L7, Garbage e Mudhoney ao vivo no Rio: “That 90’s show”
Após três décadas de seu apogeu, cada banda reflete de modo particular a passagem do tempo. O L7 parece ter encolhido. O Garbage cresceu. Já o Mudhoney parece não se importar com o tempo

texto de Marco Antonio Barbosa
fotos de L7 e Garbage por Bruno Lisboa
Dizem que se você lembra da década de 1960, é porque você não estava lá. Difícil dizer o mesmo dos anos 90 – pois os revivals daquela década são tantos, e tão frequentes, que é impossível esquecer daquele período. Ano passado, estiveram por aqui Pavement, Lemonheads, Smashing Pumpkins, Information Society e Dinosaur Jr (OK, esse último é meio 80’s, meio 90’s). Em 2025, já vieram Offspring, Christina Aguilera e Sublime. E ainda vêm por aí Jon Spencer, Alanis Morissette, Bush, Green Day, Kylie Minogue, Wilco, Tool e, é claro, Oasis.
Mesmo considerando o contexto propício, o flashback tomou proporções surpreendentes no último fim de semana (21 e 22 de março), quando passaram (por São Paulo e) pelo Rio de Janeiro nada menos que três bandas indelevelmente noventistas. Garbage e L7 fizeram uma dobradinha no Sacadura 154 na sexta-feira, e o Mudhoney se apresentou no Circo Voador no dia seguinte. Um raro momento para os cariocas fãs de sons alternativos: grupos fora do radar mainstream, tocando em lugares decentes na cidade. Lembremos que dos citados no primeiro parágrafo, apenas o Bush e o Green Day confirmaram shows no Rio.
(E por falar em lugares decentes, o programa duplo Garbage + L7 estava marcado originalmente para o Vivo Rio. A poucos dias do show, o espetáculo foi redirecionado para o Sacadura 154, que comporta mais ou menos um quarto da lotação do Vivo Rio. Ou seja, os caros ingressos devem ter encalhado. Já o Mudhoney deve ter rolado por influência do produtor André Barcinski, que trouxe a banda ao Brasil. Só assim para o Circo Voador escalar uma banda indie dos anos 90 sem hit algum, em uma noite de sábado, arriscando-se a tomar prejuízo.)
Mas voltemos à música. Depois de três décadas (ou mais) de seu apogeu criativo, cada uma das bandas da trinca reflete de modo particular a passagem do tempo. O L7 parece ter encolhido com os anos. O Garbage, ao contrário, cresceu. Já o Mudhoney é uma entidade para a qual o tempo parece não importar: continua intenso como sempre foi, desde que surgiu.
L7: ferozes & gaiatas
O L7 chegou ao estrelato alguns segundos depois do Nirvana – e por isso foi empacotado na onda grunge, apesar de ter um pé no punk tradicional e outro no hard rock. A formação atual é a mesma que dividiu o line-up do Hollywood Rock 1993 com a banda de Kurt Cobain: Suzi Gardner (guitarra e voz), Donita Sparks (voz e guitarra), Jennifer Finch (baixo e voz) e Dee Plakas (bateria) . O famoso show no qual elas baixaram seus shorts no palco (eu estava lá).
E, vejam só, o som do quarteto também é o mesmo desde 1993, uma característica com prós e contras. Ainda que as músicas de “Bricks Are Heavy” (1992) dominem o set, tanto as mais antigas quanto as mais recentes seguem a mesma fórmula, com um resultado cansativo. Os hits do álbum de 1992 (“Everglade”, “Monster”, “Shitlist”, “Pretend We’re Dead”) fazem valer o espetáculo, mas, em contraste com o resto do repertório, evidenciam as limitações da banda. O som baixo e embolado – foi difícil ouvir a voz de Suzi – não contribuiu.
Esforço não faltou. A banda segue energética, caprichando no bate-cabelo sincronizado e nas caretas. Como frontwoman, Donita esbanja gaiatice: faz piada com o peso dos anos (“Dee acabou de trocar o joelho… espero que não o quebre hoje”), desmancha-se em elogios à beleza dos fãs brasileiros, arrisca solinhos minimais mas eficazes. O single de 2017 “Dispatch from Mar-A-Lago”, com sua letra anti-Trump infelizmente ainda atual, surgiu como momento (mais) politizado do show. Mas a grande surpresa mesmo foi a entrada de quatro quintos do Garbage – Shirley Manson, Butch Vig e Nicole Fiorentino – para fazer presepadas em “Pretend We’re Dead”. A pose agressiva não chega a ser inimiga do bom humor, felizmente.
Garbage: maturidade lhes cai bem
O Garbage sempre me soou como uma banda menor do que prometia ser. Aquela vocalista, aquele baterista/produtor, aquelas influências e referências corretíssimas… a decepção era inevitável, diante de LPs nunca mais do que medianos e faíscas ocasionais de brilho nos singles. Entretanto, invertendo o fluxo temporal que derrubou o L7, o grupo de Shirley Manson hoje parece fazer mais sentido do que no auge do sucesso – que por aqui sempre foi moderado e restrito basicamente à MTV local. Talvez porque o Garbage hoje não precisa cumprir expectativas irreais de quem os via como a salvação da lavoura. Em 2025, o quinteto é uma competente e charmosa banda pop aditivada por pitadas de eletrônica e shoegaze. Ou seja, é o que sempre foi; errado estava quem esperava mais deles.
