10 Considerações sobre Queer, de William S. Burroughs ou sobre o rei das anedotas
O Blog Listas Literárias leu Queer, de William S. Burroughs publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eraldo sobre o livro com seu protagonista rei das anedotas e capaz de levar todo mundo para a irmandade... 1 - Intermediário temporalmente entre os clássicos Junky e Almoço Nu do autor e publicado somente após três décadas de sua escrita, fato creditado à temática homossexual da obra, Queer narra a jornada do protagonistas destes três romances, William Lee, visto como alter ego de Burroughs, em uma jornada em que mergulha na bebida - em tentativa de afastar-se das drogas - enquanto peregrina pelas Américas Centrais e do Sul em busca de ayahuasca. Em sua busca leva-nos junto a uma cultura underground e à margem de uma sociedade burguesa heteronormativa, ainda que muitos dos membros dessa sociedade percorram os mesmos bares e pardieiros que Lee frequenta;2 - Dito isso, podemos analisar alguns aspectos da narrativa, a começar por seus cenários, habitados preferencialmente à noite. Trata-se de uma narrativa noturna, é na noite que seus personagens se movimentam. Um movimento que percorre bares, obviamente, em sua grande medida bares frequentados por homens gays, homens que exercem diferentes funções na sociedade. Não passa despercebido a brodeiragem militar presente no círculo à volta de Lee com seus drinks diversos. Na maior parte do tempo a ação desenvolve-se em bares da Cidade do México sob o olhar ácido e não sem uma pitada de cosciência imperialista de um Lee notadamente norte-americano no olhar para os outros;3 - Da Cidade do México os cenários noturnos partem e percorrem diferentes pardieiros da América do Sul, a Colômbia especialmente, quando junto de seu amante, Allerton, Lee vai então em busca da yage. Uma busca, inclusive, que reflete as paranoias e as conspirações das coisas estranhas que vão acontecendo no pós-guerra, já que em grande parte, não só apenas pelo fato de buscar uma brisa distinta, a caça de Lee está fortemente influenciada pelos rumores de pesquisas de controle de massas e da mente por cientistas russos - mas também norte-americanos usando as mais diferentes drogas; assim de hotéis vagabundos a ermitões da floresta, Lee com seu sarcasmo e distanciamento estabelece algo que hoje nos lembra os mochileiros vagantes atrás de curiosidades. Todavia, essa também lhe é uma forma de manter Allerton próximo;4 - Aliás, Lee entrega-nos um olhar interessante acerca de sua sexualidade. Seu olhar é de "caçador", capaz de identificar imediatamente as posturas, as certezas e as reticências dos outros, o que lhe confere certo cinismo nas relações ao mesmo tempo que lhe confere uma lucidez e consciência cínica quanto às pessoas, as quais observa cheio de julgamentos, mas também compreensões;5 - Ocorre que Lee não apenas compreende a si mesmo, como em sua lucidez um tanto quanto trágica, está habituado às suas desilusões. Entretanto, mesmo que essa consciência um tanto quanto pícara lhe faça alguém forjado nas dores e justamente por isso dotado de uma postura única, que entre a ebriedade e a sobriedade é capaz de deslocar seus interlocutores da zona de conforto, também sofre com suas incertezas e medos que em muitos momentos atiram-lhe não só à atitudes dramáticas, bem como posturas por vezes ressentidas;6 - Na narrativa, portanto, Lee é o centro para onde convergem a reunião e o encontro de personagens que constituem toda uma cultura queer, que vai desde homens gays frequentadores assíduos a esses bares como homens gays que casualmente tem suas esposas e famílias durante o dia. Nesse sentido, o livro nos entrega um interessante mosaico humano, cada qual com suas identidades e individualidades destacadas, ainda que muitos percorram pouco tempo da narrativa. Conhecemo-os a partir dos diálogos e também a partir das fofocas contadas. Na verdade, temos uma grande rede humana que vai conecatando-se de drink em drink;7 - Aliás, vale destacar aqui uma das características desse protagonista, que ao final também narra uma pequena parte ao final do romance, William Lee. Sua capacidade de introduzir anedotas às suas conversas é um dos destaques da obra, tal como seus diálogos em que em muitos momentos direciona-os inesperadamente a caminhos capazes de ou escapar de determidas situações ou a levar a situações que lhe interessam;8 - Além disso, convém dizer que tais ambientes dessa cultura noturna trazida no romance não está imune à violência e à decadência, especialmente quando os cenários se passam no México. Lee não perder ao melhor estilo caubói, uma oportunidade de mostrar sua pistola - não estamos falando da metafórica. As armas aqui são tão presentes quanto os drinks vagabundos que bebem, principalmente porque seus protagonistas são desalojados de um mundo diurno, vivem às margens, uma espécie de libertos renegados a vivenciar suas jornadas pessoais;9 - Contudo, se por um lado temos a abordagem da cultura queer - aliás, indispensável a leitura da nota do tradutor quanto ao

O Blog Listas Literárias leu Queer, de William S. Burroughs publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eraldo sobre o livro com seu protagonista rei das anedotas e capaz de levar todo mundo para a irmandade...
