Ser uma profissional de alta performance não me salvou de um layoff
A tempestade perfeita que culminou em meu desligamento depois de anos de dedicação a uma multinacional.Imagem que coloquei no LinkedIn ironizando o meu novo status de desempregadaMinha intenção era seguir com a minha vida e procurar um novo trabalho sem pensar muito. Contudo, tenho uma coisa mal digerida que se chama luto. Depois de esfriar a cabeça, ainda sinto que tenho sentimentos para processar. Talvez uma mágoa que veio se construindo muito antes da minha saída. Nesse artigo, eu abro meu coração, conto minhas revezes ao longo do caminho e como fiz para sobreviver à “tempestade perfeita”.Tristeza. Culpa. Ressentimento. No começo, é tudo vívido e pulsante. Você vai parando de pensar no passado, foca em outras coisas e deixa os dias passarem. Por fora, os sentimentos podem estar se dissipando, mas na verdade, eles estão penetrando nas células. No cérebro. No subconsciente. Depois de um mês, dois meses, vira uma apatia. Você, de repente, não sabe porque se sente indiferente. Um novo trabalho parece uma realidade distante. Qualquer ação que lhe coloca na posição de pedir ajuda, sente que não é uma pessoa boa o suficiente. Essa sensação vai corroendo um pouquinho a cada dia.Para mim, as melhores terapias que existem são falar com pessoas próximas e escrever. Essas são duas coisas importantíssimas para lidar com meus sentimentos. Depois de um acontecimento marcante, cada vez que repassamos os acontecimentos na cabeça, os sentimentos se intensificam. Quando são sentimentos angustiantes, que nos machucam, tudo que queremos é que passe logo. Apesar disso, quando se trata de sentimento, quanto mais a gente evita, mais ele se fortalece. Enxaquecas, constipação, fadiga… são algumas das manifestações físicas que tive causadas por sentimentos não processados.Com esse texto, pretendo exorcizar tudo o que ainda me liga ao passado do qual quero me libertar. Fechar a tampa do caixão. Pega um café e me acompanhe nessa confissão digna de divã.O furacãoLembro ainda como se fosse há poucos dias. Era início da tarde e eu estava prestes a entrar na minha reunião de alinhamento com a minha gestora (e mentora). Remarcamos, porque ela estava com a agenda cheia durante a manhã. Eu entrei na reunião e fiquei esperando por uns cinco minutos, quando ela mandou um chat dizendo que iria se atrasar. Respondi que não teria problema, que esperaria. Aguardei mais alguns minutos.Foi quando recebi uma chamada para entrar em outra reunião. Naquele momento eu gelei. Meu coração disparou.Aceitei a chamada e abriu uma sala com minhas duas gestoras diretas e mais outra mulher. Na hora pensei: “vou ser demitida”. A mulher em questão era do RH. Nunca tinha visto ela na minha vida. Ela se apresentou e disse estarem esperando a folha de pagamento da quinzena fechar para poder me dar a notícia. Eles queriam esperar caso eu conseguisse um projeto novo. O que não aconteceu, obviamente.O dia do desligamento foi na primeira quinzena de fevereiro. E meu último projeto de cliente — o cliente que paga o salário, diga-se de passagem — encerrou uns três meses antes. Sem contar os dias de férias que tirei no início do ano.A pessoa do RH, na reunião de desligamento, explicou a situação da empresa. Enquanto estivesse sem projeto eu seria um custo. Eu e todas as pessoas a partir de certo período sem alocação não teriam como continuar empregadas, de acordo com essa nova política. Não importando o nível do cargo. Esses desligamentos vinham acontecendo há cerca de dois anos.A colaboradora do RH passou a palavra para as gestoras, uma de cada vez, as quais deixaram bem claro que a demissão não tinha nada a ver com a minha performance. O que deu para perceber na conversa foi que a minha demissão era parte de uma decisão que veio do alto escalão da empresa. Elas não tinham mais o que fazer, já haviam tentado tudo o que estava ao seu alcance para me conseguir uma alocação.Enquanto minhas gestoras falavam, as lágrimas escorriam do meu rosto. Parecia uma cachoeira. Não consegui me conter. Coloquei ali toda a frustração que eu vinha sentindo pelas mudanças de postura, políticas e cultura que a empresa sofreu desde que a pandemia acabou.As gestoras perguntaram se eu queria dizer algo antes delas saírem da reunião, porque eu iria continuar com a RH para receber as orientações burocráticas.Nesse momento, eu pensei se falava alguma coisa. Estava com a garganta entalada. No entanto, também sabia que falar no calor da emoção não era a coisa mais sábia a se fazer, já que não queria colocar o peso da minha decepção em cima delas. Elas fizeram tudo o que poderiam ter feito. Era com a empresa que eu estava magoada.Na hora só consegui dizer que pensei em falar muita coisa, mas que achava que a empresa não merecia meu feedback. Afinal, nada do que eu dissesse iria mudar alguma coisa.Perguntei se poderia deixar uma mensagem de despedida para os meus colegas, uma vez que nunca havia visto ninguém que era desligado fazer isso. Achei até que era um procedimento da empresa evitar esse tipo

A tempestade perfeita que culminou em meu desligamento depois de anos de dedicação a uma multinacional.

