As mulheres na vanguarda de Itamar Assumpção

Artistas de diferentes gerações foram unidos pelas bandas Isca de Polícia e Orquídeas do Brasil. Por aqui, a amizade e a saudade prevalecem. The post As mulheres na vanguarda de Itamar Assumpção appeared first on NOIZE | Música do site à revista.

Mar 24, 2025 - 14:54
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As mulheres na vanguarda de Itamar Assumpção

Um alinhamento raro de agendas aconteceu na noite de 13 de setembro, e resultou em um arranjo inédito: a primeira vez das bandas Isca de Polícia e Orquídeas do Brasil no mesmo palco. Um dos atos do I Hope Show, projeto que reuniu mais de 20 músicos de diferentes gerações, foi dedicado ao repertório de Itamar Assumpção, afinal, o homenageado era também responsável por juntar parte daquela turma. 

Do Isca, as cantoras Suzana Salles e Vange Milliet, e o guitarrista Luiz Chagas. Das Orquídeas, a cantora Tata Fernandes, a baterista Simone Sou, a flautista Simone Julian, a baixista Clara Bastos, a tecladista Adriana Sanchez e as guitarristas Nina Blauth e Geórgia Branco, a responsável por organizar a festa na Vila Madalena. Apenas Miriam Maria e Lelena Anhaia não participaram. 

Bento Assumpção, filho de Serena, fez uma pontinha na voz e na guitarra. Rubi Assumpção, filha de Anelis, estava confirmada e ensaiada, mas teve dor de garganta e acabou não participando. Desde o ano passado, aos 20 anos, ela vem lançando músicas, como os singles “Planeta V.I.P” e “BALALAYKA”, e o EP O TOMBO (2021). A jovem artista é a protagonista do videoclipe de “Fim de Festa”, na regravação de Arnaldo Antunes e Vitor Araújo, presente no disco Lágrimas no Mar (2021). Inclusive, somente esta composição de Itamar, do disco Isso Vai Dar Repercussão, ganhou algumas novas versões. A cantora Duda Brack lançou a sua naquela terça-feira de setembro, dia em que Itamar completaria 73 anos. Os músicos Rodrigo Alarcon e Ana Müller criaram um diálogo na letra e na capa de “O Dia Seguinte (à do Itamar)”, em 2020. 

Vale ressaltar que, no mesmo ano, Anelis Assumpção apresentou “Beleléu Via Embratel”, uma produção musical sua a partir de uma gravação de 1991 engavetada. Para acompanhar os vocais de Tata Fernandes e Vange Milliet, Liniker, uma grande fã da obra de Itamar. Criando pontes entre diferentes gerações, o artista segue sendo revisitado e regravado. Em uma única plataforma de streaming, soma mais de 180 mil ouvintes mensais. De um cara que ouviu que fazia música de vanguarda e que nunca seria popular, esses números e as diversas homenagens provam justamente o contrário. Até porque em vida, as suas composições também foram interpretadas por admiradoras como Cássia Eller, Zélia Duncan e Rita Lee. Não que ele não soubesse do seu potencial, mas se ser independente hoje no Brasil é difícil, você consegue imaginar na época pré-internet? 

Outros tempos 

Em 1999, Anelis tinha apenas 19 anos quando cantou com o pai pela primeira vez em público. A estreia aconteceu no programa Ensaio da TV Cultura, onde ela e Iara Rennó cantaram junto com Itamar. Logo depois, o trio engatou uma temporada de duas semanas no teatro do Crowne Plaza, um período importante de descobertas musicais. “A gente fez algumas apresentações, mas não foram muitas, porque eu logo  engravidei e ele também adoeceu, então a frequência de shows diminuiu bastante. Mas

foi um período muito importante para mim, um grande marco, o momento em que comecei a aprender o que significava estar em um palco”, lembra Anelis Assumpção. 

A estreia no estúdio aconteceu um ano antes, quando fez alguns vocais em “Vou de Vai Vai”, do primeiro volume da trilogia Petrobrás. E das memórias da época, a seriedade do pai nunca foi esquecida: “Ele era uma pessoa muito concentrada porque precisava aproveitar o máximo do tempo que ele tinha. Principalmente pelo histórico, de realizar produções com infraestrutura financeira escassa, ele se dedicava muito, sempre chegava preparado para gravar”. 

Quando revisitou as gravações para produzir os volumes II e III em 2010, se surpreendeu com as guias: “Elas já são cheias de emoção, era um virginiano, né?”. Nesse período, Itamar gravava e se apresentava com bandas em formatos híbridos, compostos por músicos de diferentes fases da sua carreira. Anelis nunca chegou a integrar as Orquídeas do Brasil, mas fez shows com muitas das integrantes. Paralelamente, ela e Iara dividiram outros projetos musicais, como ZigZira e DonaZica, além de que continuam amigas e fazendo músicas juntas. 

O mesmo acontece com as Orquídeas, que dividem casa e projetos musicais. Elas chamam a residência de “Musicasa”, e hoje Tata Fernandes vive com Georgia Branco, mas ela já morou com Miriam Maria, Simone Sou, e Claudinha Missura. “A gente é como uma família, nunca brigamos, nos amamos. Uma é madrinha da filha da outra”, conta Tata. No ano que vem, a trilogia Bicho de 7 Cabeças completa 30 anos, e continua sendo um projeto muito importante para todos os envolvidos. 