Claro que Shirley Manson continua a fazer a diferença. A proverbial sonzeira emitida por Duke Erikson, Steve Marker (ambos guitarra & teclados) e Butch Vig (bateria) mantem-se intacta, reforçada pela baixista Nicole (que ficou paradinha no canto dela, para não ofuscar a vocalista). Mas é Shirley quem resgata o Garbage do purgatório genérico. Ela não é mais a garotinha ruiva dos anos 90, mas arranca suspiros dos muitos Charlie Browns da plateia. A voz bem preservada é usada tanto para cantar quanto para discursar. Ela relembra a primeira vez em que ouviu “Pretend We’re Dead” no rádio, sem saber que a música tinha sido produzida por seu futuro baterista (“Eu queria soar como elas”). Pede mais paz e harmonia (“O mundo saiu dos eixos e estou farta disso. Temos de ser mais gentis uns com os outros”, diz antes de “The Trick Is to Keep Breathing”). E interrompe o set para se dirigir a uma menininha bem pequena, que assistia o show sentada nos ombros do pai (“Você é minha menor fãzinha brasileira… peça a seus pais para lhe dar protetores de ouvido quando vier a um show!”). Durante o único bis, “When I Grow Up”, ela desce do palco e canta metade da música nos braços da galera.
Não faltaram todas aquelas músicas que, nos anos 90, passavam a impressão de que sim, poderíamos desfrutar de hits pop menos caretas e (um tiquinho) mais ousados. O setlist se concentrou nos dois primeiros discos, com espaço intencionalmente limitado para os outros seis. “Queer”, “I Think I’m Paranoid”, “Stupid Girl” e “Only Happy When It Rains” disseram “presente”, em versões mais pesadas; para “Only Happy When It Rains” a banda preparou uma falsa introdução lentinha, com piano, antes de fazer a massa pular. Tivemos também o drama de “Cup of Coffee”, apresentada como “a música mais triste que já compusemos”, a energia de “Vow”, “Cherry Lips” e “Special” e a delicadeza de “Milk”. Show na medida certa, com o set list certo, a duração certa, som e presença de palco certos. O tempo fez bem ao Garbage.

Mudhoney: força da natureza
Cronologicamente, o Mudhoney é da primeira turma do grunge, tendo lançado seu primeiro álbum em 1989. (Ou talvez predecessores, já que tocam juntos desde 1984, ano de formação do Green River). Na prática, datas não importam para a banda, que sempre serviu como “cavalo” atemporal, no qual sucessivas gerações do rock fuleiro (no melhor sentido) se manifestam: a galera do “Nuggets”, Stooges + MC5, o punk dos dois lados do Atlântico. Nasceram prontos e não envelhecem, portanto não correm o risco do cansaço (como o L7), nem precisam de reavaliação crítica (como o Garbage).
A única diferença entre o Mudhoney que tocou no Circo Voador e o Mudhoney do mitológico show (acima) no Ballroom (RJ,2001) é o baixista Guy Maddison. O resto segue no mesmo lugar: Mark Arm emitindo gritos inumanos, Steve Turner arrancando guinchos e trovoadas de sua Fender Jazzmaster, e Dan Peters sentando o cacete na bateria. Diferentemente do Garbage, a banda armou um repertório mais amplo, incluindo seis canções do recente “Plastic Eternity” e acenos a quase todos os outros discos. E ao contrário do L7, não fez questão de interagir com o público, além dos protocolares agradecimentos. Para o público, que compareceu em quantidade bem decente, misturando veteranos e calouros, fez pouca diferença. Novas ou velhas, as músicas instigaram uma única reação: a roda de pogo.
O quarteto dosou bem a dinâmica no repertório, alternando momentos mais arrastados (afinal, é grunge) e outros mais velozes. O único senão ao repertório foi a inclusão de apenas uma música de “Piece of Cake” (1992), o mais manjado pelos fãs brasileiros. Mas quando veio, veio: uma versão vulcânica de “Suck You Dry”. Para compensar, o EP duplo “Superfuzzbigmuff” (1988) – o monolito de onde ainda emana a força da banda – foi fartamente explorado. “In’n’out of Grace”, “Sweet Young Thing Ain’t Sweet No More”, “You Got It (Keep It Outta My Face)”, “No One Has” e, óbvio, “Touch Me I’m Sick”; esta última incita uma rápida invasão de palco, puxada por uma jovem fã. Teve “Good Enough”, teve “Into the Drink” e teve uma longa “Beneath the Valley of the Underdog”. E teve “Here Comes Sickness” para encerrar a festança, deixando a multidão sorridente, rouca e dolorida.
– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br).
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br
– Vídeos: Mudhoney por Hugo Freitas (@hugofreitas9255) e Garbage / L7 por Duilio J. B. Macedo (@DuilioJ.B.Macedo)