Ao vivo: Em pleno 2025, Mudhoney, Garbage e L7 transportam o público para os anos 90
A máquina do tempo noventista pousou em São Paulo na sexta (21) e no sábado (22) com Mudhoney, Elder Effe e Apnea no Cine Joia e The Mönic, L7 e Garbage no Terra SP

texto de Marcelo Costa
fotos de Douglas Mosh e Fernando Yokota
Menos coloridos que os anos 80 e menos hipsters que os anos 00, os anos 90 começaram extremamente barulhentos sob um zunido de riffs sujos e microfonia que ecoou por toda a década. Não à toa, quando a Aiwa lançou o belíssimo modelo TA283W, o walkman trazia quatro presets de equalização em destaque: “Classic, Pop, Rock e Jazz”. E a equalização “pop” era mais barulhenta e suja do que a “rock”, afinal “Nevermind”, do Nirvana, e o “Black Album”, do Metallica, estavam no topo das paradas, e eram a música “popular” daquele momento (e rock era Hootie & the Blowfish, algo completamente idiota e inofensivo).
Duas décadas e meia depois (e após britpop, fofolk, novo rock e K-pop, entre tantos outros micro e maxi-movimentos musicais), o rock dos anos 90 segue na ativa, e ainda que novos álbuns continuem chegando (cada vez mais espaçados), o que o público espera em um show são aqueles hinos geracionais, músicas que ainda frequentam as FM’s brasileiras – tanto por preguiça dos programadores quanto pelo fato de que o jabá do agro precisa lavar dinheiro rapidamente e, pra isso, o sertanejo é algo tão eficaz quanto esquecível (se ninguém vai lembrar deles daqui dois meses, imagina em 20 anos).
Desse modo, é impossível ignorar a vinda de Mudhoney, L7 e Garbage ao país, em shows que praticamente intercalavam as mesmas capitais brasileiras, como um símbolo nostálgico de uma década bastante marcante. Nenhum problema, aliás, até porque muitas daquelas bandas entenderam que nostalgia também é diversão (oi Smashing Pumpkins), e decidiram parar de pregar peças (ahñ) artísticas no público, preferindo entregar a ele o que ele queria ouvir: hinos para cantar junto. Nada como a idade e a experiência, não é mesmo.
A máquina do tempo noventista pousou em São Paulo na sexta (21) e no sábado (22). No primeiro dia, em um Cine Joia abarrotado, o paraense power pop Elder Effe abriu os trabalhos com um show deliciosamente sujo e alto, aquele tipo de música que sai das caixas de som pegando o ouvinte pela gola da camisa para chacoalhá-lo e tirá-lo da letargia. Ainda que o fim de semana fosse noventista, Elder (que também fez um grande show no Se Rasgum 2024) mostrou plena conexão com 2025 num set que (na companhia de João Lemos, da Molho Negro) homenageou Mestre Laurentino, um ícone do rock paraense que faleceu aos 98 anos em 2024, e criticou a produção da COP30 (a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que irá acontecer em Belém em novembro): “A gente não quer Coldplay e Mariah Carey em Belém. Queremos nossos artistas locais fortes, queremos nossa cultura viva. A gente repudia o uso da Amazonia como moeda política, como penduricalho para mineiradora”, bradou Elder na poderosa “RatoCity”, que fechou um show excelente.
Na sequência, os santistas da Apnea entraram em cena, com um som muito mais limpo e, por sua vez, menos virulento e contagioso. Em entrevista ao Scream & Yell, o baterista Maurício Boka explicou que após passar a “vida inteira tocando somente som veloz” (com o Ratos de Porão), queria “experimentar outra coisa” com o Apnea, que pratica um classic rock com ecos de Pearl Jam e Soundgarden, o que de cara os credenciava automaticamente para essa noite estrelada por uma banda ícone de Seattle. Porém, a sensação que ficou é de que ainda falta punch ao grupo, estrada mesmo, para que todos os elementos formem uma massa sonora única. No Cine Joia, o Apnea soou mais uma banda cover de lados b desconhecidos de classic rock noventista do que um grupo de repertório personal.
