Por que o cérebro adora padrões? A ciência por trás da previsibilidade no design digital

Como a mente humana percebe padrões e como isso pode transformar a experiência.Parede de azulejos padronizados. (Fonte)O cérebro humano é uma máquina extremamente complexa e cheia de mistérios. Desde os primórdios da nossa espécie nos tornamos animais especialistas em reconhecimento de padrões. Essa habilidade foi essencial para nossa sobrevivência — desde a identificação de rostos familiares, previsão do clima, reconhecimento de ameaças, alimentos. A tendência evolutiva que se seguiu ainda influencia como percebemos o mundo. Em se tratando do universo digital isso é ainda mais evidente.­A ciência dos padrõesDiversos estudos já foram realizados buscando o entendimento relacionado à percepção de padrões. Desde a neurociência, a carga cognitiva e esforço mental, familiaridade e outros aspectos do nosso intelecto que ajudam a entender o por que somos seres identificadores e amantes de padrões.Entre várias argumentações, a Teoria da Gestalt (1910–1922) explica como organizamos os elementos visuais com base em padrões. Alguns dos princípios como proximidade, similaridade e continuidade ajudam o nosso cérebro a estruturar as informações de maneira rápida e lógica.Psicologia e percepções Gestalt. (Fonte)A Fluência Cognitiva (Alter & Oppenheimer, 2009) se relaciona à facilidade com que o nosso cérebro processa as informações. A partir dos padrões previsíveis do design, há uma exigência menor de esforço mental, o que torna a experiência mais agradável e fluida.Um estudo do século XX faz a mesma referência da Fluência Cognitiva no que diz respeito à identificação de padrões. O efeito da mera exposição ou princípio da familiaridade (Zajonc, 1968) sugere que quanto mais vemos algo, mais gostamos daquilo. Trazendo o conceito ao design, padrões familiares geram conforto e confiança.Em 2024, um estudo da Universidade de Coimbra em parceria com a Universidade da Califórnia (Departamento de Neurocirurgia) e o Instituto Karolinska (Departamento de Neurociências) foi a fundo para entender o reconhecimento de padrões e predileções de futuro que fazemos de maneira inconsciente em nosso cérebro. Esse estudo foi publicado na revista Nature.Os participantes do estudo visualizaram uma série de imagens em uma sequência específica, e sem que houvesse nenhuma instrução de memorização ou previsão. Foi identificado que os neurônios do hipocampo e do córtex entorrinal ajustaram gradualmente sua atividade para refletir o padrão, mostrando que o cérebro aprendeu de maneira implícita a estrutura da sequência e construiu um mapa mental de “quando” e “o quê” se seguiria.Leia mais sobre o estudo aqui.Representação do Cérebro humano. (Fonte)Padrões no design de interfacesOk, mas foram relacionados pontos psicológicos e teóricos que trazem resultados interessantes sobre como interagimos com o mundo ao nosso redor. Como esses aspectos se relacionam com o design de interfaces?­Layout previsível = menor esforço cognitivoQuando seguimos uma estrutura lógica facilitamos a vida do usuário. Nielsen em uma de suas heurísticas prevê a importância dos padrões do mundo real nas interfaces: a correspondência entre o sistema e o mundo real.Como correlação, o ícone de salvar um arquivo ainda é (em algumas interfaces) a representação de um disquete. Isso ocorreu pois durante o início da era da computação (a partir dos anos 70 até o começo dos anos 2000), o meio mais comum de armazenar um documento era através de um disquete.Com a obsolescência do disquete e a introdução de novas mídias, há uma discussão para sua substituição. Qual objeto físico ou digital tomará seu lugar?Uso do ícone de disquete para salvar um arquivo. (Fonte)­Consistência tipográfica = melhor escaneabilidadeQuando entendemos a hierarquia visual conseguimos guiar o olhar do usuário entre as sequências da interface. Títulos são comumente grandes e destacados, textos secundários são menores e complementam os espaços e a interpretação. Essa prática reduz a sobrecarga visual.Imagine uma interface onde a fonte tem o mesmo tamanho e peso em todos os textos. Assustador, não?­Repetição de elementos = identidade e coerênciaAo interagir com um site ou aplicativo podemos notar que seus botões são iguais (com poucas variações a depender do contexto de uso), modais possuem a mesma estrutura, assim como cards e outros elementos clicáveis. Os ícones são padronizados, como o uso da lupa para a ação de busca e o carrinho para representar suas compras. Esse histórico já é consolidado, então seguir essas pré definições já é meio caminho andado.Para o design de interfaces digitais, temos como grandes referências a utilização de componentes semelhantes criados em Style Guides ou Design Systems.UI Style Guide — Cupi Wong (Fonte)Alinhamento e grids = ordem e organizaçãoLayouts baseados em grids ajudam a criar uma leitura fluida e estruturada. No design de interfaces já é consolidado o uso da escala de 8px de espaçamento entre elementos, o que ajuda nessa construção.A utilização desse espaçamento regular também evit

