Ao vivo: Lacuna Coil mostra evolução, criatividade e setlist ousado em São Paulo
O show no Carioca Club foi incrível, mas a casa ficou pequena. Tá na hora da banda dar um passo adiante e tocar num lugar que comporte melhor essa energia absurda, porque a demanda existe, e é grande.

texto de Paulo Pontes
Pense numa banda que tenha, no mínimo, dez discos lançados. Agora, imagine um show dessa banda com 21 músicas no setlist. Pensou? Se você é fã de heavy metal, pode ter lembrado de Iron Maiden, Metallica, Judas Priest, Saxon…
Agora, considere que, dessas 21 músicas, 11 são dos dois últimos álbuns da banda. É como se o Iron fizesse um show com seis músicas de “Senjutsu” e cinco de “The Book of Souls”. Muita gente poderia até achar foda pra caralho, mas a galera em geral estranharia, né?
Pois bem, tem que ter muita coragem e, mais do que isso, um repertório de músicas novas realmente forte pra bancar essa decisão. E foi exatamente isso que o Lacuna Coil tem feito em sua nova turnê, que passou por São Paulo no dia 15 de março, no Carioca Club.
E antes mesmo de a banda subir no palco, já dava pra ver que a noite ia ser especial. Ingressos esgotados, casa lotada, um mar de camisetas pretas e fãs que não estavam ali só pra ver um show qualquer. O Carioca Club, que é um ótimo lugar pra shows de médio porte, ficou pequeno demais pro tamanho do Lacuna Coil hoje.
Os italianos não vivem do passado. É claro que clássicos como “Heaven’s a Lie” e “Our Truth” seguem firmes no repertório, mas o que impressiona é a força do material mais recente. Enquanto muitas bandas veteranas se apoiam exclusivamente na nostalgia, o Lacuna continua compondo, arriscando e se reinventando.
Essa habilidade de evoluir sem perder sua identidade, enquanto abraçam novas influências e estilos, é uma das razões pelas quais conquistaram novos fãs ao longo dos anos, sem abrir mão da base de admiradores que cresceram com eles.
O show em São Paulo provou exatamente isso. Seis músicas do setlist vieram do recém-lançado “Sleepless Empire”, que chegou às plataformas e lojas físicas em março de 2025. É um álbum que já nasceu grandioso e reafirma que o Lacuna Coil está em um dos melhores momentos da carreira.
As novas músicas soam intensas e diversificadas, com peso, melodia e identidade própria. “Hosting the Shadow” abriu caminho com sua atmosfera densa e envolvente. “In The Mean Time” trouxe um jogo interessante entre os vocais de Cristina e Andrea, criando aquela dinâmica única que eles sabem fazer tão bem
Já “Oxygen” e “Gravity” foram recebidas de forma calorosa pela plateia, mas foi em “I Wish You Were Dead” que ficou claro que o “Sleepless Empire” tem um daqueles hinos que entram no setlist pra nunca mais sair. Com um refrão grudento, pegada forte e um equilíbrio perfeito entre o melódico e o agressivo, essa é, sem dúvida, uma das faixas mais radiofônicas que o Lacuna Coil já lançou. O tipo de música que conquista os fãs antigos e atrai um novo público. Do novo disco, ainda rolou “Never Dawn”, que tem uma pegada densa e obscura.
Se o Lacuna Coil olha pra frente, isso não significa que esqueceu o passado. Mas a forma como a banda lida com seus clássicos mostra a maturidade e a evolução do grupo.
Em 2002, “Comalies” colocou o Lacuna Coil no radar mundial, com hinos como “Heaven’s a Lie”, “Swamped” e “Tight Rope”. Mas, em vez de simplesmente tocar essas faixas nas versões originais, a banda tem priorizado as regravações do “Comalies XX”, lançado em 2022.
E que decisão acertada! As versões atualizadas são mais pesadas, sombrias e se encaixam melhor na sonoridade atual da banda. Os arranjos ganharam mais corpo, os vocais estão mais agressivos, e a produção dá um impacto moderno às músicas. Isso ficou claro, por exemplo, em “Swamped XX”, que veio no bis e soou ainda mais intensa ao vivo.
Essa postura mostra que a banda respeita seu legado, mas não tem medo de revisitá-lo e adaptá-lo ao presente. Em vez de se prender a um passado intocável, eles o reimaginam e o tornam ainda mais relevante. E isso é muito foda!
Desde o início, a plateia fez sua parte. Cantou tudo, tanto os clássicos quanto as músicas novas. A energia foi constante, sem aquele típico momento de “vou ali pegar uma cerveja enquanto toca essa música que eu não conheço”. O público estava entregue.
Falar do vocal de Cristina Scabbia é chover no molhado. A mulher está cantando que é um absurdo, tem uma puta extensão vocal e sua presença de palco cada vez melhor. Outro destaque foi a performance de Andrea. O cara interagiu o tempo todo, incentivando e puxando coros. A química entre os dois segue sendo um dos maiores trunfos do Lacuna Coil.
Ah, rolou também o já esperado momento “Enjoy the Silence”, cover do Depeche Mode que virou tradição nos shows do Lacuna Coil, e o público sempre responde como se fosse a primeira vez. É aquele ponto de catarse coletiva que mostra como a banda conseguiu transformar um clássico dos anos 80 em algo totalmente deles.
Se no Summer Breeze 2024 (atual Bangers Open Air) o atual Lacuna Coil já tinha impressionado, dessa vez a banda fez questão de mostrar todo o seu poder com um show completo, sem limitações de tempo. Foi uma apresentação intensa, bem planejada e cheia de energia, deixando claro que a banda segue firme, criativa e com um repertório fortíssimo.
Mas ficou evidente que os italianos pedem um espaço maior em São Paulo. O show no Carioca Club foi incrível, mas a casa ficou pequena demais. Tá na hora da banda dar um passo adiante e tocar num lugar que comporte melhor essa energia absurda, porque a demanda existe, e é grande.
– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.