A peleja final da Globalização: Capitalismo Pentescostal X antropofagia espiritual taoísta
“O Trump é louco!” É o mantra da propaganda dos Democratas de dez em cada dez especialistas entrevistados pelos jornalões e telejornais do jornalismo corporativo. Porém, há uma realidade na guerra tarifária: historicamente sempre o fascismo foi o botão eject do Capitalismo: Trump terá que fazer o serviço sujo da conta que chegou da ordem mundial sustentada pelos democratas. Para além dos aspectos econômicos da guerra tarifária, está em jogo um choque cultural entre Ocidente e o Oriente – tendo a China como o grande oponente. Lévi-Strauss distinguia dois tipos de cultura: as que introjetam, absorvem, devoram - as “culturas antropofágicas” – as orientais; e as que vomitam, ejetam, expulsam – as culturas “antropoêmicas”. Que seriam as modernas culturas ocidentais. Através de Hollywood e Big Techs, o Império “vomitou” por meio de narrativas e algoritmos, seu “destino manifesto” da Democracia e Liberdade para todo o planeta. É o Capitalismo Pentecostal. Enquanto o Oriente leva ao extremo um velho princípio taoísta de que a vitória não se consegue afirmando-se, mas, pelo contrário, desvalorizando-se, cedendo-se. Assim como no jiu-jitsu onde não se vence impondo sua própria força ou valor, mas absorvendo a força do oponente. O mundo acompanha em polvorosa a guerra tarifária deflagrada pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Embora a grande mídia em uníssono adote a propaganda dos democratas mobilizando os indefectíveis especialistas a martelar que Trump é louco porque sua política tarifária “conduzirá os EUA e ao mundo a uma recessão”, a realidade está revelando algo totalmente diferente – que aquela ordem mundial sustentada pelos democratas, e por extensão pela grande mídia global, (o custo da globalização pelo crescimento da dívida pública dos EUA, o custo excessivo do apoio militar a seus aliados em todo o mundo e a manutenção da balança comercial deficitária para manter países geopoliticamente estratégicos como o Japão, p. ex.) está insustentável para manter a hegemonia dos EUA pós-guerra. Se Nixon decretou o fim do Acordo de Breton Woods em 1971, acabando com o padrão ouro e liquefazendo o dólar (moratória disfarçada quando Nixon descobriu que a dívida pública americana era impagável), impondo-o como moeda comercial global, agora com Trump, temos o fim do financiamento da Globalização e o chamado “Acordo de Mar-a-Lago”, como explica o economista e cientista político peruano Nilo Meza: Diante desse cenário, a política tarifária de Trump é o primeiro elo da estratégia que resume o “Acordo de Mar-a-Lago”. A partir desse pedestal, Washington pode se oferecer para reduzi-las, como está fazendo com a “pausa”, enquanto ainda ameaça retirar a proteção militar. Dessa forma, Trump teria uma posição de negociação forte o suficiente para exigir que quase todos os seus parceiros comerciais, com exceções como a China, “desdolarizem” suas reservas e troquem seus títulos do Tesouro por títulos de 100 anos, ou sem vencimento, não negociáveis, que aliviariam os custos de financiamento dos EUA, especialmente o refinanciamento de sua dívida – clique aqui. O problema é a “exceção” China. Simplesmente porque ela não quer fazer parte desse jogo de “desdolarização”. A participação da China em títulos do Tesouro dos EUA segue a tendência geral. Caiu para US$ 759 bilhões (R$ 4,3 tri) em dezembro. Isto significou o nono mês de queda. Desde abril de 2022, o valor tem estado abaixo da marca de 1 trilhão de dólares. Ouro X Dólar Ao mesmo tempo, as reservas de ouro da China aumentaram pelo terceiro mês consecutivo. O Banco Popular da China aumentou suas reservas de ouro em 44,17 toneladas em 2024. Até o final de janeiro, as reservas do país totalizavam 2.284,55 toneladas. Coincidência ou não, uma mina de ouro foi descoberta na China no final de 2024 podendo ser considerada a maior do mundo após ser revelado que a jazida contém mil toneladas do metal, localizadas a profundidades de até três mil metros. Inicialmente, foi anunciado que foram encontradas 300 toneladas de ouro. O primeiro impacto é que províncias com atividade mineradora tendem a ter maior consumo per capita e redução da pobreza. Está evidente que o propósito prioritário de Trump é encurralar a China, inviabilizando o funcionamento normal da sua economia. Mas a China se demonstra alheia as ameaças e bravatas norte-americanas (“chineses são camponeses”, como falou o vice J.D. Vance). Mas seu crescente mercado consumidor interno e a condição de um dos maiores credores do Tesouro dos EUA criam uma condição paradoxal. China sai ainda mais fortalecida, mas não porque esteja dando sinais de desdolarizar, abandonar o SWIFT (o sistema de pagamento global que usa o dólar como arma) e, junto com os Brics, criar uma plataforma alternativa de compensação. Mas, ao contrário, porque não interessa a ela o corte total da dependência ao dólar. Interessa a ela manter um status quo do qual Trump desesperadamente quer fugir: a sobrevalorização do dólar que torna impossível fazer

