Crítica: Será “Ruptura” um novo “Lost” ou podemos esperar mais?

Como temporada fechada, essa “Season 2” é excelente em projetar “soluções” para o futuro. Sua sedução, porém, é inquestionável, pois tateia temas extremamente caros à humanidade nestes dias sem lei.

Apr 16, 2025 - 04:28
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Crítica: Será “Ruptura” um novo “Lost” ou podemos esperar mais?

texto de Marcelo Costa

Um dos objetos de entretenimento mais interessantes deste 2025, “Ruptura” (“Severance, Season 2”, 2025) pode vir a se tornar tanto uma obra referencial devido a sua genialidade quanto uma enorme frustração estilo “Lost” (2004/2010), aquele tipo de série que você acompanha durante anos e que, no final, se resolve como uma grande bobagem.

A segunda temporada de “Ruptura”, disponível na Apple TV / Prime Video, que surge três anos depois da primeira (atraso devido tanto a pandemia quanto a greves em Hollywood, mas, principalmente, desentendimentos entre a equipe) lança mais lenha na fogueira: como temporada fechada, essa “Season 2” é excelente em projetar “soluções” para o futuro. Sua sedução, porém, é inquestionável, pois tateia temas extremamente caros à humanidade nestes dias sem lei.

Aqui vale uma pequena reunião de ideias para colocar as coisas em (uma aparente) ordem na (nossa) memória: “Ruptura” se passa em uma cidade dormitório chamada Kier, na Pensilvania, construída para funcionários da empresa Lumon, e com serviços (universidade, clínicas, bares) conectados com a companhia (o que pode, segundo alguns, sugerir manipulação estilo “O Show de Truman” – a segunda temporada dá leves pistas que pode ir por esse caminho).

Um dos (diversos) projetos da empresa (que tem mais de 500 unidades espalhadas pelo mundo, tal como uma seita ou igreja – o que é praticamente a mesma coisa) inclui instalar um chip no cérebro da pessoa, fazendo com que ela se torne uma outra pessoa (com memória, sentimentos e sensações próprias) em áreas controladas. Numa dessas áreas, uma equipe trabalha com “refinamento de dados” (cuja função será revelada nessa segunda temporada) sob dogmas que tanto remontam a religião católica antes de Cristo (com direito a sacrifícios de animais e relacionamento de parentesco próximo na base) quanto ao nonsense.

O trilionário Jame Eagan, oitavo e atual CEO da Lumon Industries, uma espécie de Elon Musk da biotecnologia, segue dirigindo a empresa com pulso forte (e voz fina), “doando” a filha legitima Helena para o processo (e, provavelmente, muitos ilegítimos) enquanto Mark, o personagem central, um professor universitário que (acredita que) perdeu a esposa em um acidente de carro, tem seus eus (externo, fora da empresa, e interno, dentro da empresa) envolvidos com mulheres diferentes. Há, ainda, interessantes arcos paralelos, sutilmente tocados nessa temporada.

Toda ficção cientifica (de “Black Mirror” a “Dark” a “Duna” e “Ruptura”) depende de um voto de fé do espectador, que precisa acreditar que aquilo que ele vê na tela pode acontecer – ainda que a própria ciência prove ser totalmente impossível. A distopia pode entrar em cena para colaborar com um verniz de “realidade” social e, de mãos dadas com a ficção, causar um embate entre oprimido e opressor – mesmo que a ideia do opressor (ou principalmente por causa dela) seja tornar o mundo um lugar melhor (do seu ponto de vista). Para a família Eagan, erradicar a dor do mundo soa como um propósito, mesmo que algumas vidas (de animais e pessoas) sejam deixadas pelo caminho para que eles alcancem esse intento.

Construída como um frágil castelo de cartas que pode voar pelos ares a uma simples baforada, “Ruptura” é (aparentemente) mais cheia de buracos do que queijo suíço, o que por si só soa provocativo, pois parece impossível que o núcleo criativo tenha feito tudo isso sem planejamento. Um exemplo: como um projeto tão secreto e milionário pode ter tantas falhas absurdas de segurança e acompanhamento? Serão as “falhas” parte do “jogo”? Outra: como Devon, irmã de Mark, personagem mais “normal” (e definido como “inteligente”) da série pode ter arriscado a vida do irmão trocando o apoio de uma médica após um procedimento arriscado pelo de Harmony Cobel, a pessoa mais não confiável do grupo? É totalmente ilógico.

Mas essas respostas (e muitas outras) fica(m) para a terceira temporada. Até lá (o núcleo criativo prevê que a terceira temporada não deva demorar 1000 dias para estrear como a segunda), muitas teorias serão levantadas na internet (qual a sua favorita?), o que só valoriza a série (e aumenta a bola de neve da expectativa do que vem por ai). Mas será que ela irá se resolver bem no final? Dúvidas… mas bora investir tempo nesse esquema de pirâmide cultural. Tudo é possível…

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– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.