Um filme igual ao trailer [O Amador]

Rami Malek numa (medíocre) imitação de thrillers dos anos 70Rami Malek reaparece nos ecrãs, acumulando as funções de produtor e intérprete em O Amador, uma variação sobre o modelo clássico dos dramas vividos nos bastidores da CIA: são boas memórias cinéfilas, mas agora com resultados medíocres — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 abril).Rami Malek é um dos fenómenos mais desconcertantes na história dos Oscars de Hollywood. A sua composição esquemática, à beira da involuntária caricatura, de Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody valeu-lhe um Oscar em que venceu, entre outros, Christian Bale (Vice) e Bradley Cooper (Assim Nasce uma Estrela)... e até Clint Eastwood enquanto protagonista da sua notável realização Correio de Droga (mas Eastwood nem sequer estava nomeado).Uma coisa é certa: adquiriu um estatuto privilegiado no interior da indústria que, com toda a legitimidade, tenta rentabilizar a seu favor. Assim acontece com O Amador, uma realização de James Hawes com chancela do império Disney, através da 20th Century Studios (ex-Fox). Malek acumula as funções de produtor e intérprete de Charles Heller, analista de códigos informáticos da CIA cuja mulher é morta num atentado que envolve vários suspeitos que a própria agência andava a investigar...A história nasce de uma típica contradição dramática. A saber: a sede de vingança de Heller vai confrontar-se com as reticências dos seus superiores que, afinal, talvez tenham algo a esconder... E ao referir este aspecto, não há nenhuma revelação para lá do razoável, já que tudo isto (e muito mais!) está no trailer — O Amador é mesmo um daqueles filmes em que o espectador é convocado, não para descobrir o que quer que seja, apenas para confirmar aquilo que já sabe.Estamos perante um modelo de thriller que teve algumas concretizações admiráveis há cerca de 50 anos, incluindo A Última Testemunha (Alan J. Pakula, 1974) e Os Três Dias do Condor (Sydney Pollack, 1975). Agora, a proliferação de computadores e ecrãs é tratada como sintoma da “complexidade” da acção, mas em boa verdade não acontece nada de relevante, a não ser que Heller, para lá de resolver todos os seus problemas através de algum computador que esteja mais à mão, saltita de cidade em cidade, da América para a Europa, com a agilidade de uma figura de desenho animado. No meio da confusão aparecem alguns intérpretes muito talentosos, como Julianne Nicholson ou Michael Stuhlbarg, perdidos no simplismo das personagens que lhes entregaram.

Apr 19, 2025 - 09:41
 0
Um filme igual ao trailer [O Amador]
Rami Malek numa (medíocre) imitação de thrillers dos anos 70

Rami Malek reaparece nos ecrãs, acumulando as funções de produtor e intérprete em O Amador, uma variação sobre o modelo clássico dos dramas vividos nos bastidores da CIA: são boas memórias cinéfilas, mas agora com resultados medíocres — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 abril).

Rami Malek é um dos fenómenos mais desconcertantes na história dos Oscars de Hollywood. A sua composição esquemática, à beira da involuntária caricatura, de Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody valeu-lhe um Oscar em que venceu, entre outros, Christian Bale (Vice) e Bradley Cooper (Assim Nasce uma Estrela)... e até Clint Eastwood enquanto protagonista da sua notável realização Correio de Droga (mas Eastwood nem sequer estava nomeado).
Uma coisa é certa: adquiriu um estatuto privilegiado no interior da indústria que, com toda a legitimidade, tenta rentabilizar a seu favor. Assim acontece com O Amador, uma realização de James Hawes com chancela do império Disney, através da 20th Century Studios (ex-Fox). Malek acumula as funções de produtor e intérprete de Charles Heller, analista de códigos informáticos da CIA cuja mulher é morta num atentado que envolve vários suspeitos que a própria agência andava a investigar...
A história nasce de uma típica contradição dramática. A saber: a sede de vingança de Heller vai confrontar-se com as reticências dos seus superiores que, afinal, talvez tenham algo a esconder... E ao referir este aspecto, não há nenhuma revelação para lá do razoável, já que tudo isto (e muito mais!) está no trailer — O Amador é mesmo um daqueles filmes em que o espectador é convocado, não para descobrir o que quer que seja, apenas para confirmar aquilo que já sabe.
Estamos perante um modelo de thriller que teve algumas concretizações admiráveis há cerca de 50 anos, incluindo A Última Testemunha (Alan J. Pakula, 1974) e Os Três Dias do Condor (Sydney Pollack, 1975). Agora, a proliferação de computadores e ecrãs é tratada como sintoma da “complexidade” da acção, mas em boa verdade não acontece nada de relevante, a não ser que Heller, para lá de resolver todos os seus problemas através de algum computador que esteja mais à mão, saltita de cidade em cidade, da América para a Europa, com a agilidade de uma figura de desenho animado. No meio da confusão aparecem alguns intérpretes muito talentosos, como Julianne Nicholson ou Michael Stuhlbarg, perdidos no simplismo das personagens que lhes entregaram.