Foi ao começo da noite do dia 4 de abril, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém:
Joana Gama e
Rui Braga Simões interpretaram a versão para dois pianos de
Canto Ostinato, de Simeon ten Holt (1923-2012). Acontecimento tão fascinante quanto singular, já que, tal como os dois intérpretes recordavam na esclarecedora
folha de sala do concerto, "pelo que temos conhecimento, hoje será a primeira vez que a versão para dois pianos da peça será interpretada em Portugal".
A estreia de Canto Ostinato ocorreu em Bergen, no dia 25 de abril de 1979, com três pianos e um órgão eléctrico (a data da sua composição é 1976). Para nos ficarmos pelo mais básico, mas essencial, lembremos que o compositor neerlandês criou aquilo que talvez se possa designar como uma partitura em aberto, no sentido em que a sua performance pode acontecer com diferentes conjuntos instrumentais, nomeadamente quatro pianos ou dois pianos — além do mais, com um pressuposto de escrita e interpretação que faz com que a própria duração da performance seja variável.
Navegando no interior do minimalismo de Canto Ostinato, os dois pianos surgem, assim, como objectos de confronto, mas não de conflito — o que, no limite, não deixa de poder atrair uma subtil metáfora política. Com admirável subtileza e elegância (eis uma palavra que urge revalorizar nas suas raízes estéticas), Joana Gama e Rui Braga Simões envolveram-nos na dinâmica de um tempo eminentemente poético, potencialmente infinito. Sublinhemos, por isso, as breves e concisas palavras de ten Holt citadas pelos pianistas: "o tempo torna-se o espaço em que os objetos musicais flutuam".
Inesquecível! E, no sentido mais cristalino da palavra, irrepetível.
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>>> Do álbum Bagatellen: Simeon ten Holt interpreta Simeon ten Holt.