de campanhas online para Coca-Cola, Sony Pictures, entre outros. É curador da Campus Party e youPIX Festival. Publica textos na internet desde 1999. Começou em blogs coletivos e em seu próprio e-zine, chamado SpamZine. Além do Pensar Enlouquece, também foi um dos criadores do InterNey Blogs, um portal brasileiro de blogs.  (linktr.ee/alexandreinagaki)