Entre batidas e marés: o amor que ecoa no EP de Clara Ribeiro

Entre conexões musicais, amor e o verão, Clara Ribeiro e Diogo Queiroz falam sobre a essência do EP 'Amor Para Além do Atlântico Sul' The post Entre batidas e marés: o amor que ecoa no EP de Clara Ribeiro appeared first on NOIZE | Música do site à revista.

Mar 18, 2025 - 15:12
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Entre batidas e marés: o amor que ecoa no EP de Clara Ribeiro

Há discos que chegam como brisa, refrescando a alma no meio do calor. Outros vêm como ondas, carregando força, história e um movimento que não pode ser contido. Amor Para Além do Atlântico Sul (2025) é um pouco dos dois. Em seu primeiro EP, Clara Ribeiro, cantora e compositora da zona norte do Rio de Janeiro, sopra suave, mas carrega consigo uma maré cheia de encontros, de influências e um sentimento que se espalha sem pedir permissão.

O amor é um território sem fronteiras mas, neste EP, ele atravessa continentes embalado por gêneros que nasceram longe e que encontraram morada no peito de quem sente. O Afrobeats e o Amapiano, com sua pulsação hipnótica, a cadência do reggae jamaicano, se entrelaçam em um EP que não apenas fala de amor, mas o traduz em ritmo, em voz e  essência.

Em entrevista exclusiva, Clara confessa que mergulhou em um processo criativo intenso, onde cada detalhe foi pensado e sentido ao lado de Diogo Queiroz, seu companheiro e produtor executivo.

Nesta conversa, falamos sobre o tempo de criar e de amadurecer um projeto, de aceitar que as coisas acontecem quando precisam acontecer; e sobre os laços que a música cria a partir do desejo de levá-la para outros cantos do mundo, de expandir esse sentimento para além das fronteiras de qualquer mapa.

O seu EP traz uma mistura de ritmos com influências da cultura afro-diaspórica. Como foi para você se conectar com essas referências e trazer isso para o seu som?

Clara Ribeiro: Cara, eu acho que já vinha me conectando com esse gênero há um tempo. Desde que comecei a ter contato com o Diogo, conheci a galera do Jamaicaxias e fui explorando outros mundos. Kbrum me influenciou muito nesse sentido, na escolha de como construir esse EP, especialmente na parte dos gêneros musicais.

Mas também acredito que minha ancestralidade já carrega isso comigo, sabe? Tudo que vivi, tudo que sou, já tem um pouco desse universo. Então, nada mais justo do que trazer isso para o meu som e reforçar essas ideias.

O EP conta com quatro faixas. Como foi o processo de composição e seleção das músicas? Alguma delas surgiu de forma inesperada? Sei que tem uma música com composição do Maui dentro do EP. Como foi todo esse processo de escolha, criação e desenvolvimento?

Clara Ribeiro: Então, duas faixas não são minhas, né? “Cuidar de Você”, do Maui, e “Jogo Bobo”, que foi escrita pelo Kbrum.

Já “A Forma da Água” tem uma referência muito forte para mim. Lembro que estava indo para a faculdade ouvindo Alcione, e tem uma música dela que começa com algo como “te ver, pra mim, é como pular de um trampolim”. Eu queria começar com essa ideia para tentar explicar como me sentia no meu relacionamento saudável, que eu construí. Então, Alcione foi uma referência muito forte nesse processo de composição.

Também conversei com o Diogo sobre “Encontros”. Eu não sou muito boa de lembrar exatamente o que falo, mas escrevi sobre relacionamentos, amor, expectativas… Era um tema que queria trazer. Nessas duas faixas que escrevi, explorei como me sentia dentro de um relacionamento saudável, como eu, Clara, me construí dentro dele. Porque a Clara Ribeiro, de certa forma, também existe a partir desse relacionamento.

Ela não tem refrão, é um looping. E fiz isso porque queria passar essa sensação de algo que gostaria de viver eternamente. O processo foi acontecendo naturalmente. Nunca consegui escrever uma música inteira em um dia. Por exemplo, quando escrevi “Arrepio”, já tinha escrito uma parte de “Encontros”. As coisas foram se encaixando.

Hoje sinto que meu processo criativo está mais fluido, mas, no começo, eu escrevia partes de músicas e ia conectando conforme o sentimento.

