Bolinha, o homem dos bastidores no stand-up, também sabe brilhar em palco
Habitualmente produtor de espectáculos de comédia, Bolinha chega-se à frente com ‘FreakShow Doubles’. “Gosto muito de estar à frente do palco”, diz à Time Out.


Não era suposto Bolinha – alcunha carinhosa de Guilherme Nunes – ter-se tornado numa figura central na comédia portuguesa. Não ficamos surpreendidos se o leitor não conhecer este nome. Bolinha não é alguém que costume dar a cara, não foi assim que criou a sua reputação. Foi atrás das cortinas, enquanto produtor, a ajudou a criar podcasts e espectáculos de grupos como Os Primos, Cubinho, Roda Bota Fora. Através da produtora Freakshow, apoiou inúmeros jovens comediantes.
Desta vez, é diferente. O produtor de 34 anos vai regressar a palco no espectáculo de stand-up Freakshow Doubles. O conceito é juntar dois humoristas no mesmo palco e deixar cada um fazer o seu texto. Bolinha vai fazer par com Pedro Durão (Roda Bota Fora, Notícias a Sério) e passam por Lisboa, no Teatro Villaret, a 18 e 19 de Março.
Apesar de ter um percurso que o levou a cruzar-se com alguns dos maiores nomes do humor nacional, era suposto o seu caminho ter sido trilhado dentro das quatro linhas do campo de futsal. Antes de imaginar que a sua vida passaria por fazer as outras pessoas rir, foi guarda-redes de futsal e passou por clubes como Benfica, Belenenses ou Quinta dos Lombos, onde, aos 21 anos, sofreu uma lesão que o levou a pendurar as botas.
Depois disso, trabalhou como vendedor de equipamento de construção civil. “Durante três anos e meio, vendi geradores, retroescavadoras, compressores e por aí fora...”, conta à Time Out. Ainda teve uma experiência, durante ano e meio, a trabalhar como vendedor para uma empresa de produtos de gelados italianos que fornecia gelatarias de todo o país.
Como surgiu então a comédia na vida de Bolinha? “Há muitos, muitos anos”, responde-nos o produtor. “Eu e um amigo, o Nelo [uma figura recorrente nos podcasts Cubinho e Epá, Por Mim Não], sempre gostámos de nos rirmos e, essencialmente, de fazer rir. Quando éramos mais novos tínhamos o hábito de, no Carnaval, ir até Torres Vedras e usar disfarces engraçados e chocantes”, diz, acrescentando que iam praticamente “nus” para a noite.
“Começámos a ganhar alguma fala e fomos contactados para aparecer no Portugal tem Talento, em 2010. Fizemos uma performance e, apesar de não termos sido escolhidos, íamos sendo convidados para aparecer em bares e actuar. Não tinha grande paciência para estar sempre a pensar em coisas novas para fazer e acabámos por deixar esta ideia de parte”, recorda. No entanto, confessa que isto foi o suficiente para lhe criar um “bichinho”.
Anos mais tarde, acompanhou um amigo de infância, João Pereira, a fazer stand-up. Graças a esta experiência, acabou por se integrar no circuito do humor e a ideia de fazer alguma coisa neste mundo continuava a fervilhar.
Depois de abandonar a empresa de produtos de gelados, tentou, pela primeira vez, dedicar-se completamente à comédia. “Foi a primeira tentativa falhada”, revela. “Tinha 26 anos e comecei a fazer stand-up. Depois tive um projecto com o Pedro Durão e o Pedro Sousa, que era uma banda de comédia, chamada Dona Chica. Este momento foi o início da FreakShow”, descreve.
O trio ainda fez alguns espectáculos sob o signo deste projecto, mas, pouco tempo depois, questões financeiras levaram Bolinha a voltar a vender geradores e compressores.
Um ano e meio depois, a viver esta vida dupla, surgiu a ideia para criar Roda Bota Fora, onde seis comediantes (Guilherme Fonseca, Pedro Durão, Pedro Sousa, Diogo Abreu, Daniel Carapeto e Duarte Correia da Silva) e um convidado fazem uma “batalha” de piadas rápidas onde o júri é o público e, através de palmas, decidem quem foi mais engraçado.
Quando este espectáculo partiu numa tour para fora de Lisboa, Bolinha voltou a despedir-se. Essa foi a última vez que trabalhou fora da comédia. No entanto, tinha juntado o suficiente para montar um estúdio e comprar equipamento. “Foi um esforço trabalhar nas duas áreas, mas consegui criar as condições para os agenciados trabalharem melhor”, diz.
