Entrevista: Jon Spencer fala sobre novo projeto e relembra encontros com Zé do Caixão, Fábio Moon e Gabriel Bá
O Jon Spencer que São Paulo e Jundiaí irão ver no começo de abril é um projeto novo que ele formou com a baixista Kendall Wind e com o baterista Macky Spider Bowman

entrevista de Marcelo Costa
Pela terceira vez em sua história, o público brasileiro terá a sorte indescritível de se ver frente a frente com Jonathan Spencer, um artista absolutamente inquieto que montou sua primeira banda barulhenta de blues rock experimental, o Pussy Galore, quando tinha 20 anos, em 1985, em Washington DC, inspirado por Rolling Stones e Einstürzende Neubauten. Depois, em 1989, em Nova York, formou o Boss Hogg e em 1991 juntou-se a Judah Bauer e Russell Simins na Jon Spencer Blues Explosion, seu projeto musical mais longevo (1991/2022) e famoso.
Suas aventuras musicais, porém, não pararam por aí. Ele saiu em turnê com o bluesman R. L. Burnside na metade dos anos 90, e na metade dos anos 2000 formou o Heavy Trash, banda que trouxe ao Brasil em 2009 – sua estreia no país foi em 2001 quando veio para o Abril Pro Rock, em Recife, e fez dois shows na mesma noite, no Sesc Pompeia com a Blues Explosion, que até hoje são relembrados em mesas de bar da capital paulista. Com o fim da Blues Explosion nasceu a Jon Spencer & the Hitmakers em 2023 – que já não existe mais.
O Jon Spencer que São Paulo e Jundiaí irão ver no começo de abril (2 e 3 no Sesc Avenida Paulista, na capital, e 4 no Sesc Jundiaí), porém, é um projeto ainda mais novo que ele formou com a baixista Kendall Wind e com o baterista Macky Spider Bowman, colaboração que rendeu o disco “Sick of Being Sick!“, lançado em setembro de 2024, e que ao vivo inclui preciosidades: “Haverá um pouco de Blues Explosion, um pouco de Pussy Galore, algumas do HITmakers, junto com músicas do ‘Sick Of Being Sick’ e um monte de coisas completamente novas”, antecipa Spencer em conversa com o Scream & Yell.
Os ingressos para um dos shows imperdíveis deste ano ficam disponíveis para venda online a partir das 17h desta terça-feira (25/3) no site e no app do Sesc. Abaixo, Jon Spencer relembra como o punk, a new wave, a no wave, o hardcore, e a música industrial o colocaram no caminho do verdadeiro rock’n’roll, explica como conheceu os novos parceiros que vêm à América do Sul com ele (o trio ainda passará por Buenos Aires no dia 1 de abril e por Santiago no dia 6) e diz que alguns dos grandes momentos que teve no Brasil foram ao lado de Zé do Caixão e de Fábio Moon e Gabriel Bá. Leia abaixo!
Desde o Pussy Galore, você montou diversos projetos. Como surgiu essa nova colaboração com Kendall e Macky? Como foi gravar o disco “Sick of Being Sick!” (2024) com eles?
Conheci Kendall e Macky quando produzi (“Skin Suit”, 2020) o segundo álbum da banda deles, The Bobby Lees. Uns anos depois, Samantha Fish me convidou para produzir um disco seu (“Death Wish Blues”, 2023), e chamei Kendall para tocar baixo nesse álbum. A Samantha então perguntou se eu gostaria de acompanhá-la na estrada com a Shake Em On Down blues tour, e eu topei, embora não tivesse banda na época (o HITmakers, minha banda anterior, já tinha encerrado as atividades). Meu primeiro pensamento foi perguntar a Kendall se ele queria entrar nessa também, e como a The Bobby Lees também estava em hiato, foi fácil incluir Macky. Kendall e Macky já são músicos excelentes, mas o fato de tocarem juntos como uma seção rítmica por tantos anos os torna ainda mais formidáveis. Gravar “Sick Of Being Sick” com eles foi moleza. Eles são entusiasmados e estão prontos para qualquer desafio.
Você veio em 2001 para o Abril Pro Rock, em Recife, e fez dois shows na mesma noite no Sesc Pompeia, em São Paulo, com a Blues Explosion; depois voltou em 2009 com o Heavy Trash. Você lembra algo dessas passagens por São Paulo? São shows que as pessoas comentam até hoje…
Lembro de alguns bons momentos com Heavy Trash. Uma coisa que se destacou foi conhecer o Zé do Caixão e tocar um som com ele na TV! Outro grande momento foi conhecer dois grandes artistas brasileiros de quadrinhos, os irmãos (Fábio) Moon e (Gabriel) Bá.