“O Trump é louco!” É o mantra da propaganda dos Democratas de dez em cada dez especialistas entrevistados pelos jornalões e telejornais do jornalismo corporativo. Porém, há uma realidade na guerra tarifária: historicamente sempre o fascismo foi o botão eject do Capitalismo: Trump terá que fazer o serviço sujo da conta que chegou da ordem mundial sustentada pelos democratas. Para além dos aspectos econômicos da guerra tarifária, está em jogo um choque cultural entre Ocidente e o Oriente – tendo a China como o grande oponente. Lévi-Strauss distinguia dois tipos de cultura: as que introjetam, absorvem, devoram - as “culturas antropofágicas” – as orientais; e as que vomitam, ejetam, expulsam – as culturas “antropoêmicas”. Que seriam as modernas culturas ocidentais. Através de Hollywood e Big Techs, o Império “vomitou” por meio de narrativas e algoritmos, seu “destino manifesto” da Democracia e Liberdade para todo o planeta. É o Capitalismo Pentecostal. Enquanto o Oriente leva ao extremo um velho princípio taoísta de que a vitória não se consegue afirmando-se, mas, pelo contrário, desvalorizando-se, cedendo-se. Assim como no jiu-jitsu onde não se vence impondo sua própria força ou valor, mas absorvendo a força do oponente.
O mundo acompanha em polvorosa a guerra tarifária deflagrada pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
Embora a grande mídia em uníssono adote a propaganda dos democratas mobilizando os indefectíveis especialistas a martelar que Trump é louco porque sua política tarifária “conduzirá os EUA e ao mundo a uma recessão”, a realidade está revelando algo totalmente diferente – que aquela ordem mundial sustentada pelos democratas, e por extensão pela grande mídia global, (o custo da globalização pelo crescimento da dívida pública dos EUA, o custo excessivo do apoio militar a seus aliados em todo o mundo e a manutenção da balança comercial deficitária para manter países geopoliticamente estratégicos como o Japão, p. ex.) está insustentável para manter a hegemonia dos EUA pós-guerra.
Se Nixon decretou o fim do Acordo de Breton Woods em 1971, acabando com o padrão ouro e liquefazendo o dólar (moratória disfarçada quando Nixon descobriu que a dívida pública americana era impagável), impondo-o como moeda comercial global, agora com Trump, temos o fim do financiamento da Globalização e o chamado “Acordo de Mar-a-Lago”, como explica o economista e cientista político peruano Nilo Meza:
Diante desse cenário, a política tarifária de Trump é o primeiro elo da estratégia que resume o “Acordo de Mar-a-Lago”. A partir desse pedestal, Washington pode se oferecer para reduzi-las, como está fazendo com a “pausa”, enquanto ainda ameaça retirar a proteção militar. Dessa forma, Trump teria uma posição de negociação forte o suficiente para exigir que quase todos os seus parceiros comerciais, com exceções como a China, “desdolarizem” suas reservas e troquem seus títulos do Tesouro por títulos de 100 anos, ou sem vencimento, não negociáveis, que aliviariam os custos de financiamento dos EUA, especialmente o refinanciamento de sua dívida – clique aqui.
O problema é a “exceção” China. Simplesmente porque ela não quer fazer parte desse jogo de “desdolarização”.
A participação da China em títulos do Tesouro dos EUA segue a tendência geral. Caiu para US$ 759 bilhões (R$ 4,3 tri) em dezembro. Isto significou o nono mês de queda. Desde abril de 2022, o valor tem estado abaixo da marca de 1 trilhão de dólares.
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Ouro X Dólar
Ao mesmo tempo, as reservas de ouro da China aumentaram pelo terceiro mês consecutivo. O Banco Popular da China aumentou suas reservas de ouro em 44,17 toneladas em 2024. Até o final de janeiro, as reservas do país totalizavam 2.284,55 toneladas.