Desde esse momento ajudou a produzir outros momentos de stand-up, a criar alguns dos podcasts de maior sucesso de Portugal, como Os Primos ou Cubinho, esteve envolvido na produção do Fox Comedy Club e, apenas periodicamente, fazia stand-up nas noites de FreakShow Labs.
“Estava rodeado por pessoas como o Pedro Durão, Diogo Batáguas, o Carlos Coutinho Vilhena ou o Manuel Cardoso e achava sempre que tinha menos qualidade”, confessa. “Sentia que tinha mais impacto a potenciar as pessoas que estavam à minha volta, e que eu gostava. Via estas pessoas talentosas a serem mal remuneradas para o trabalho que estavam a fazer, então comecei a negociar e a ajudá-los a receberem mais dinheiro pelas suas actuações. Em vez de receberem 20€ por espectáculo, começaram a receber 100€. Isso fez toda a diferença.”
Quando é que surgiu então esta vontade de regressar ao palco com mais regularidade? Apesar de agora ter uma equipa que o ajuda e permite pensar mais nas suas ambições pessoais, no fundo, “a culpa é do António Azevedo Coutinho”, acusa, referindo-se ao colega com quem trabalhou em Epá, Por Mim Não e, agora, em Cubinho.
O comediante incentivou Bolinha a voltar ao stand-up, muito também motivado pela participação cada vez mais activa no podcast, protagonizado ainda por Ricardo Maria e Vítor Sá.
Nos primeiros episódios deste projecto – que começou como uma mini-série para o YouTube, passou para um espectáculo ao vivo e agora é um podcast em que os humoristas falam (e divagam) sobre um tema – o produtor dava apenas alguns “in-puts”, mas, progressivamente, foi participando cada vez mais e, actualmente, tem também uma câmara apontada ao seu rosto para gravar as suas reacções e participações. Actualmente, inclusive, um dos conteúdos publicados no canal de YouTube da FreakShow é POV Bolinha, onde podemos ver o dia-a-dia do produtor na primeira pessoa, desde os bastidores da gravação dos podcasts, dos espectáculos e como é a vida na estrada para um humorista e a sua equipa.
Uma das participações de Bolinha que o motivaram a avançar com este espectáculo foi no episódio 132, quando, durante quase 30 minutos, relata a história sobre um episódio durante o Verão onde esteve nas festas de Pias, uma freguesia no distrito de Beja.
Este foi um dos momentos mais memoráveis da história do podcast e, inclusive, levou a que organizasse nesta terra um espectáculo de stand-up, com Carlos Contente, Mariana Rosário e o Mário Falcão. Apesar de não ter corrido como pretendiam – era um público “difícil” e mais velho, que não percebia muitas das referências dos humoristas –, o pós-espectáculo ajudou a aumentar a confiança. “Foi um dia difícil, mas todas as pessoas que vinham falar comigo mencionavam essa história e estavam muito felizes. Senti-me bem e foi a primeira vez que senti que estava a ter impacto neste sentido”, admite.
Apesar do carinho e apoio que tem recebido, Bolinha continua a defender que não tem as mesmas capacidades para fazer stand-up que os seus pares. Não tem a mesma capacidade de fazer punch-lines ou de pensar ângulos humorísticos para as suas histórias. Mas promete que podemos ouvir muitas das histórias bizarras que lhe acontecem – inclusive um episódio que aconteceu numas férias no Brasil que disse que não podia contar em Cubinho.
O FreakShow Doubles, que junta Bolinha e Pedro Durão (que não fazia stand-up há quatro anos), já passou pelo Porto, por Viseu e Braga. Apesar dos nervos, das lágrimas e do vómito de ansiedade antes de subir aos palcos, o produtor diz-nos que as actuações têm sido bem recebidas por parte do público. Poderá isto ser o início de algo mais sério e duradouro? Só o tempo dirá.
“Mesmo havendo mais pressão – se estiver nos bastidores e algo correr mal, posso rir-me sozinho; se estiver em palco, riem-se de mim. Gosto muito de estar à frente do palco. Antes de jogar à bola, queria ser actor. Depois de ficar relaxado, fico feliz por saborear e experimentar coisas novas”, afirma. “Mas, neste momento, a minha prioridade são os nossos agenciados. Quero garantir que todos têm a oportunidade de serem bem-sucedidos. Depois logo se vê. Até lá, vou matando este bichinho do palco.”
Teatro Villaret. 18-19 Mar (Ter e Qua). 15€