Diogo Queiroz: E para completar as outras duas, o Maui escreveu “Cuidar de Você” porque quis. Um dia, ele viu a gente juntos, teve uma ideia e escreveu a música em casa. Depois, mandou para o CL, que fez o beat, e os dois já me enviaram a faixa pronta.

Literalmente fez o beat.

(risos)

Diogo Queiroz: Não era nem na intenção de estar no EP. Era só escrever essa música pensando na situação que vocês estavam vivendo. Acho que você poderia cantar ela, se quisesse. E o Kbrum com “Jogo Bobo” foi mais ou menos parecido, porque ele escreveu uma letra pra ele, se inspirando numa cantora de reggae, que eu não lembro o nome dela agora.

Ele escreveu a música inspirado nela, mas percebeu que ela não ficaria tão boa na própria voz, que é mais forte. Era uma voz mais aveludada.

Nesse processo, já estávamos trocando ideia com ele para dirigir o EP. Ele falou: “Também tem uma música aqui” e mandou pra gente. Chamou o kNomoh pra fazer a melodia. Então, as duas músicas chegaram até a Clara sem ela ter procurado por elas. Eles mandaram porque quiseram, e as duas entraram no EP.

Muito bacana esse processo, e essa parceria entre vocês. Dentro dessas faixas, tem alguma que é a sua queridinha, aquela que você tem um carinho muito forte?

Clara Ribeiro: Cara, essas músicas estão prontas há mais de um ano, né? Então, eu passei por um processo de amar muito essas músicas, mas depois fui por outro processo, tipo, “não quero mais lançar”. Não sei se tenho alguma preferida, mas apostei muito em Encontros, porque eu queria muito fazer um amapiano. E o Diogo me incentivou muito nisso. Ele foi uma das primeiras pessoas a falar: “Você tem que fazer um amapiano, porque vai dar certo”.

Diogo Queiroz: É, mas a ideia veio do Antconstantino e do Kbrum. Foram eles que deram a ideia, e eu levei até você.

Clara Ribeiro: É, mas então, apostei muito em “Encontros”. Tanto que ela é a música de trabalho do EP, é a que a gente está divulgando e está alcançando números mais rápidos. Eu acreditei muito nela. Então, acho que ela tem um espacinho no meu coração.

Eu vi uma entrevista que você deu no ano passado para a Rapentinamente, e você já falava sobre o EP e tudo mais. Nesse meio tempo, entre 2022 e 2024, você lançou alguns singles. Eles, de alguma forma, ajudaram a construir esse caminho para o EP?

Clara Ribeiro: Não, o EP já existia antes desses singles saírem. Acho que foi “Prefácio” o primeiro que lancei.

Diogo Queiroz: “Prefácio”, “Pertinho de Mim”…

Clara Ribeiro: “Pertinho de Mim” e “Presente”. Essas músicas surgiram de forma espontânea. As músicas do EP estavam prontas desde 2023, gravei em outubro.

Queria que esses dois projetos se interligassem, mas os singles que lancei não têm muito a ver.

Uma parte que eu gostei muito desse projeto foi a parte visual. Acredito que ela ajudou a passar a vibe do EP. Como foi pensar nessa estética, na capa e nos materiais promocionais? Teve alguma inspiração nesse processo?

Clara Ribeiro: Cara, eu pesquisei muito. Depois que as músicas ficaram prontas, eu já sabia o que queria. Sabia que, como ia trazer gêneros afrolatinos, queria também inserir um pouco da minha religião, falar sobre ela… Mas, no final, não foi tanto nesse sentido. Mesmo assim, pesquisei bastante. Lembrei do filme da Rihanna com Donald Glover (Guava  Island), acho que todos vocês já viram. E aí pensei: “Cara, acho que quero seguir por esse caminho”. Tanto que “Encontros” foi muito inspirado nesse filme.

A partir disso, comecei a pesquisar mais. Sabia que queria contar uma história, mas não uma história convencional. Queria que o visual fosse como manhã, tarde, noite e madrugada, e que, em cada período, uma história fosse contada.

