Entrevista: Edson Bastos e Henrique Filho falam sobre o Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia e o Circuito Cine Éden

Nesta quarta edição, o evento reunirá dez exibições em dez diferentes espaços, além de quatro oficinas, três workshops, seis mesas de debate, bem como um pitching e uma rodada de negócios

Apr 19, 2025 - 06:11
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Entrevista: Edson Bastos e Henrique Filho falam sobre o Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia e o Circuito Cine Éden

entrevista de João Paulo Barreto

Entre 20 e 26 de abril, a cidade de Ipiaú, no interior da Bahia, recebe a quarta edição do Circuito Cine Éden e a segunda edição do Fórum Audiovisual dos Interiores da Bahia. Os produtores Edson Bastos e Henrique Filho, da Voo Audiovisual, comemoram a participação da cidade como um pólo da produção cinematográfica baiana. “Trata-se de eventos que reafirmam o compromisso com a descentralização dos recursos para o audiovisual no interior do estado”, explica Edson.

A primeira edição do Fórum aconteceu em Vitória da Conquista, em 2023, quando membros de diferentes entidades representativas do audiovisual construíram juntos uma carta para reivindicar a interiorização e a descentralização de recursos e políticas públicas para o setor. A Lei Paulo Gustavo e a implementação da Bahia Filmes foram alguns dos temas discutidos durante o evento.

Nesta quarta edição, o evento reunirá dez exibições em dez diferentes espaços, além de quatro oficinas, três workshops, seis mesas de debate (que também podem ser vistas pelo YouTube), bem como um pitching e uma rodada de negócios, ampliando oportunidades e aquecendo a economia para as produtoras audiovisuais do interior. Na entrevista abaixo, Edson e Henrique aprofundam mais sobre as atividades.

Em relação ao evento que aconteceu em Vitória da Conquista em 2023, cujas ações focaram em estudos para a aplicação de recursos da Lei Paulo Gustavo para projetos oriundos do interior, o que a edição desse ano, a ser realizada em Ipiaú, terá como principais demandas e discussões?
Edson Bastos – A missão é aprofundar o que foi iniciado em Vitória da Conquista em 2023, e também responder aos novos desafios e avanços no cenário audiovisual do estado (da Bahia). Em Ipiaú, as discussões estarão fortemente ancoradas na descentralização dos investimentos em audiovisual, com foco na criação de políticas públicas permanentes que contemplem a diversidade territorial da Bahia. Vamos debater, por exemplo, “O impacto do Audiovisual no Desenvolvimento Socioeconômico dos Interiores”, a partir de experiências consolidadas como em Cabaceiras-PB e Cataguases-MG, assim como a “Interiorização das Políticas Públicas Culturais do Audiovisual”, contando com representações do ANCINE, MINC/SAV e FUNCEB. Outra pauta importante são os “Caminhos Possíveis para a Construção e Reforma de Salas de Cinemas”, visto que o parque exibidor no nosso estado está concentrado na capital, passando também pelo debate de quais “Perspectivas da Bahia Filmes para os interiores”, finalizando com uma “Mobilização para a Valorização Audiovisual nos Interiores dos Brasis”, com representações de todas as regiões do Brasil. Além disso, levar o Fórum para Ipiaú (que recebe o Circuito Éden desde 2014), é deslocar um olhar atento para o papel das cidades pequenas e médias como pólos criativos legítimos e estratégicos para o futuro do cinema baiano e brasileiro. Ipiaú sempre foi ponto de efervescência cultural e pioneiro no pensamento sobre a construção de políticas públicas para o interior do estado. É um município propício para somar essa luta que se expande neste momento.

Com a criação da Bahia Filmes, cuja lei foi sancionada em fevereiro, e sendo que essa era uma das demandas do evento ocorrido há dois anos, quais são as discussões que a edição 2025 pretende levantar dentro das ações a serem apresentadas à film commission?
Henrique Filho – A criação da Bahia Filmes foi uma conquista histórica e simbólica para nós, profissionais do audiovisual no estado. Em 2025, a nossa intenção é propor um diálogo direto com a Bahia Filmes, apresentando sugestões que garantam que as ações da nova empresa contemplem efetivamente realizadores do interior. Queremos discutir critérios mais equitativos de distribuição dos editais, linhas de financiamento específicas para produções fora da capital, estruturação de núcleos de produção regionais, ampliação do parque exibidor no interior do estado e apoio técnico e logístico para filmagens em cidades menores. É fundamental que a Bahia Filmes tenha na composição de sua diretoria colegiada representações de profissionais técnicos do interior e que não reproduza a lógica concentradora na capital, mas sim que se torne um vetor real de desenvolvimento para toda a cadeia audiovisual no estado.