Fechando a noite, o Mudhoney subiu ao palco com um som bem melhor que o da banda anterior, mas não tão pegado quanto o de Elder Effe, algo que fez pouca diferença, pois se a casa estivesse com o som desligado, o público ainda assim iria pogar e cantar tudo com Mark Arm e companhia, inclusive as cinco canções de “Plastic Eternity”, disco mais recente dos caras, lançando em 2022 – e inédito ao vivo em terras brasileiras (a última passagem do Mudhoney pelo Brasil havia sido no Sub Pop Festival, na Audio, em 2014!).
Sem muita conversa (Mark Arm falou até Donald Trump na entrevista ao Scream & Yell), o quarteto começou o show de maneira lenta e hipnótica com “If I Think”, canção do histórico EP de estreia “Superfuzz Bigmuff”, de 1988. Com um salto de 34 anos, “Move Under”, de “Plastic Eternity”, surgiu na sequência, com Steve Turner distribuindo belos riffs enquanto Mark Arm se esgoelava no microfone e a cozinha de Dan Peters (bateria) e Guy Maddison (baixo) guiava o trem descontrolado ladeira abaixo. “Get Into Yours”, do álbum cheio de estreia, “Mudhoney”, de 1989, fechou o trio inicial mostrando que o repertório iria dar saltos no tempo diversas vezes na noite (além do disco mais recente, “Plastic Eternity”, “Digital Garbage”, de 2018, outro álbum inédito ao vivo em território tupiniquim, iria ceder quatro canções para o set list), para felicidade de muitos.
Uma frase que caberia perfeitamente nessa noite é aquela que diz que “é apenas rock and roll, mas eu gosto”, mas rock and roll sujo, árido, sem polimento, rock de verdade. Os momentos inesquecíveis da noite, inevitavelmente, foram marcados pelos hits alternativos da banda, e ainda que o single bombástico “Touch Me I’m Sick” e seu lado b, a estupenda “Sweet Young Thing (Ain’t Sweet No More)”, nunca tenha entrado nos charts na Billboard, no Cine Joia eles vão ser cantados em coro e dançados entre pogos com sorriso no rosto como se tivessem sido número 1 (na verdade, foram e ainda são em muitos quartos mundo afora). O mesmo vale para números irrepreensíveis como “Into the Drink”, “Suck You Dry” e “Here Comes Sickness”, essa última já no bis, ao lado de “In ‘n’ Out of Grace” (outra do EP de estreia), fechando mais uma noite memorável do Mudhoney em São Paulo. Voltem sempre, amigos, a casa é de vocês!
A festa noventista do fim de semana teve sequência no sábado, no tão distante quanto bacana Terra SP, uma casa de shows absolutamente excelente, ainda que bastante afastada do centro de São Paulo. Convidadas para abrir a noite, o quarteto The Mönic reestreava seu formato feminino: a baterista Daniely Simões, que gravou o disco de estreia em 2019, e deixou a banda em 2021 marcando a entrada de Thiago Coiote, retornava ao seu posto original em um dia mais do que especial em que dos 15 músicos que subiram ao palco do Terra SP, 12 eram mulheres!
Dessa forma, retomando laços com a ex, Ale Labelle (guitarra voz), Dani Buarque (guitarra e voz) e Joan Bedin (baixo e voz) fizeram um show acelerado mostrando canções como “Sabotagem”, “Bruxaria”, “Antes Tarde”, “Atear” e “Kamikase” para um público ainda pequeno, que começava a chegar no Terra SP, e convidando Flavia Biggs (The Biggs) para assumir a guitarra em “TDA” enquanto Dani se jogava na pista vip para abrir uma roda, fechando um show bastante animado que marca uma nova fase na carreira do The Mönic.
