Tati Bernardi: “cabe a mim escrever um livro tirando sarro da elite”

Em nova publicação, a escritora analisa as contradições do grupo intelectual paulista que sempre sonhou em fazer parte

Apr 19, 2025 - 09:46
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Tati Bernardi: “cabe a mim escrever um livro tirando sarro da elite”

Tati Bernardi cresceu no Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo. Sua casa, que contava com uma faxineira e uma babá, se destacava na região. Ela estudou em uma escola particular e, na adolescência, conheceu a Disney, privilégio de poucos. Quando chegou ao ensino superior, cursou uma das melhores faculdades da cidade – o que fez com que conseguisse ascender socialmente e participar da elite intelectual que tanto sonhava.

Acontece que, quando chegou lá, sentiu que não pertencia. Afinal, ela não era prima de alguém importante, estava sempre brava pela alta quantidade de trabalho e o lugar de onde vinha, aos olhos das classes mais altas, ainda é considerado periférico. 

Essas contradições são a base de seu novo livro, A boba da corte (Fósforo, R$ 69,90), lançado neste mês. Irônica e sem papas na língua, Tati não perdoa a ninguém – e parte de si mesma para criticar comportamentos abusivos disfarçados de conselhos progressistas.

O que mais faço na vida é ir na casa de amigos que querem fazer um grande jantar para apresentar a todos os brancos com dinheiro algum deputado preto da periferia que tem muito a dizer“, explica.

“Quando chego, sempre há quarenta brancos sentados aplaudindo. Mas quem nos serve são os pretos da periferia. O grande lance é olhar pra isso, se incomodar e poder ver que nossos discursos têm lacunas. Não que a gente vá ter outro, mas perceber isso é importante.”

Em pouco mais de cem páginas, ela conta como virou entretenimento de colegas ricos, a conduta esperada de uma mulher de elite e algumas situações embaraçosas que passou por não ser herdeira.

Confira a entrevista completa com Tati Bernardi

CLAUDIA: O livro é uma discussão sobre consciência de classe. Você olhou para si e percebeu comportamentos que desgostava. Como foi lidar com a autocrítica?

Tati Bernardi: Venho de uma família em que todo mundo ri do outro e isso é uma forma de amor. Assim que entendi que seria uma escritora em primeira pessoa e que falaria de mim mesma como um personagem, senti que precisava me zoar. Se caio no meio da rua e ninguém viu, fico chateada porque não tem ninguém para rir comigo. Gosto muito de mostrar o fracasso, buraco e falhas – é o mais divertido.

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Em nova publicação, Tati Bernardi escritora analisa as contradições do grupo intelectual paulista que sempre sonhou em fazer parte
Em nova publicação, Tati Bernardi escritora analisa as contradições do grupo intelectual paulista que sempre sonhou em fazer parteBob Wolfenson/Divulgação

CLAUDIA: A diferença com que a elite trata quem vem de um lugar menos abastado é sutil. Você já havia notado isso antes?

Tati Bernardi: Há uma cobrança disfarçada pela elegância. Quando ascendi, fiquei um pouco escandalizada como as pessoas escondem a hipocrisia. Não entendi direito esse código porque, às vezes, quebro o pau com alguém e depois vou almoçar com a pessoa e ficamos juntos para sempre. Quando entrei na Folha de S. Paulo, por exemplo, a bolha questionou minha chegada porque eu não era amiga da galera, não fiz a escola certa e não nasci no bairro rico.

CLAUDIA: Algumas páginas do livro discutem a conduta esperada de uma mulher da elite paulistana. Quando você se percebeu desafiando essas regras?

Tati Bernardi: O discurso da elite intelectual é diferente daquele que vem da elite com dinheiro. Neste último, fica escancarada a diferença entre a “mulher para casar” e a considerada “puta”. Já para o primeiro grupo, há códigos diferentes – há um discurso progressista que também é violento. Eles julgam quando uma mulher não está tendo sororidade com outra e falam que não estamos educando direito nossos filhos. 

Quando terminei meu casamento, a primeira coisa que fiz foi deixar claro para o meu ex-marido que ia pagar cada centavo do que ele tinha investido no nosso apartamento. Me ferrei inteira e fiz vários financiamentos. Nesse processo, fiquei muito nervosa e comecei a trabalhar cada vez mais. Era uma questão de honra.

Na época, tive um namoro rápido com uma pessoa que começou a cobrar uma certa delicadeza porque eu vivia brava. Mas essa pessoa tinha amigas super queridonas que, em seus divórcios, tinham extorquido os maridos. Ou seja, ser elegante era mais importante do que fazer o certo.

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Em novo livro, a escritora Tati Bernardi critica a elite intelectual e parte de si mesma para comentar sobre o grupo
Em novo livro, a escritora Tati Bernardi critica a elite intelectual e parte de si mesma para comentar sobre o grupoBob Wolfenson/Divulgação

CLAUDIA: Apesar de crescer na Zona Leste paulista, sua infância ainda teve muitos privilégios. Você consegue notar isso?

Tati Bernardi: Eu era muito privilegiada e falo isso no livro. Em nenhum momento achei que eu fosse da periferia porque tive uma vida muito abastada – vivia em uma casa toda metida em uma rua de casinhas simples.

Em um dos livros de Édouard Louis, ele narra que entendeu que sua casa era toda voltada à televisão. Quando ele acendeu intelectualmente, viu que haviam casas com espaço para leitura e para ser um indivíduo – uma mesa de estudos, biblioteca, um canto para pensar na vida. Percebi isso também. 

Minha ideia é não só falar um pouco do desconforto de pertencer à Zona Oeste progressista e de elite intelectual, mas também tirar sarro de mim. Sonhei tanto em chegar nesse lugar e, quando chego, não sinto que pertenço. É um livro que, acima de tudo, me sacaneia. 

CLAUDIA: Você sente os resultados da desigualdade de classes e conta que, enquanto alguns podem pagar bons planos de saúde, outros morrem na fila do SUS. O que fazer a partir dessa reflexão?

Tati Bernardi: Vou dar aquela resposta básica de política: investir em educação. Fui uma pessoa pouco politizada até poder estudar. Fora isso, o que cabe a mim é escrever um livro tirando sarro da elite e mostrar os furos do discurso intelectual. 

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A boba da corte (Fósforo, R$ 69,90)
A boba da corte (Fósforo, R$ 69,90)Reprodução/Reprodução

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