Dentre as atividades que vão acontecer em Ipiaú durante o Fórum, um dos destaques é o encontro entre profissionais da área para o Diálogo Setorial de Audiovisual. Como produtor-executivo do evento, quais devem ser as principais pautas trazidas pelas pessoas?
Edson Bastos – Acredito que o Diálogo Setorial será um dos momentos mais ricos do Fórum justamente porque ele nasce da escuta e da troca entre quem está no fazer cotidiano do audiovisual e quem gere as políticas públicas estaduais. Ipiaú sempre irá lembrar desse gesto da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) em se deslocar para ouvir in-loco as demandas do audiovisual do interior do estado, mas sem excluir a capital, que sempre concentrou esses debates e encontros, e que também poderá ir até a cidade de Ipiaú, ou acessar on-line para participar. Como produtor executivo e também realizador, entendo que algumas pautas são urgentes para o nosso estado: a qualificação técnica continuada, especialmente no interior; o fortalecimento de políticas públicas que garantam previsibilidade e sustentabilidade dos projetos; e a ampliação da infraestrutura de exibição e difusão. Nesse sentido, destaco como prioridade a consolidação da Bahia Filmes com uma estrutura descentralizada e verdadeiramente inclusiva. Isso inclui a garantia de no mínimo 50% dos recursos da Bahia Filmes destinados a projetos do interior do estado; a inclusão de representantes do interior na composição da Diretoria da Bahia Filmes; a instalação de uma filial da instituição fora da capital, ampliando o diálogo e a participação ativa dos territórios; Investimento na reforma e construção de salas de cinema, bem como no estímulo à criação de um circuito público-privado de exibição, envolvendo equipamentos estatais, municipais, privados e comunitários; a criação de linhas específicas de apoio financeiro para produtoras do interior, coletivos, ONGs e cineclubes, como exemplo citamos o modelo dos Arranjos Regionais, promovidos pela ANCINE, aqui sugeridos por nós como Arranjos Territoriais, possibilitando que municípios ou consórcios públicos desenvolvam políticas próprias para o audiovisual, assim como linhas de crédito para empresas que atuem no interior. Além disso, é fundamental o retorno dos Editais Setoriais do Fundo de Cultura, que historicamente fomentaram a diversidade da produção audiovisual baiana. E que os próximos editais da PNAB (Política Nacional Aldir Blanc) na Bahia, aperfeiçoem o mecanismo para que a territorialização aconteça por categorias e não apenas por edital, para equilibrar a disputa por recursos, assim como a inclusão de categorias estratégicas como Mostras e Festivais, longas-metragens e séries, que não foram inseridas no último edital e hoje carecem de apoio continuado, mas são fundamentais para o amadurecimento do setor. Destaco, também, a importância de valorizarmos a DIMAS, que tem um papel histórico na difusão do cinema baiano e precisa de mais estrutura e autonomia para atuar. Esse Diálogo Setorial será, sem dúvida, um espaço para reafirmar que o audiovisual da Bahia é potente, diverso e precisa de políticas à altura de sua criatividade — com escuta, planejamento e execução compartilhada entre estado e sociedade civil.

O Fórum, também, será uma excelente oportunidade de encontro entre realizadores e potenciais produtores com as Rodadas de Negócios. Você poderia abordar como se dará essa tratativa entre os profissionais?
Henrique Filho – Sim, as Rodadas de Negócios são uma novidade do Fórum. A partir dessa edição, elas materializam a possibilidade de conexão entre quem realiza, quem financia, quem distribui e quem pensa políticas públicas. Tivemos mais de 80 projetos do interior da Bahia inscritos nesta ação, avaliados por um time de 17 players que atuam em diferentes frentes do mercado — da produção à distribuição, da exibição aos serviços técnicos e estruturais. O objetivo principal é estimular o desenvolvimento de parcerias, ampliar as redes de contato e incentivar o fortalecimento da cadeia produtiva do audiovisual nos territórios fora dos grandes centros. Alguns dos realizadores nunca participaram de Rodadas de Negócios em toda a sua atuação. As rodadas serão realizadas de forma online com atendimentos agendados individualmente entre realizadores e players, para que cada projeto tenha o seu tempo de apresentação respeitado e possa ser debatido com foco e atenção. Torcemos para que parcerias e contratos sejam firmados, mas sobretudo que os agentes do interior percebam a importância de participarem de eventos de negócios visando viabilizar seus projetos e produzir suas ideias. Além das rodadas, o Fórum contará com uma sessão de Pitching em formato on-line reunindo seis projetos selecionados que terão a oportunidade de apresentar suas propostas diretamente para uma banca especializada. O destaque dessa edição é o prêmio de melhor projeto de longa-metragem de ficção, que receberá uma mentoria de roteiro com profissionais do Paradiso Multiplica, um dos programas de maior relevância nacional no apoio ao desenvolvimento de projetos audiovisuais. Os participantes também ganham credenciais para o NordesteLab e concorrem a um apoio no valor de R$ 5 mil em locação de equipamentos com a IgluLoc para ser utilizado pelo projeto premiado. Com isso, esperamos não apenas fomentar negócios concretos, mas também preparar os realizadores do interior para atuarem com mais segurança e protagonismo em ambientes profissionais e de mercado, nacional e internacionalmente.