Com as duas pistas (normal e vip) um pouco mais tomadas, e as duas fileiras superiores de camarotes com boa presença de público, o L7 retornou ao Brasil um ano e meio após fazer (alguns) shows no país (com o Black Flag). Com um som potente, alto e cristalino (ao contrário do relatado por Leonardo Vinhas na cobertura do show em São Paulo em outubro de 2023), algumas características da sonoridade da banda ficaram ainda mais visíveis, a primeira delas traçando dois rumos para as canções do grupo, que podem ser divididos em dois grupos numa alusão clara à Joan Jett: “I Love Rock and Roll” e “Bad Reputation”, sendo que as do primeiro grupo trazem uma condução mais lenta e dançante e as do segundo mais acelerada e porrada.
Dessa forma, “The Beauty Process” abriu o show com batida seca (do primeiro grupo listado acima) e riffs altos (ainda que não tão altos quanto no álbum “The Beauty Process: Triple Platinum”, de 1997). “Scrap”, “Monster” e “One More Thing”, três do multiplatinado “Briks Are Heavy” (1992), produzido pelo baterista da banda seguinte, trouxeram um pouco mais de animação à plateia, que, no entanto, parecia mais interessada em números rápidos como “Full My Fire”, “Andres” e “Everglade”, mas a constante alternância entre climas não ajudou a manter o público ligado – ainda assim, vale o destaque para a ótima “Dispatch From Mar-a-Lago”, ótimo single de 2017 e uma rara concessão a material mais “recente”. Porém, um hit é um hit, e vice-versa: “Pretend We’re Dead” (com participação de Lovefoxxx, do CSS) seria festejada até em um velório, um baita momento em um show mediano.
A questão básica do L7 é que elas não estão muito interessadas no lado pop da canção suja, aquele doce psicótico que vicia, o lance é entupir o riff de zunido e segui-lo até a canção acabar, de maneira curta e grossa. Já o Garbage, por sua vez, constrói canções como alguém monta cuidadosamente uma bomba relógio, com o momento de explosão milimetricamente calculado (é preciso tirar o chapéu para o mago Butch Vig, aqui brincando com programações enquanto espanca seu kit de bateria). E, claro, eles têm uma frontwoman arrebatadora que, além de parecer talhada para o ofício de entertainer (algo que soa um prêmio na loteria para qualquer banda), transpira sinceridade rock and roll.
Dessa forma, quando Shirley Manson começa a falar sobre algo no palco (e ela fala bastante durante o show), não parece aqueles discursinhos ensaiados que muitos artistas repetem exaustivamente show após show (e que o fã que vai a três noites decora de tão sem graça). Seus improvisos soam reais, como em “Stupid Girl”, que ao ficar encarando um fã na lateral do palco por segundos a mais, ela sai correndo para agarrar o microfone e entrar no tempo certo da música sob a vista atenta do guitarrista Duke Erikson: ela aponta pra ele como quem diz “achou que eu não fosse conseguir, né” enquanto ele ri e abre os braços e ela aproveita a próxima pausa para gargalhar no microfone.
Com um repertório centrado em sucessos e uma banda altamente conectada no palco (destaque também para a baixista Nicole Fiorentino, cujo serviços prestados ao rock incluem um álbum com o Veruca Salt e dois com os Pumpkins – onde também substituiu Ginger Pooley), o Garbage fez um daqueles shows intocáveis, em que tudo funciona a perfeição. Ajuda que 2/3 do repertório seja retirado dos dois primeiros discos multiplatinados da banda, “Garbage” (1995) e “Version 2.0” (1998), mas a empolgação do grupo fez com que canções como “Vow” (em versão poderosa), “Wicked Ways” (acrescida da citação de “Personal Jesus”, do Depeche Mode), “Only Happy When It Rains”, “I Think I’m Paranoid”, “Cherry Lips (Go Baby Go!)” e “Push it” soassem ainda melhores do que já são, fazendo desse show um dos melhores do grupo no país, o que para uma banda com mais de 30 anos de carreira é um mérito e tanto. Em maio, se tudo der certo, tem disco novo, e já fica a torcida: volta ano que vem, Garbage, volta. Que tudo o que imaginamos volte a ser luz e som.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br
– Douglas Mosh é fotógrafo de shows e produtor. Conheça seu trabalho em instagram.com/dougmosh.prod