Crítica: “Adolescência” é tudo isso que parece ser?
Thorne, Graham e Barantini capturaram, com extrema inteligência, o zeitgeist e o ofereceram ao público como se fosse pão com manteiga no café da manhã. Há grandes méritos na empreitada, sim, ainda que seja preciso separar algumas peças...

texto de Marcelo Costa
Há várias maneiras de se dizer uma coisa. Renato Russo, no encarte do terceiro disco da Legião Urbana, dizia que a letra de “Que País é Este?” (1979) era, de certa forma, adolescente e ingênua, principalmente se comparada a “Índios” (1986), que ele escreveu sete anos depois e trata do mesmo assunto (“Poderia até ser a mesma música”, ele provoca) – ele voltaria ao tema seis anos depois, em 1993, com “Perfeição”, talvez seu melhor resultado…
Da mesma forma que Renato Russo, o trio Jack Thorne, Stephen Graham e Philip Barantini poderia desbravar o tema de “Adolescência” (“Adolescence”, 2025, Netflix) de diversas maneiras, e escolheu o mais cru e direto possível. Ou seja, eles optaram por fazer “Que País é Este?” a “Perfeição”. Porém, para não soar tão “punk” para as massas, o núcleo criativo da série decidiu envelopá-la em um formato “provocante”, como se colocar a letra de “Que País é Este?” no arranjo de “Perfeição” resolvesse a questão.
Bem, quando esse texto começou a ser rascunhado, “Adolescência” já era um dos maiores sucessos da história da Netflix com 66 milhões de visualizações em seus 11 primeiros dias disponíveis na plataforma (de 13 a 24 de março). Hoje, mais de um mês depois, e com mais de 100 milhões de visualizações na plataforma (sem contar as milhares de sugestões de pauta de psicólogos e textos com foco em RH no Linkedin), “Adolescência” é um sucesso avassalador que colocou o tema da juventude em tempos de internet em alerta em todo o mundo – algo que já vinha sendo discutido insistentemente desde que casos como o do massacre de Columbine, em 1998 (!), virou algo corriqueiro nos Estados Unidos, ainda que poucos pais olhassem para a porta fechada do quarto de seus filhos pensando “poderia ter sido ele” – e irá ganhar Emmy e Globo de Ouro no final da temporada (anotem).
Você já deve conhecer a história (baseada em um caso real): um garoto de 13 anos é acusado de assassinar uma colega de escola, levando a família, a terapeuta e o investigador do caso a se perguntarem: o que realmente aconteceu? Durante quatro horas, a escola em que o garoto estuda, a delegacia para onde ele será levado, o local em que ele irá aguardar julgamento e a casa de seus pais serão usados como cenário enquanto o roteiro não apenas joga todas as peças do quebra-cabeça no colo do espectador, como o ajuda a monta-las, evitando arestas ou interpretações equivocadas.
Thorne, Graham e Barantini capturaram, com extrema inteligência, o zeitgeist e o ofereceram ao público como se fosse pão com manteiga no café da manhã. Há grandes méritos na empreitada, sim, ainda que seja preciso separar algumas peças, pois se “Adolescência” toca em um tema que, de maneira assustadora, muita gente vinha ignorando até então, ela o faz de maneira absolutamente óbvia e direta, utilizando o formato (quatro episódios de 60 minutos filmados em plano-sequência, ou seja, sem um único corte) para dar ao todo um acabamento (ahñ) artístico.
Dois “porém”: o plano-sequência é uma prisão da qual a série não consegue se livrar, e que além de cansar o espectador em muitos momentos – não é à toa que são apenas quatro episódios, mais do que isso comprometeria seu impacto –, impede mergulhos profundos nos personagens, excetuando, de forma novamente óbvia, o terceiro episódio, único dos quatro com entrelinhas e questões psicológicas. Por outro lado, a prisão em que o plano-sequência colocou o roteiro favoreceu a força da mensagem (principalmente para um público cada vez mais impaciente com entrelinhas e elocubrações filosóficas), fazendo de “Adolescência” um daqueles casos em que seu maior defeito é, também, sua maior virtude.
Ainda assim, o sucesso é mais uma consequência do que um atestado de qualidade – uma das maiores bilheterias da história do cinema, “Titanic” (1997) nunca entrou na lista de melhores filmes de todos os tempos – deixando a questão que ecoa nesse texto: como obra artística, “Adolescência” é tudo isso que parece ser? Ainda que os números sejam impressionantes e que a mensagem tenha sido passada para o espectador, a dúvida talvez seja uma resposta…
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– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.