Apr 22, 2025 - 13:09
 0
Por que o cérebro adora padrões? A ciência por trás da previsibilidade no design digital

Como a mente humana percebe padrões e como isso pode transformar a experiência.

Parede de azulejos padronizados.
Parede de azulejos padronizados. (Fonte)

O cérebro humano é uma máquina extremamente complexa e cheia de mistérios. Desde os primórdios da nossa espécie nos tornamos animais especialistas em reconhecimento de padrões. Essa habilidade foi essencial para nossa sobrevivência — desde a identificação de rostos familiares, previsão do clima, reconhecimento de ameaças, alimentos. A tendência evolutiva que se seguiu ainda influencia como percebemos o mundo. Em se tratando do universo digital isso é ainda mais evidente.

­

A ciência dos padrões

Diversos estudos já foram realizados buscando o entendimento relacionado à percepção de padrões. Desde a neurociência, a carga cognitiva e esforço mental, familiaridade e outros aspectos do nosso intelecto que ajudam a entender o por que somos seres identificadores e amantes de padrões.

Entre várias argumentações, a Teoria da Gestalt (1910–1922) explica como organizamos os elementos visuais com base em padrões. Alguns dos princípios como proximidade, similaridade e continuidade ajudam o nosso cérebro a estruturar as informações de maneira rápida e lógica.

Psicologia e percepções Gestalt.
Psicologia e percepções Gestalt. (Fonte)

A Fluência Cognitiva (Alter & Oppenheimer, 2009) se relaciona à facilidade com que o nosso cérebro processa as informações. A partir dos padrões previsíveis do design, há uma exigência menor de esforço mental, o que torna a experiência mais agradável e fluida.

Um estudo do século XX faz a mesma referência da Fluência Cognitiva no que diz respeito à identificação de padrões. O efeito da mera exposição ou princípio da familiaridade (Zajonc, 1968) sugere que quanto mais vemos algo, mais gostamos daquilo. Trazendo o conceito ao design, padrões familiares geram conforto e confiança.

Em 2024, um estudo da Universidade de Coimbra em parceria com a Universidade da Califórnia (Departamento de Neurocirurgia) e o Instituto Karolinska (Departamento de Neurociências) foi a fundo para entender o reconhecimento de padrões e predileções de futuro que fazemos de maneira inconsciente em nosso cérebro. Esse estudo foi publicado na revista Nature.

Os participantes do estudo visualizaram uma série de imagens em uma sequência específica, e sem que houvesse nenhuma instrução de memorização ou previsão. Foi identificado que os neurônios do hipocampo e do córtex entorrinal ajustaram gradualmente sua atividade para refletir o padrão, mostrando que o cérebro aprendeu de maneira implícita a estrutura da sequência e construiu um mapa mental de “quando” e “o quê” se seguiria.

Leia mais sobre o estudo aqui.

Imagem representando o cérebro humano.
Representação do Cérebro humano. (Fonte)

Padrões no design de interfaces

Ok, mas foram relacionados pontos psicológicos e teóricos que trazem resultados interessantes sobre como interagimos com o mundo ao nosso redor. Como esses aspectos se relacionam com o design de interfaces?

­

Layout previsível = menor esforço cognitivo

Quando seguimos uma estrutura lógica facilitamos a vida do usuário. Nielsen em uma de suas heurísticas prevê a importância dos padrões do mundo real nas interfaces: a correspondência entre o sistema e o mundo real.

Como correlação, o ícone de salvar um arquivo ainda é (em algumas interfaces) a representação de um disquete. Isso ocorreu pois durante o início da era da computação (a partir dos anos 70 até o começo dos anos 2000), o meio mais comum de armazenar um documento era através de um disquete.

Com a obsolescência do disquete e a introdução de novas mídias, há uma discussão para sua substituição. Qual objeto físico ou digital tomará seu lugar?