Minha intenção era seguir com a minha vida e procurar um novo trabalho sem pensar muito. Contudo, tenho uma coisa mal digerida que se chama luto. Depois de esfriar a cabeça, ainda sinto que tenho sentimentos para processar. Talvez uma mágoa que veio se construindo muito antes da minha saída. Nesse artigo, eu abro meu coração, conto minhas revezes ao longo do caminho e como fiz para sobreviver à “tempestade perfeita”.
Tristeza. Culpa. Ressentimento. No começo, é tudo vívido e pulsante. Você vai parando de pensar no passado, foca em outras coisas e deixa os dias passarem. Por fora, os sentimentos podem estar se dissipando, mas na verdade, eles estão penetrando nas células. No cérebro. No subconsciente. Depois de um mês, dois meses, vira uma apatia. Você, de repente, não sabe porque se sente indiferente. Um novo trabalho parece uma realidade distante. Qualquer ação que lhe coloca na posição de pedir ajuda, sente que não é uma pessoa boa o suficiente. Essa sensação vai corroendo um pouquinho a cada dia.
Para mim, as melhores terapias que existem são falar com pessoas próximas e escrever. Essas são duas coisas importantíssimas para lidar com meus sentimentos. Depois de um acontecimento marcante, cada vez que repassamos os acontecimentos na cabeça, os sentimentos se intensificam. Quando são sentimentos angustiantes, que nos machucam, tudo que queremos é que passe logo. Apesar disso, quando se trata de sentimento, quanto mais a gente evita, mais ele se fortalece. Enxaquecas, constipação, fadiga… são algumas das manifestações físicas que tive causadas por sentimentos não processados.
Com esse texto, pretendo exorcizar tudo o que ainda me liga ao passado do qual quero me libertar. Fechar a tampa do caixão. Pega um café e me acompanhe nessa confissão digna de divã.
O furacão
Lembro ainda como se fosse há poucos dias. Era início da tarde e eu estava prestes a entrar na minha reunião de alinhamento com a minha gestora (e mentora). Remarcamos, porque ela estava com a agenda cheia durante a manhã. Eu entrei na reunião e fiquei esperando por uns cinco minutos, quando ela mandou um chat dizendo que iria se atrasar. Respondi que não teria problema, que esperaria. Aguardei mais alguns minutos.
Foi quando recebi uma chamada para entrar em outra reunião. Naquele momento eu gelei. Meu coração disparou.
Aceitei a chamada e abriu uma sala com minhas duas gestoras diretas e mais outra mulher. Na hora pensei: “vou ser demitida”. A mulher em questão era do RH. Nunca tinha visto ela na minha vida. Ela se apresentou e disse estarem esperando a folha de pagamento da quinzena fechar para poder me dar a notícia. Eles queriam esperar caso eu conseguisse um projeto novo. O que não aconteceu, obviamente.
O dia do desligamento foi na primeira quinzena de fevereiro. E meu último projeto de cliente — o cliente que paga o salário, diga-se de passagem — encerrou uns três meses antes. Sem contar os dias de férias que tirei no início do ano.
A pessoa do RH, na reunião de desligamento, explicou a situação da empresa. Enquanto estivesse sem projeto eu seria um custo. Eu e todas as pessoas a partir de certo período sem alocação não teriam como continuar empregadas, de acordo com essa nova política. Não importando o nível do cargo. Esses desligamentos vinham acontecendo há cerca de dois anos.