Gravamos “A Forma da Água” de madrugada, virando o dia. Queríamos capturar uma luz diferente nesse horário, mas estava nublado, então tivemos que improvisar. Já “Jogo Bobo” foi gravado à tarde, trazendo uma vibe reggae. Convidei a galera do Jamaicaxias porque queria capturar a estética de estarmos juntos, bebendo e rindo. O ideal era achar um bar com as cores do reggae, mas não encontramos. Então, escolhemos o bar mais simples, justamente para trazer algo mais suburbano.

“Encontros” foi gravado no pôr do sol, pois queríamos outra luz, mais suave. Já “Cuidar de Você” foi gravado à noite, porque eu queria o fundo preto, criando a sensação de estar num altar, como uma deusa sendo endeusada. Não tem tanto a ver com a música, mas a estética foi pensada para transmitir isso.

Queria também trazer um pouco da estética de Macumba, que é algo que me representa. Para as roupas, chamei a Sofia Gama, que trabalha com argila e tem um toque muito manual. Ela é uma mulher indígena, e sabia que ela traria algo único, uma brasilidade que se conecta com o bar, os amigos, a praia.

O visual foi todo pensado em questão de luz e energia que eu queria transmitir, e isso foi se montando na minha cabeça.

Agora, sobre o tempo entre o EP estar pronto e o lançamento, como foi esse processo? Eu lembro que a previsão inicial era outra. Lançar agora, no início de 2025, no verão, foi uma escolha pensada? Você acha que esse clima tem a ver com o que você quer transmitir nas músicas?

Clara Ribeiro: É, eu estava pensando nisso, sabia? Acho que combina com as músicas, esse calor… É meio que o astral, a vibe solar do EP, né? Faz muito sentido. Eu queria ter lançado ele no ano passado, em fevereiro. A ideia era lançar em fevereiro de 2024. Mas quando a gente faz um projeto sem muito dinheiro, depende de outras pessoas, e essas pessoas também têm outros compromissos porque precisam se sustentar. Então, acabou atrasando. Uma coisa foi se sobrepondo à outra e não conseguimos lançar na data planejada.

Não foi algo pensado, tipo, ‘vou lançar em janeiro porque vai estar calor e combina’. Mas, no fim das contas, acho que tudo aconteceu da maneira que tinha que ser. Faz sentido agora. Eu acredito que realmente era para ser assim.

E nesse trabalho, você trabalhou com o Chediak, CLFEZOBEAT, Kbrum… São pessoas próximas de você, né? Como foi essa troca durante o processo? O que cada um deles trouxe para o EP, tanto nas sessões de estúdio quanto no trabalho de produção?

Clara Ribeiro: O Kbrum é o diretor do EP, né? O diretor musical do projeto. O CL é quem captou e eu tenho uma relação com ele porque basicamente todas as minhas músicas até hoje foram captadas por ele, com exceção de ‘Pertinho de Mim’. A primeira que lancei foi ‘Intensidade’. Ele sempre esteve presente de alguma forma e agrega muito no processo. O Kbrum e o CL, juntos, fizeram a sessão com a gente. O Diogo também estava lá. O Kbrum e o CL estavam sempre ali dizendo onde eu podia melhorar, tipo, “Bota uma entonação diferente nessa parte”. É ótimo ser dirigida no estúdio porque você se sente mais segura. Então, com eles me dirigindo, me senti mais segura.

O Chediak não estava no EP inicialmente. A princípio, o EP foi pensado para ter dois beats do CL, um do Enigma e o último que ainda não tinha muito definido. Só que a música “Forma da Água” foi transformada pelo Chediak. Ela não estava funcionando pra mim do jeito que deveria. Aí o Diogo foi atrás do Chediak, que fez o beat. O Chediak não costuma fazer Afrobeat, ele trabalha com música eletrônica.

Quando ele ouviu minha voz e fez o beat, casou perfeito. Aí, percebemos que ele tinha transformado a música, ele é um monstro. O Chediak se tornou meu produtor musical, porque o próximo EP será todo com ele. Eu tenho muito carinho por ele, ele sempre acredita nas minhas ideias. Sem ele, isso não aconteceria. Essas três pessoas e o Diogo estão sempre somando no lado musical, e o Wander no lado visual.

Eu percebi que essas músicas, do começo ao fim, trazem uma atmosfera bem marcante. O que você esperava que as pessoas sentissem ao ouvir o EP?