Coincidência ou não, uma mina de ouro foi descoberta na China no final de 2024 podendo ser considerada a maior do mundo após ser revelado que a jazida contém mil toneladas do metal, localizadas a profundidades de até três mil metros. Inicialmente, foi anunciado que foram encontradas 300 toneladas de ouro.
O primeiro impacto é que províncias com atividade mineradora tendem a ter maior consumo per capita e redução da pobreza.
Está evidente que o propósito prioritário de Trump é encurralar a China, inviabilizando o funcionamento normal da sua economia. Mas a China se demonstra alheia as ameaças e bravatas norte-americanas (“chineses são camponeses”, como falou o vice J.D. Vance). Mas seu crescente mercado consumidor interno e a condição de um dos maiores credores do Tesouro dos EUA criam uma condição paradoxal.
China sai ainda mais fortalecida, mas não porque esteja dando sinais de desdolarizar, abandonar o SWIFT (o sistema de pagamento global que usa o dólar como arma) e, junto com os Brics, criar uma plataforma alternativa de compensação. Mas, ao contrário, porque não interessa a ela o corte total da dependência ao dólar. Interessa a ela manter um status quo do qual Trump desesperadamente quer fugir: a sobrevalorização do dólar que torna impossível fazer a gestão de sua monumental dívida pública.
Para além da guerra econômica, este humilde blogueiro acredita que está havendo um choque cultural. Mas não aquele do “choque das civilizações” com o qual os falcões da guerra do Estado Profundo dos EUA justificavam a “Guerra ao Terror” pós 2001.
Retomemos a fala de J.D. Vance, “os chineses são camponeses”. Mais do que uma bravata, é um sintoma – simplesmente a sociedade americana, além de ter um péssimo conhecimento de geografia global, ignora as culturas estrangeiras. Não obstante suas universidades terem inúmeros scholars especializados em culturas estrangeiras, cujos estudos acadêmicos balizam cientificamente as guerras híbridas do Departamento de Estado pelo mundo.
Um prosaico exemplo é saber que eles chamam o seu próprio campeonato de futebol americano de “campeonato mundial”... sendo que eles são os únicos que jogam essa espécie de rugby anabolizado...
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Lévi-Strauss explica
O antropólogo Lévi-Strauss distinguia dois tipos de cultura: as que introjetam, absorvem, devoram - as “culturas antropofágicas” -, e as que vomitam, ejetam, expulsam – as culturas “antropoêmicas”. Que seriam as modernas culturas ocidentais – comentado por BAUDRILLARD, Jean. El Crimen Perfecto, Anagrama, 1996.
Talvez o gênio (incompreendido pelo Ocidente) da cultura oriental seja exatamente esse: são culturas antropofágicas,
Aquele que explicou melhor essa lógica cultural oriental tenha sido o filósofo e escritor marxista catalão Rubert de Ventós. Para ele, o gênio oriental estaria no mimetismo, na imitação – p. ex., o Japão consegue entrar na órbita cultural, tecnológica e comercial ocidental levando ao extremo um velho princípio taoísta de que a vitória não se consegue afirmando-se, mas, pelo contrário, desvalorizando-se, cedendo-se. Assim como no jiu-jitsu onde não se vence impondo sua própria força ou valor, mas absorvendo a força do oponente – Leia VENTÓS, Rubert de. De La Modernidad, Barcelona: Ediciones Peninsula, 1982.
Fala-se que “Todo chinês é taoísta em casa, confucionista na rua e budista na hora da morte”.
Para muitos estudiosos, esse ditado chinês resume a complexa espiritualidade da nação mais antiga do mundo. Essas três doutrinas de mais de 20 séculos moldaram a alma chinesa. Enquanto arranha-céus e canteiros de obras mudam a face das milenares metrópoles chinesas, Confúcio, Tao e Buda ainda explicam muito sobre os chineses e sua relação com o mundo. Doutrinas se misturam como ingredientes de uma poderosa salada espiritual – a chamada “religião tradicional chinesa”, que inclui de filosofia e regras de etiqueta a magias, talismãs e reencarnação.
O olhar ocidental procura sempre no Oriente um sentido – primado semiótico nosso, no qual os signos devem sempre ter sempre um sentido, representar, apontar para um sentido lógico, instrumental, científico etc.