Nesse novo show que virá ao Brasil você costuma tocar muitas coisas da Blues Explosion e, também, do Pussy Galore. Como é para você revisitar essas canções?
É uma verdadeira alegria revisitar essas músicas e reinterpretá-las com Kendall & Macky. É tão bom tocar os hits! Espero que as pessoas fiquem tão empolgadas quanto eu para ouvir alguns clássicos.
Vocês não estão fazendo exatamente o mesmo set toda noite, certo. O que faz uma canção entrar no show? Como você as escolhe?
Não, não fazemos o mesmo set todas as noites. E não usamos um set list. Eu simplesmente chamo uma música ou começo eu mesmo. Com exceção das primeiras músicas (do set), tento não planejar nada na minha cabeça. Não ter um set list – e não tocar o mesmo set em todos os shows – mantém as coisas frescas para nós. Também nos dá a oportunidade de nos mover e reagir à energia da sala e ao humor da multidão. Tento me deixar aberto – para ser um canal para o que está acontecendo naquele momento no palco e no público. Às vezes, acho que as músicas me escolhem.
Em uma entrevista para um grande jornalista da MTV Brasil em 2001, o Fábio Massari, você contou que não estava comprando tantos CDs porque Nova York era uma cidade muito cara para morar e criar um filho, certo. Bem, o filho cresceu, Nova York ficou ainda mais cara, mas você tem comprado discos novos? Ouvido coisas novas? Contam que você comprou o “Tecnicolor”, dos Mutantes, em São Paulo em 2001…
Sim, eu ainda compro discos. Ir a uma loja de discos ainda me deixa muito feliz. Mas a maioria dos discos que compro são velhos e usados.
Não temos tantas entrevistas suas em português no Brasil, por isso gostaria de fazer uma pergunta sobre formação, pois há tanto gente que idolatra você quanto uma ou duas gerações que ainda precisam ser catequisadas por sua versão de rock’n’roll. Por isso, gostaria de perguntar como o rock’n’roll entrou na sua vida e tomou toda essa proporção de ser algo que você faz, e se diverte, a 40 anos?
Sou uma criança dos anos 60 que cresceu na América, então sempre fui exposto ao rock’n’roll – fez parte da minha formação. Quando eu era pequeno, todo desenho animado no sábado de manhã dos anos 70 tinha uma banda de rock’n’roll fictícia e descolada. O seriado dos Monkees estava em distribuição e era reprisado todas as tardes no canal de TV da minha cidade. O choque e a rebelião do rock’n’roll (e o movimento jovem dos anos 60), porém, já tinham sido cooptados e tornados seguros há muito tempo. Daí que quando eu era adolescente, o que era chamado de “rock” não me interessava. Sendo de uma pequena cidade da Nova Inglaterra (Jon nasceu em Hanover, New Hampshire, uma cidade de menos de 12 mil habitantes no censo de 2020), o único rock que eu ouvia era algo pesado como Aerosmith e (Led) Zeppelin ou algo mais pop como Al Stewart & Boston. Punk e new wave eram um completo mistério, pois não eram tocados no rádio ou na TV (e não havia internet!). Mas aos poucos, eu fui lentamente juntando pequenas pistas, pedacinho por pedacinho, e descobri NOVAS bandas e novos sons. Foi por meio deles — do punk, new wave, no wave, hardcore, industrial — que descobri o verdadeiro rock’n’roll, sua rica história e que forma de arte estranha e afirmativa da vida ele é.
Já temos sorte de poder ter você entre nós pela terceira vez, mas não custa sonhar: a Blues Explosion encerrou as atividades, mas se produtores da América do Sul convidassem você e Cristina para uma turnê maluca de dois concertos por cidade, uma noite Pussy Galore, outra noite Boss Hog (quem sabe com Bob Bert, Mickey Finn ou Kid Congo). Seria possível sonhar tanto assim, ou ao menos com metade disso?
Bem, nunca diga nunca, mas não perca tempo pensando nisso! Quem sabe se isso pode ou não acontecer. Eu encorajo todos a virem me ver com Kendall & Macky!
Para encerrar, o que o público brasileiro pode esperar dessa nova versão de Jon Spencer ao vivo? Blues? Punk rock? Noise? Diversão?
É aquilo que a gente já conversou: haverá um pouco de Blues Explosion, um pouco de Pussy Galore, também algumas do HITmakers, junto com músicas do “Sick Of Being Sick” e um monte de coisas completamente novas. Haverá blues – de um certo tipo de blues, definitivamente teremos um pouco de punk rock, assim como um pouco de barulho. E não só muita diversão, mas também muita energia e paixão.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.