Clara Ribeiro: Na verdade, me impressiono com as pessoas me dizendo como estavam se sentindo, porque eu não sabia como reagiriam. Eu refleti sobre isso por muito tempo, e muita coisa dentro de mim mudou desde que fiz essas músicas. Então, eu falei: “Não sei”. E aí, as pessoas ouviram e, por exemplo, “Encontros”… Todo mundo gostou, e eu achei que iam estranhar, mas gostaram.

Eu só esperava que as pessoas sentissem todo o amor que eu queria passar. Isso sempre esteve claro dentro de mim. Eu sou essa pessoa, a pessoa que ama. Tenho muito amor pra dar, dou muito carinho às pessoas. Queria que elas sentissem isso. E, principalmente, que as mulheres pretas, como falei com a Jacquelone, entendessem que somos capazes de amar, independentemente dos desafios que já passamos, dos amores que não deram certo.

Somos, sim, capazes de viver um amor saudável. Mas, muitas vezes, achamos que não somos. Acontece, sim. Quando tem que acontecer, acontece. E quando acontece, é isso, é esse EP. É algo além, é para além de nós. Eu acho que é isso que eu queria transmitir. Fiz o EP para elas, mas todo mundo pode sentir o que quiser. Mas, se puderem sentir todo esse amor que eu queria passar, acho que já valeu a pena. E tenho recebido muitas mensagens das pessoas falando isso. Para mim, já vale tudo, tudo.

Esse título, ‘Amor Para Além do Atlântico Sul’, me traz uma ideia de conexão. Qual foi o significado dele para você e como ele se relaciona com essas músicas?

Diogo Queiroz: Na hora de pensar o título, a gente teve bastante dificuldade. Dar nome para música ou EP é complicado pra caramba, é muito difícil. Pensamos bastante, e a ideia surgiu meio que do que você falou, da conexão. Como são gêneros musicais que vêm da África, como amapiano, que é um gênero sul-africano, e o Afrobeat, que é muito forte na Nigéria, a gente pensou: “Estamos fazendo um EP de amor, feito no Brasil, mas, tirando o reggae jamaicano, praticamente todos os gêneros vêm da África”.

Por isso, é um amor para além do Atlântico Sul, porque esses gêneros musicais vêm de lá. É a conexão da inspiração que vem de lá pra gente, e a questão de mandar esse amor para qualquer lugar. A ideia foi pegar esse amor que pode ir além de qualquer coisa, somado aos gêneros musicais que vêm do outro lado do Atlântico Sul, como amapiano e o Afrobeat. Então, essa ideia de a música chegar lá e cá, do nosso lado sul do planeta, que é a América do Sul e a África do Sul, foi pensada dessa forma.

Clara Ribeiro: Mas demorou até chegar nesse…

Diogo Queiroz: É, demorou bastante.

Clara Ribeiro: Esse nome não foi fácil, não. Demorou bastante.

Diogo Queiroz: É, a gente teve vários nomes piores. Até chegar nesse foi complicado. Também estávamos pensando na pressão que as pessoas colocam de ter que ser um nome simples, rápido, claro… A pessoa vai pensar muito por esse lado. Eu sou mais desprendido dessas coisas, acho que a gente tem que fazer do nosso jeito mesmo, porque, enfim, se for pra dar certo, vai dar certo. No fim das contas, esse nome ficou ótimo. Acho que todo mundo recebeu muito bem e funciona.

E, para a última pergunta: agora que o EP está na rua, de fato, quais são os próximos passos? Tem alguma colaboração vindo por aí? Você já mencionou que tem um outro EP, com uma pegada totalmente diferente e tudo mais. Quais são suas expectativas agora para isso?

Clara Ribeiro: Fazer show. Eu quero levar esse EP para outros estados, quem sabe até para outros países, porque estão me reconhecendo. A galera da Argentina já postou sobre mim, o que me deixou muito feliz. Queria muito fazer um show internacional. Mas, é isso, fazer show e pensar. Eu gosto muito de cuidar da parte visual, além de gravar tudo. Então, o foco agora é fazer show. Não tenho nenhum single previsto para lançar no momento, mas tem esse EP e é isso: focar em fazer show e, mais para frente, lançar o próximo EP.

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