Para um ocidental a palavra “sentido” tem um forte significado ontológico (a “essência”, o porquê das coisas etc.). Por isso, ao conhecer o Japão ou a China buscamos lá a confirmação das ideologias como meritocracia, progresso, capitalismo, tecnologia etc. Procuram-se lições ou o espelho ideal das virtudes que supostamente seriam universais, assim como o realismo capitalista.
Mas a palavra “sentido” tem um outro significado na cultura oriental: significa direção para onde um fluxo aponta, movimento, deslocamento. Não mais essência, mas forma e estilização.
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O templo espiritual chinês
Para muitos estudiosos, o taoísmo é o pilar mais forte do templo espiritual chinês. A palavra Tao – “caminho” ou “curso” em mandarim – indica a força primordial que mantém o Universo em equilíbrio. Há apenas o fluxo do Tao regido pela transição entre yin e yang, os pares de opostos que formam o cosmos: macho e fêmea, luz e sombra, quente e frio etc.
O Japão e China copiaram a tecnologia exatamente como há séculos vem “copiando” religiões. E a globalização ajudou isso pela presunção de que enquanto o Oriente ficaria com a menor escala de valor da cadeia de produção (as plantas industriais, as manufaturas), o Ocidente ficaria com o filão: design, codificação, programação etc.
Mas graças ao secular e sutil desprezo por “mensagens” ou “conteúdos” do que vem de fora, tudo é copiado, imitado como pura estética (signos vazios) para depois ser filtrado o conteúdo e transformado em forma ou estilização vazia voltada aos seus próprios interesses. O sucesso que abalou o Ocidente, a IA “Deepseek”, está aí para comprovar.
O raciocínio oriental é metonímico, e não alegórico.
O Tao diz que o que importa em cada coisa é o seu vazio em quem o supera converte-se a si mesmo em vazio de onde os demais podem entrar e sair livremente. Seria o dono do Universo.
Esse impulso cultural, por assim dizer, antropofágico pode ser encontrado, por exemplo, na fala do reformista Deng Xiaoping (líder supremo da República Popular da China entre 1978 e 1992, após a morte de Mao Tsé-Tung) que justificou a suposta traição ao marxismo com a Reforma e Abertura econômica: “Não importa se o gato é preto ou branco. Importa que cace ratos”. Não importa o que for absorvido: serão sempre meros signos vazios, que podem ser apropriados e, para usar um termo da moda, ressignificados.
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Por isso, no Oriente, a modernidade convive tranquilamente com a tradição milenar.
Enquanto no Ocidente, os EUA são a grande cultura antropoêmica, que vomitam ou ejetam o seu “sentido”, o seu “dever ser”, o seu “destino manifesto”, para todo o planeta. O núcleo da religião americana, aquilo que faz pulsar o seu “destino manifesto”: a fé na livre iniciativa, no pragmatismo comercial como moralmente bom porque voltado à eficiência e eficácia do lucro. Isso é o que faz distinguir o capitalismo americano das origens espirituais do capitalismo europeu descrito por Max Weber no livro clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Nos EUA o capitalismo não é mais protestante, ele é pentecostal.
Um destino conferido por profecias ou a vontade dos deuses.
Por isso a máquina de entretenimento e propaganda de Hollywood. Hoje, complementado pelas Big Techs. Um monólogo infinito de narrativas e algoritmos no qual os norte-americanos acreditam que têm uma missão divina de se expandir territorialmente levando a outros países e povos a civilização e o progresso – a Liberdade e a Democracia – e combater ditaduras autocracias de países “atrasados”. A guerra ao terror e suas guerras eternas seriam justificadas por essa missão divina, no qual a grande mídia internacional e os parceiros geopolíticos europeus acreditaram.
Porém, agora essa gigantesca regurgitação antropoêmica mandou a conta: o dólar valorizado como moeda global das reservas nacionais e comércio acabou sendo a própria armadilha do Império – a impagável dívida pública dos EUA que Trump agora quer dividir a conta com todo o mundo.
Menos a China, que não quer fazer parte do Acordo Mar-a-Lago. Como potência que cresceu com essa milenar cultura antropofágica taoísta, para ela basta absorver a força e a agressão do oponente. E usá-la contra ele.
Definitivamente o Capitalismo Pentecostal do Ocidente (cuja pregação quer espalhar pelo planeta a Nova Jerusalém da Democracia e da Liberdade) não tem a menor chance contra a fé taoísta que move o Oriente.
A Nova Jerusalém virou o abismo do Ocidente. Para o qual pretende arrastar o resto do mundo junto.