Crítica: “Lonely People With Power”, novo disco do Deafheaven, é avassalador em todos os bons sentidos

Em um álbum que soa quase como canções de “amor” para o fim do mundo, a banda mostra que há sentimentos difíceis para lidar na vida.

Apr 14, 2025 - 15:36
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Crítica: “Lonely People With Power”, novo disco do Deafheaven, é avassalador em todos os bons sentidos

texto de Guilherme Lage

O Deafheaven foi por muitos anos taxado como uma “banda de metal para quem não gosta de metal”. A expressão chega a beirar o cômico levando em consideração que o quinteto californiano sempre bebeu das águas mais turvas do metal extremo desde sua concepção em 2010. Talvez a mescla com o shoegaze, que ajuda a suavizar a pesada artilharia black metal, dê a impressão de que o grupo tenda a ser menos “true” do que o esperado para o gênero.

Fora isso, as letras também podem ajudar nessa percepção, uma vez que nas linhas gritadas se encontram reflexões sobre vida e morte, as frustrações do amor estanque, poesia e sobra pouco espaço para malícia ou qualquer sentimento mais cínico geralmente associado ao estilo. E ainda que as resenhas dos sabe tudo da Pitchfork tenham afastado muitos usuários de patches em coletes jeans da banda, o quinteto não é nenhum novato quando a controvérsia é “o metal tem que ser assim”.

Por mais que os detratores dos californianos tenham muita munição para atacá-los, seja qual for a direção escolhida pelo grupo, de uma coisa não pode acusá-los: falta de originalidade. Desde que surgiram em 2011 com “Roads To Judah”, a banda nunca entregou um disco igual. Essa criatividade se mantém intacta em “Lonely People With Power”, lançado no último dia 28 de março.

Ao chegar à (inacreditável) marca de seis álbuns, a banda se mostra cada vez mais visceral em uma obra avassaladora em todos os bons sentidos. As faixas aqui são longas, mas bem mais curtas do que o habitual – não há nenhuma música que extrapole os 8 minutos, talvez um legado de seu mais contestado álbum, Inifnite Granit (2021), que expôs o grupo a uma forma mais doce de fazer música, deixando quase que para trás os urros incessantes do black metal para uma abordagem totalmente post-rock e shoegaze.

Daquele álbum, no entanto, sobrou pouco para comparar, uma vez que “Lonely People With Power” é, talvez o disco mais pesado do grupo em 15 anos de estrada.

A abertura “Incidental I” é etérea, um prelúdio que prepara muito pouco o ouvinte para o que vem a seguir. “Doberman” é uma apelação. A princípio, a banda parece preparar mais uma peça épica de “blackgaze”, cadenciada pelos belos riffs dos guitarristas Kerry McCoy e Shiv Mehra. Apesar do primeiro impacto, no entanto, o que a banda entrega é faixa mais autêntica de post-black metal de toda a carreira. É uma evolução orgânica, sem tentativas demais ou forçação de barra. Visceral por excelência e natureza.

Na sequência, a faixa utilizada como primeiro single do disco, “Magnolia”, é selvagem. Antes de formar o Deafheaven, McCoy e o vocalista George Clarke tiveram uma banda de grindcore e death metal, chamada “Rise of Caligula”. Nestaa faixa, os dois parecem resgatar essa veia mais brutal, que evoca, sem medo algum, o desejo de ser agressivo.

“The Garden Route” corrige uma injustiça histórica da banda com sua própria música. Em discos passados, o baixo era apenas um coadjuvante, com poucas chances de brilhar entre as faixas. Aqui, o baixista Chris Johnson consegue espaço para ser tão interessante quanto os riffs fantasmagóricos do duo de guitarristas, que permeiam a canção como uma penumbra em torno dos vocais de Clarke.

“Heathen”, o segundo single de trabalho do álbum, é uma música linda. Aqui aparecem os primeiros vocais limpos do disco, que evocam um sentimento que o quinteto sabe muito bem como causar: a nostalgia. A folga dura pouco, no entanto, com berros que beiram o enlouquecedor absorvendo toda a calmaria logo na chegada do primeiro refrão. Os gritos se intercalam com porções de spoken word para logo depois retornarem.

Neste número, o baterista Daniel Tracy dá uma verdadeira aula, com uma técnica pouco esperada, que vai do rock alternativo ao quase “jazzy”. É artístico, quase cinematográfico, é o que o Deafheaven tem de melhor. O spoken word é mantido na introdução de “Amethyst”, carregada por um riff melancólico, quase uma característica de quem não usa afinações convencionais, a música novamente explode em peso emocional.

“Incidental II”, com participação de Jae Matthews (Boy Harsher), traz algo que o grupo ainda não havia experimentado, mas que já foi feito por alguém antes. A música (parece) ter uma influência bem clara de “Trumpeting Ecstasy”, do disco de mesmo nome, de 2017, do quarteto de Maryland Full Of Hell, em parceria com Nicole Dollanganger. Dado a mútua e pública admiração que as bandas têm uma pela outra, não é difícil chegar à conclusão de que a influência seja genuína.

“Revelator” novamente traz riffs bastante influenciados por death metal, sem nenhuma dose de shoegaze para absorver o impacto, antes de se tornar a música mais abertamente black do quinteto. A faixa sacramenta uma opinião: “Lonely People With Power” traz a melhor performance vocal de Clarke em todo o tempo à frente do Deafheaven.

Já “Body Behavior” é inacreditável. Mais uma vez o baixo aparece com clareza, dando o tom de toda a canção. Totalmente e até descaradamente inspirada em post-punk, o Defaheaven fez uma música para balançar a cabeça e bater o pé no chão. Talvez o ponto alto de todo o disco. “Incidental III” é outro interlúdio, desta vez com spoken word feita por Paul Banks, um dos maiores heróis da cena indie 2000s e vocalista do Interpol. A faixa é uma boa pausa para preparar o fechamento do disco.

Em “Winona” e “The Marvelous Orange Tree”, talvez a banda apareça em sua parte mais referencial de todo o disco. Ótimas, as duas faixas, no entanto, relembram um pouco o passado. “Winona”, em especial, poderia fazer parte de “Sunbather” (2013), quando a banda ainda carregava uma forte influência do Alcest.

Em linhas gerais, há algo quase cinematográfico sobre o disco. O Deafheaven consegue mostrar um lado artístico incrivelmente forte de uma banda que a cada dia soa mais como ela mesma e ninguém mais. Em um álbum que soa quase como canções de “amor” para o fim do mundo, a banda mostra que há sentimentos difíceis para lidar na vida e que nada volta, mesmo sob o lindo sol de fim de tarde da Califórnia. Um trabalho que tem tudo para ser o maior da carreira e um dos melhores discos do ano.

– Guilherme Lage (fb.com/lage.guilherme66) é jornalista e mora em Vila Velha, ES. Leia mais textos dele!