1 - Intermediário temporalmente entre os clássicos Junky e Almoço Nu do autor e publicado somente após três décadas de sua escrita, fato creditado à temática homossexual da obra, Queer narra a jornada do protagonistas destes três romances, William Lee, visto como alter ego de Burroughs, em uma jornada em que mergulha na bebida - em tentativa de afastar-se das drogas - enquanto peregrina pelas Américas Centrais e do Sul em busca de ayahuasca. Em sua busca leva-nos junto a uma cultura underground e à margem de uma sociedade burguesa heteronormativa, ainda que muitos dos membros dessa sociedade percorram os mesmos bares e pardieiros que Lee frequenta;
2 - Dito isso, podemos analisar alguns aspectos da narrativa, a começar por seus cenários, habitados preferencialmente à noite. Trata-se de uma narrativa noturna, é na noite que seus personagens se movimentam. Um movimento que percorre bares, obviamente, em sua grande medida bares frequentados por homens gays, homens que exercem diferentes funções na sociedade. Não passa despercebido a brodeiragem militar presente no círculo à volta de Lee com seus drinks diversos. Na maior parte do tempo a ação desenvolve-se em bares da Cidade do México sob o olhar ácido e não sem uma pitada de cosciência imperialista de um Lee notadamente norte-americano no olhar para os outros;
3 - Da Cidade do México os cenários noturnos partem e percorrem diferentes pardieiros da América do Sul, a Colômbia especialmente, quando junto de seu amante, Allerton, Lee vai então em busca da yage. Uma busca, inclusive, que reflete as paranoias e as conspirações das coisas estranhas que vão acontecendo no pós-guerra, já que em grande parte, não só apenas pelo fato de buscar uma brisa distinta, a caça de Lee está fortemente influenciada pelos rumores de pesquisas de controle de massas e da mente por cientistas russos - mas também norte-americanos usando as mais diferentes drogas; assim de hotéis vagabundos a ermitões da floresta, Lee com seu sarcasmo e distanciamento estabelece algo que hoje nos lembra os mochileiros vagantes atrás de curiosidades. Todavia, essa também lhe é uma forma de manter Allerton próximo;
4 - Aliás, Lee entrega-nos um olhar interessante acerca de sua sexualidade. Seu olhar é de "caçador", capaz de identificar imediatamente as posturas, as certezas e as reticências dos outros, o que lhe confere certo cinismo nas relações ao mesmo tempo que lhe confere uma lucidez e consciência cínica quanto às pessoas, as quais observa cheio de julgamentos, mas também compreensões;
5 - Ocorre que Lee não apenas compreende a si mesmo, como em sua lucidez um tanto quanto trágica, está habituado às suas desilusões. Entretanto, mesmo que essa consciência um tanto quanto pícara lhe faça alguém forjado nas dores e justamente por isso dotado de uma postura única, que entre a ebriedade e a sobriedade é capaz de deslocar seus interlocutores da zona de conforto, também sofre com suas incertezas e medos que em muitos momentos atiram-lhe não só à atitudes dramáticas, bem como posturas por vezes ressentidas;
6 - Na narrativa, portanto, Lee é o centro para onde convergem a reunião e o encontro de personagens que constituem toda uma cultura queer, que vai desde homens gays frequentadores assíduos a esses bares como homens gays que casualmente tem suas esposas e famílias durante o dia. Nesse sentido, o livro nos entrega um interessante mosaico humano, cada qual com suas identidades e individualidades destacadas, ainda que muitos percorram pouco tempo da narrativa. Conhecemo-os a partir dos diálogos e também a partir das fofocas contadas. Na verdade, temos uma grande rede humana que vai conecatando-se de drink em drink;
7 - Aliás, vale destacar aqui uma das características desse protagonista, que ao final também narra uma pequena parte ao final do romance, William Lee. Sua capacidade de introduzir anedotas às suas conversas é um dos destaques da obra, tal como seus diálogos em que em muitos momentos direciona-os inesperadamente a caminhos capazes de ou escapar de determidas situações ou a levar a situações que lhe interessam;
8 - Além disso, convém dizer que tais ambientes dessa cultura noturna trazida no romance não está imune à violência e à decadência, especialmente quando os cenários se passam no México. Lee não perder ao melhor estilo caubói, uma oportunidade de mostrar sua pistola - não estamos falando da metafórica. As armas aqui são tão presentes quanto os drinks vagabundos que bebem, principalmente porque seus protagonistas são desalojados de um mundo diurno, vivem às margens, uma espécie de libertos renegados a vivenciar suas jornadas pessoais;
9 - Contudo, se por um lado temos a abordagem da cultura queer - aliás, indispensável a leitura da nota do tradutor quanto ao termo -, de outro, talvez não mesmo evidente, há o olhar de Lee totalmente impresse sob o viés do norte-americano imperialista. O olhar de Lee para o Sul é o típico olhar colonialista, vide, inclusive sua passagem pelo Panamá. Não deixa de ser curioso essa fato de que Lee, um renegado em sua própria nação, em sua casa, não consiga se desvencilhar do olhar do gringo que imagina que todo resto da América é seu quintal para aventuras e espaço para julgamentos;
10 - Enfim, Queer é leitura interessante constituída de personagens que nos fornecem um amálgame íntimo e noturno das existências renegadas pelo dia. São personagens noturnos que à noite encontram-se consigo mesmos, entre uma dose e outra, entre um caso amoroso e outro, ainda que seus amores, no contexto da narrativa, lhes seja muitas vezes inviável sob a luz do dia. Vale destacar ainda nessa edição o apêndice de Burroughs em que fala da morte da mulher, morta por ele mesmo;
:: + na Amazon ::