Ao vivo: Lacuna Coil mostra evolução, criatividade e setlist ousado em São Paulo

O show no Carioca Club foi incrível, mas a casa ficou pequena. Tá na hora da banda dar um passo adiante e tocar num lugar que comporte melhor essa energia absurda, porque a demanda existe, e é grande.

Mar 18, 2025 - 15:12
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Ao vivo: Lacuna Coil mostra evolução, criatividade e setlist ousado em São Paulo

texto de Paulo Pontes

Pense numa banda que tenha, no mínimo, dez discos lançados. Agora, imagine um show dessa banda com 21 músicas no setlist. Pensou? Se você é fã de heavy metal, pode ter lembrado de Iron Maiden, Metallica, Judas Priest, Saxon…

Agora, considere que, dessas 21 músicas, 11 são dos dois últimos álbuns da banda. É como se o Iron fizesse um show com seis músicas de “Senjutsu” e cinco de “The Book of Souls”. Muita gente poderia até achar foda pra caralho, mas a galera em geral estranharia, né?

Pois bem, tem que ter muita coragem e, mais do que isso, um repertório de músicas novas realmente forte pra bancar essa decisão. E foi exatamente isso que o Lacuna Coil tem feito em sua nova turnê, que passou por São Paulo no dia 15 de março, no Carioca Club.

E antes mesmo de a banda subir no palco, já dava pra ver que a noite ia ser especial. Ingressos esgotados, casa lotada, um mar de camisetas pretas e fãs que não estavam ali só pra ver um show qualquer. O Carioca Club, que é um ótimo lugar pra shows de médio porte, ficou pequeno demais pro tamanho do Lacuna Coil hoje.

Os italianos não vivem do passado. É claro que clássicos como “Heaven’s a Lie” e “Our Truth” seguem firmes no repertório, mas o que impressiona é a força do material mais recente. Enquanto muitas bandas veteranas se apoiam exclusivamente na nostalgia, o Lacuna continua compondo, arriscando e se reinventando.

Essa habilidade de evoluir sem perder sua identidade, enquanto abraçam novas influências e estilos, é uma das razões pelas quais conquistaram novos fãs ao longo dos anos, sem abrir mão da base de admiradores que cresceram com eles.

O show em São Paulo provou exatamente isso. Seis músicas do setlist vieram do recém-lançado “Sleepless Empire”, que chegou às plataformas e lojas físicas em março de 2025. É um álbum que já nasceu grandioso e reafirma que o Lacuna Coil está em um dos melhores momentos da carreira.

As novas músicas soam intensas e diversificadas, com peso, melodia e identidade própria. “Hosting the Shadow” abriu caminho com sua atmosfera densa e envolvente. “In The Mean Time” trouxe um jogo interessante entre os vocais de Cristina e Andrea, criando aquela dinâmica única que eles sabem fazer tão bem

Já “Oxygen” e “Gravity” foram recebidas de forma calorosa pela plateia, mas foi em “I Wish You Were Dead” que ficou claro que o “Sleepless Empire” tem um daqueles hinos que entram no setlist pra nunca mais sair. Com um refrão grudento, pegada forte e um equilíbrio perfeito entre o melódico e o agressivo, essa é, sem dúvida, uma das faixas mais radiofônicas que o Lacuna Coil já lançou. O tipo de música que conquista os fãs antigos e atrai um novo público. Do novo disco, ainda rolou “Never Dawn”, que tem uma pegada densa e obscura.

Se o Lacuna Coil olha pra frente, isso não significa que esqueceu o passado. Mas a forma como a banda lida com seus clássicos mostra a maturidade e a evolução do grupo.

Em 2002, “Comalies” colocou o Lacuna Coil no radar mundial, com hinos como “Heaven’s a Lie”, “Swamped” e “Tight Rope”. Mas, em vez de simplesmente tocar essas faixas nas versões originais, a banda tem priorizado as regravações do “Comalies XX”, lançado em 2022.

E que decisão acertada! As versões atualizadas são mais pesadas, sombrias e se encaixam melhor na sonoridade atual da banda. Os arranjos ganharam mais corpo, os vocais estão mais agressivos, e a produção dá um impacto moderno às músicas. Isso ficou claro, por exemplo, em “Swamped XX”, que veio no bis e soou ainda mais intensa ao vivo.

Essa postura mostra que a banda respeita seu legado, mas não tem medo de revisitá-lo e adaptá-lo ao presente. Em vez de se prender a um passado intocável, eles o reimaginam e o tornam ainda mais relevante. E isso é muito foda!

Desde o início, a plateia fez sua parte. Cantou tudo, tanto os clássicos quanto as músicas novas. A energia foi constante, sem aquele típico momento de “vou ali pegar uma cerveja enquanto toca essa música que eu não conheço”. O público estava entregue.

Falar do vocal de Cristina Scabbia é chover no molhado. A mulher está cantando que é um absurdo, tem uma puta extensão vocal e sua presença de palco cada vez melhor. Outro destaque foi a performance de Andrea. O cara interagiu o tempo todo, incentivando e puxando coros. A química entre os dois segue sendo um dos maiores trunfos do Lacuna Coil.

Ah, rolou também o já esperado momento “Enjoy the Silence”, cover do Depeche Mode que virou tradição nos shows do Lacuna Coil, e o público sempre responde como se fosse a primeira vez. É aquele ponto de catarse coletiva que mostra como a banda conseguiu transformar um clássico dos anos 80 em algo totalmente deles.

Se no Summer Breeze 2024 (atual Bangers Open Air) o atual Lacuna Coil já tinha impressionado, dessa vez a banda fez questão de mostrar todo o seu poder com um show completo, sem limitações de tempo. Foi uma apresentação intensa, bem planejada e cheia de energia, deixando claro que a banda segue firme, criativa e com um repertório fortíssimo.

Mas ficou evidente que os italianos pedem um espaço maior em São Paulo. O show no Carioca Club foi incrível, mas a casa ficou pequena demais. Tá na hora da banda dar um passo adiante e tocar num lugar que comporte melhor essa energia absurda, porque a demanda existe, e é grande.

– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.