Orbita musical

Com a primeira banda, Isca de Polícia, Itamar gravou quatro discos entre 1980 e 1988. Na virada de década, o artista estava com 40 anos e queria tentar algo diferente no som e na letra. “Ele falou que queria mais energia feminina. Lembro dele falar: ‘Esses caras já conhecem minhas músicas de trás pra frente e não estão nem aí'”,  divide Tata. Ao lado do grupo de artistas, lançou três discos em 1993, mas nos anos seguintes, gravou mais três álbuns acompanhado por participantes das duas formações. “O ensaio do Isca começava no bar, no das Orquídeas, a gente tomava chá com bolachas”, completa Vange Milliet.

Em muitos desses arranjos de banda, Itamar foi acompanhado por Tata, ao lado de Vange, colaboradoras que entraram em cena na virada da década de 1990. Elas já tinham participado da banda Use, projeto do diretor teatral Eugênio Lima, e colaborarado com Chico César, que na época era jornalista e trabalhava como revisor da revista ELLE. O contato com Itamar aconteceu por Paulo LePetit, e juntos decidiram criar um espetáculo inédito, revisitando o repertório da discografia lançada na década anterior. 

Durante dois meses, ensaiaram todos os dias durante cinco horas para dar conta das apresentações de mais de duas horas. Mas mesmo com todos os músicos afiados, existia sempre a possibilidade de Itamar mudar de ideia. “Foi uma escola de tudo – composição, arranjo e palco. Ele nunca repetia arranjo, um show nunca era igual ao outro”, lembra Vange. Especialmente sobre a questão dos vocais, importante ressaltar que as cantoras não faziam apenas backing vocal, elas estavam sempre encenando e cantando com ele. 

Durante a gravação de Bicho de 7 Cabeças (1993), Tata Fernandes ressalta a dinâmica dos ensaios: “Foi um grande encontro com as Orquídeas. Tinha aquela coisa feminina, dos vocais mais doces e letras enormes. O que ele fazia? Pedia para a gente decorar as partes mais difíceis e ele fazia só o refrão”, divide. Naquela época, as artistas estavam começando a carreira, enquanto estudavam na Universidade Livre de Música. O lançamento do disco aconteceu no Sesc Pompeia, que junta com o palco da Funarte, foram os palcos em que Itamar mais se apresentou na capital. 

Assim como em outras ocasiões, os figurinos foram confeccionados por Zena, esposa de Itamar. O show chegava a ter três horas de duração, e a banda voltava com o uniforme da seleção brasileira para tocar o bis e cantar “Luzia”. “Tinha uma hora no show que o Itamar falava para quem precisava pegar o ônibus ir embora porque a gente continuaria. Ele mesmo tinha que ir, mas sempre acabava dormindo na nossa casa”, conta Tata. 

Irreverência e doçura 

Apenas três anos depois, em 1996, ele mudaria tudo outra vez com Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Pra Sempre Agora. O sambista mineiro era uma das paixões musicais de Itamar, junto de Bob Marley e Miles Davis. Para o amigo Luiz Tatit, do Grupo Rumo e professor universitário, é possível traçar alguns paralelos entre os músicos. “Acho que teve uma certa identificação com a figura do Ataulfo, que era um negro elegante, uma figura esguia, ao mesmo tempo em que tomava conta do lugar. Ele também sempre tinha o coro em volta, no caso do Ataulfo, As Pastoras, então ele tinha as Orquídeas”, conta no documentário Daquele Instante em Diante (2011). 

Além do mais, a paixão botânica o acompanhou por toda a vida, talvez como um reflexo da infância no interior. O amor pelas orquídeas também perdurou, Itamar criava e cuidava em seu jardim da casa que viveu com a família desde que chegou em São Paulo, no início da década de 1970. Difíceis de cuidar, elas florescem apenas uma vez ao ano, data aguardada pelo músico, que acordava as filhas para observar o desabrochar das pétalas. 

Assim como era fascinado pelas plantas, também amava futebol, seu time do coração era o Santos. De alguma forma, o artista tentava cruzar todos esses interesses na música. Segundo Tata Fernandes, um dos shows mais inusitados que realizou com Itamar começou de forma despretensiosa. “Ele me ligou às duas para fazer um show no MIS no final da tarde, mas a gente precisava passar numa loja de esporte para comprar uma camisa do Serginho Chulapa”, lembra a cantora. 

O desenrolar ficou ainda mais surpreendente: “Precisava ser a camiseta oficial porque ele era rígido com essas coisas. Então passei um cheque sem fundo. No show, o vocal que eu fazia era ficar parada na plateia enquanto ele cantava, mas em dado momento eu tinha que levantar o braço e falar ‘Serginho Chulapa’, e era isso”. Se o dinheiro era curto, havia criatividade de sobra e muita amizade. “A gente ganhava super pouco, mas era uma felicidade. Eu adorava as viagens dele, aprendi muito, ele foi como um mestre para mim”. 

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