A colaboradora do RH passou a palavra para as gestoras, uma de cada vez, as quais deixaram bem claro que a demissão não tinha nada a ver com a minha performance. O que deu para perceber na conversa foi que a minha demissão era parte de uma decisão que veio do alto escalão da empresa. Elas não tinham mais o que fazer, já haviam tentado tudo o que estava ao seu alcance para me conseguir uma alocação.
Enquanto minhas gestoras falavam, as lágrimas escorriam do meu rosto. Parecia uma cachoeira. Não consegui me conter. Coloquei ali toda a frustração que eu vinha sentindo pelas mudanças de postura, políticas e cultura que a empresa sofreu desde que a pandemia acabou.
As gestoras perguntaram se eu queria dizer algo antes delas saírem da reunião, porque eu iria continuar com a RH para receber as orientações burocráticas.
Nesse momento, eu pensei se falava alguma coisa. Estava com a garganta entalada. No entanto, também sabia que falar no calor da emoção não era a coisa mais sábia a se fazer, já que não queria colocar o peso da minha decepção em cima delas. Elas fizeram tudo o que poderiam ter feito. Era com a empresa que eu estava magoada.
Na hora só consegui dizer que pensei em falar muita coisa, mas que achava que a empresa não merecia meu feedback. Afinal, nada do que eu dissesse iria mudar alguma coisa.
Perguntei se poderia deixar uma mensagem de despedida para os meus colegas, uma vez que nunca havia visto ninguém que era desligado fazer isso. Achei até que era um procedimento da empresa evitar esse tipo de comunicação. No entanto, minha gestora disse que isso foi escolha de cada um e que eu tinha a liberdade para me despedir, se essa fosse a minha vontade. Fiquei aliviada. Pelo menos vou conseguir deixar as coisas transparentes, pensei.
Ver colegas meus sumirem me deixava sempre desolada, como alguém que trabalhou perto de você por anos simplesmente some? Entendo que a gente (que é dispensado) fica com vergonha, se sente um lixo. Entretanto, para quem continua na empresa, é algo confuso. E nunca, ao menos à maioria do time, alguém veio dar uma explicação após a saída não voluntária de alguém. Pensei que eu devia essa explicação pros meus novos ex-colegas. Disse para as minhas gestoras que assim que eu deixasse a reunião iria me despedir de uma forma apropriada.
Elas saíram da reunião e eu continuei com a RH. Ela me explicou toda a burocracia que teria a partir dali até a formalização do desligamento. Encerrada a reunião, enxuguei minhas lágrimas, escrevi uma mensagem de despedida e enviei pro o chat do time de designers e por e-mail. O que tive de resposta foram algumas reações e respostas de boa sorte. E foi isso. Anos de comprometimento acabaram assim. Foi muito triste.
Nas próximas horas, limpei meus arquivos e desliguei o computador (da empresa) que tive que devolver na semana seguinte. Nesse meio tempo, fui pensando em tudo, como se fosse um filme na minha cabeça.
A formação das nuvens
Quem viu a minha promoção de sênior para especialista, com um ano de “casa”, não acreditaria no fim que minha carreira na empresa levou. Eu estava feliz, vendo o reconhecimento do fruto do meu trabalho. A área da tecnologia estava a todo vapor.
Nosso time cresceu cerca de 25% nesse período. Cheguei a fazer duas viagens de pesquisa de campo naquele ano. Me mudei para um apartamento alugado na capital (Porto Alegre). Sonhos meus estavam se tornando realidade.
Contudo, com o fim da política home-office iniciado na pandemia, as coisas começaram a mudar. Cada vez mais reuniões online se tornaram workshops e almoços nos escritórios. Com exceção minha e de mais uma meia dúzia que morava longe das bases. Eu me sentia mais e mais deslocada a cada vez que lia nos chats os “presenciais” combinarem almoços e happy hours no grupo. Cada vez que faziam reuniões e palestras nos escritórios com direito a café da tarde. Aos que acompanhavam de forma online, nenhum cupomzinho do Ifood? Uma pena.
Sentia que cada situação dessas ia me corroendo por dentro. Passei meses quieta em relação a isso. Até respondi a alguns formulários de feedback do RH, sem nenhum retorno. Cheguei a conversar com a minha gestora sobre como isso me incomodava. Alguns colegas chegaram a fazer pequenas ações, como mandar mensagens de felicitações no chat do grupo.