Da mesma forma que a edição de 2023, o Fórum desse ano também culminará com a elaboração de uma carta contendo demandas e organizando tópicos que serão abordados e estudados durante o evento. Como se dá a apresentação do documento ao poder público visando tais explanações e estreitamento de diálogo? Existe uma facilidade de acesso a gestores municipais, estaduais e federais para esse diálogo?
Edson Bastos – A carta final é, sem dúvida, uma das heranças mais importantes do Fórum, pois ela registra oficialmente os consensos, as reivindicações e os caminhos pensados durante o evento. A construção do documento acontece de forma coletiva, a partir das reflexões geradas durante os debates das mesas, oficinas e workshops, que ocorrem ao longo dos dias do Fórum, e sua apresentação ao poder público se dará de maneira estratégica. Aproveitaremos que o “Diálogo Setorial de Audiovisual” acontecerá no final do Fórum AVI para apresentar a carta com as nossas pautas, durante esta ação, garantindo que a escuta seja realizada de forma imediata e frente à frente. Essa carta também será protocolada nas repartições públicas de direito e interesse da classe. Buscamos constantemente o diálogo direto com representantes das secretarias municipal, estadual e federal de cultura, além de parlamentares, edis e gestores públicos. Em muitos casos, conseguimos, sim, estabelecer pontes e acessos — sobretudo aos gestores mais sensibilizados com a pauta da cultura e do audiovisual como desenvolvimento econômico do nosso estado e municípios, quando mostramos que as pautas vêm acompanhadas de propostas bem fundamentadas e que há um movimento crescente no interior. Mas também há muitas exceções, há gestores que raramente vão nos receber pessoalmente para um diálogo, que não enxergam a cultura como prioridade e que só reconhecem o papel dela quando são importantes para a alienação de uma população e a garantia de votos.

O Fórum também acontece dentro da quarta edição do Circuito Cine Éden, comemora 11 anos desde a sua primeira edição em 2014. Para uma cidade como Ipiaú, tão bem valorizada e retratada no cinema feito por você e Henrique, qual a importância da mostra? Para a edição de 2025, como foi o processo curatorial e de escolha dos locais de exibição?
Henrique Filho – O Circuito Cine Éden é um dos grandes orgulhos da nossa trajetória e da história recente de Ipiaú. É um evento que promove a continuidade da memória do Cine Teatro Éden, visto a falta de visão estratégica do município, estado e governo federal em desapropriá-lo para a construção de um novo equipamento público. Em 2025, comemoramos 11 anos desde a primeira edição e, mais do que uma mostra de cinema, ele se consolidou como um espaço de pertencimento, memória e futuro para a nossa cidade. Exibir filmes em Ipiaú é um ato de resistência e de afirmação de que o interior também é produtor e espectador de cultura. Trazendo como tema “Cinema Por Toda Parte” esta é a maior edição que já realizamos, onde promoveremos 10 exibições em 10 diferentes lugares da cidade. No 4º Circuito Cine Éden, o processo curatorial foi conduzido com muito cuidado, prezando pela diversidade estética, regional e de narrativas. A curadoria foi realizada por Euclides Mendes, Izabel Melo, Edson Bastos e por mim. Pensamos em filmes que dialoguem com o público local, que provoquem debate, mas que também emocionem e inspirem. Os locais de exibição foram escolhidos a partir de critérios técnicos e simbólicos, incluindo escolas, praças e espaços alternativos, pois queremos que o cinema invada a cidade como um gesto de afeto e provocação. Será a primeira vez que Ipiaú terá acesso a um Cine Drive-in, por exemplo. Estamos muito empolgados.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde, de Salvador, e é autor de “Uma Vida Blues”, biografia de Álvaro Assmar.