Imagem de um disquete e a sua representação em forma de ícone de salvar um arquivo.
Uso do ícone de disquete para salvar um arquivo. (Fonte)

­

Consistência tipográfica = melhor escaneabilidade

Quando entendemos a hierarquia visual conseguimos guiar o olhar do usuário entre as sequências da interface. Títulos são comumente grandes e destacados, textos secundários são menores e complementam os espaços e a interpretação. Essa prática reduz a sobrecarga visual.

Imagine uma interface onde a fonte tem o mesmo tamanho e peso em todos os textos. Assustador, não?

­

Repetição de elementos = identidade e coerência

Ao interagir com um site ou aplicativo podemos notar que seus botões são iguais (com poucas variações a depender do contexto de uso), modais possuem a mesma estrutura, assim como cards e outros elementos clicáveis. Os ícones são padronizados, como o uso da lupa para a ação de busca e o carrinho para representar suas compras. Esse histórico já é consolidado, então seguir essas pré definições já é meio caminho andado.

Para o design de interfaces digitais, temos como grandes referências a utilização de componentes semelhantes criados em Style Guides ou Design Systems.

Imagem de um Style Guide de interface digital.
UI Style Guide — Cupi Wong (Fonte)

Alinhamento e grids = ordem e organização

Layouts baseados em grids ajudam a criar uma leitura fluida e estruturada. No design de interfaces já é consolidado o uso da escala de 8px de espaçamento entre elementos, o que ajuda nessa construção.

A utilização desse espaçamento regular também evita a poluição visual e simplifica o entendimento. No meu último artigo relacionei a importância da utilização correta desse espaçamento e trouxe à discussão o espaço em branco nas interfaces digitais. Leia aqui.

Como reflexão, por que as redes sociais seguem layouts semelhantes? A forma de rolagem do feed, botões de curtir e comentários sempre são posicionados em lugares-comuns. Essa prática evita que o usuário precise reaprender a interface cada vez que a usa e segue uma estrutura comum desse produto digital.

­

O excesso de padrões… Monotonia

Cachorro deitado no chão com expressão de tédio/monotonia.
Cachorro entediado. (Fonte)
Então que se crie um padrão e sigam ele! Sempre!

Não é bem assim… Como experiência em um produto digital o excesso de padrões gera a monotonia. A previsibilidade pode gerar o desinteresse e a ausência de uma personalização pode tornar a interface “fria” ou impessoal.

Interfaces genéricas e sem personalidade: Diversos sites e aplicativos seguem tantos padrões que esquecem de sua própria identidade. Isso deixa a experiência igual aos concorrentes, o que não cativa os usuários.

Falta de engajamento: Seguir o beabá e não criar uma identidade afasta os usuários a partir do momento em que não gera surpresa nem curiosidade.

­

Beleza, eu sigo o padrão ou crio o meu?

Manter as estruturas e elementos familiares reduz o esforço cognitivo, isso está mais do que provado. Em consequência podemos surpreender o usuário com elementos inesperados que geram engajamento e não quebrem essas estruturas. Aí que mora o desafio.

A resposta para a pergunta sempre será o equilíbrio.

Como designers de experiência do usuário o nosso objetivo será tornar a jornada fluida e agradável, por isso precisamos equilibrar o uso de padrões com a identidade do produto que estamos desenvolvendo, além de sempre (sempre mesmo) considerar o nosso público-alvo e o contexto de uso.

A única regra é: Não há regras!

O segredo de um bom design não é apenas seguir os padrões e dançar conforme a música toca. Mesclá-los com quebras estratégicas é um grande trunfo que garantiu o sucesso de inúmeros produtos no mercado digital.

Utilize-se de padrões para reduzir o esforço cognitivo, quebre-os quando entender (e comprovar) a necessidade estratégica e sempre construa de maneira visualmente clara a hierarquia da interface para guiar o usuário intuitivamente.

Testes e mais testes. Entenda como seus usuários reagem aos padrões da interface. Questione-os e consulte-os para entender os seus padrões de uso.

Lembre-se que todos somos seres especialistas em padrões. Quando um design respeita o modo como o cérebro processa as informações, ele se torna natural, eficiente e emocionalmente envolvente.

Homem utilizando o celular.
Usando o celular de maneira natural. (Fonte)

Referências e leituras relacionadas

Abaixo algumas leituras realizadas para a elaboração deste artigo. Um conteúdo vasto que trás influências da psicologia, reflexões e (é claro) UX e UI Design.


Por que o cérebro adora padrões? A ciência por trás da previsibilidade no design digital was originally published in UX Collective