‘Visita Guiada’, da RTP2, dedica uma temporada inteira ao Brasil
Programa liderado por Paula Moura Pinheiro gravou uma temporada inteira no Brasil. A Time Out falou com a jornalista sobre a história que une os dois países.


Desde 2014 que o programa Visita Guiada, emitido pela RTP2, viaja por Portugal para contar as histórias do nosso país, cada episódio partindo de uma “peça-protagonista”, descreve o site oficial, que tanto pode ser um objecto como um monumento. Mas nestes 800 anos de história, a cultura portuguesa foi além-fronteiras. E pela primeira vez, o Visita Guiada dedica uma temporada completa, com oito episódios, a um país que partilha laços históricos com Portugal: o Brasil. A Time Out esteve à conversa com Paula Moura Pinheiro sobre a nova temporada que estreia a 21 de Abril.
A data de estreia não foi escolhida ao acaso. No Brasil, é a 21 de Abril que se celebra Tiradentes, alcunha de um dentista chamado Joaquim José da Silva Xavier que lutou pela independência do país no século XVIII. E é também a véspera do dia em que a armada de Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, há 525 anos. Nesta Visita Guiada, Paula Moura Pinheiro passa por locais emblemáticos, como a Baía Cabrália, onde os portugueses desembarcaram em 1500; a cidade de Salvador, que foi a primeira capital do Brasil como colónia; o açucarado Recôncavo da Bahia; Ouro Preto e Diamantina, grandes centros de mineração de ouro e diamantes no século XVIII; ou Rio de Janeiro, a segunda capital do Brasil e para onde se mudou a corte portuguesa entre 1808 e 1821. Ao seu lado, a jornalista portuguesa conta com historiadores brasileiros de referência, com destaque para João José Reis, Júnia Furtado e Maria Fernanda Bicalho.
Há dois anos, o Visita Guiada foi até Cabo Verde, dedicando ao país três episódios. Mas esta é a primeira temporada totalmente dedicada a histórias de outro país e já estava na calha “há bastante tempo”, conta-nos por telefone Paula Moura Pinheiro. Até por sugestão dos muitos seguidores do programa, uma “rede de cúmplices” que também conta com diversos historiadores com os quais foram trabalhando ao longo dos anos.
Para esta viagem, a investigação da jornalista começou em Portugal, encontrando as primeiras pistas com a ajuda da historiadora portuguesa Mafalda Soares da Cunha, que tem relações estreitas com a academia brasileira; e também da historiadora brasileira Laura de Mello e Souza, vencedora o ano passado do Prémio Internacional de História, atribuído pelo International Committee of Historical Sciences.
Além lugares comuns e estereótipos
Mas quão diferente é a história contada no Brasil e em Portugal? Há dois pontos de vista? “Não há dois, há muitos pontos de vista”, começa por responder Paula Moura Pinheiro, sublinhando que “durante um tempo largo ainda depois do 25 de Abril era mais acentuada a divergência”. Não só por culpa do “discurso triunfalista” do Estado Novo, durante o qual “era tudo enfatizado e glorificado e foi tudo fantástico e maravilhoso”, mas também não esquecendo a ditadura militar brasileira, que se prolongou entre 1964 e 1985.
“Começou a emergir uma consciência de que era necessário produzir a sua própria narrativa, a sua própria história, sob o seu próprio ponto de vista. Onde todos os aspectos em que o colonizador ficava mal visto, não só não eram obliterados, como muitas vezes eram enfatizados. E eu acho que isso ainda acontece bastante, esse ponto de vista também é um bocadinho primário em sentido inverso”, explica, embora considere “historicamente compreensível”. No entanto, avança a jornalista, “a academia tem produzido um movimento que me parece muito saudável de aproximação, não forçosamente dos conteúdos, no sentido da uniformização, mas de se ouvirem mutuamente”. Um esforço “muito interessante e muito produtivo” que tem juntado historiadores dos dois lados do Atlântico nas suas investigações e projecto académicos. Por exemplo, acrescenta, “todo o discurso sobre o tráfico de escravizados passou a entrar na nova historiografia portuguesa”, muito receptiva a “rever os discursos historiográficos associados à ideologia do Estado Novo”. Contudo, ressalva Paula Moura Pinheiro, “a história é uma disciplina dinâmica” e “estão sempre a ser descobertos novos documentos, a fazerem-se cruzamentos de novos dados que até agora não tinham sido cruzados”, dando espaços a novos pontos de vista.
Então, que pontos de vista vamos encontrar nesta nova temporada do Visita Guiada? “Há dois episódios que são claramente muito fruto da historiografia brasileira, porque têm sido áreas que têm sido muito estudadas por eles, que têm a ver exactamente com a escravatura”, revela, sublinhando que, mesmo assim, prefere falar em “historiadores brasileiros”, uma vez que “depois há a nuance de cada autor”. “A própria historiografia brasileira é plural, como a portuguesa. Felizmente, já lá vai o tempo em que havia um discurso unívoco, homogéneo. Hoje não há, os discursos e as leituras são plurais, do lado cá e do lado lá”. E grande parte destes historiadores acaba por ter uma “grande experiência europeia”, entre a formação e a investigação. Em parte, porque é quase obrigatório para os historiadores brasileiros virem a Portugal investigar: a Torre do Tombo. “Do período que coincide com o início daquilo a que vem a chamar-se Brasil, desde a chegada dos portugueses em 1500, grande parte da documentação que existe até finais do XVIII, sobre o próprio Brasil, está aqui na Torre do Tombo”, aponta Paula Moura Pinheiro.
Embora a historiografia e os investigadores de história estejam nesta fase de partilha do conhecimento, a sociedade civil nem sempre acompanha essas trocas e evolução. “E por isso é que este programa pode ser importante”, defende a jornalista. Principalmente, diz, porque “nunca houve tantos brasileiros em Portugal”. “Portanto, neste momento parece-me particularmente relevante que todos, portugueses e brasileiros, ouçam estas leituras da nossa história comum, pelos especialistas, gente com créditos indiscutíveis, porque isso promove o entendimento mútuo. Para lá de lugares comuns, de estereótipos”, explica.
Como sempre, o Visita Guiada é emitido nas noites de quinta-feira e fica também disponível no streaming da RTP Play, onde também é possível aceder a todos os episódios das temporadas anteriores.
Visita Guiada. Estreia a 21 de Abril às 22.50