Faixa a faixa: Marcela Lucatelli apresenta “Coisa Má”, debute pop com colaborações de Kiko Dinucci, Cadu Tenório e Romulo Fróes

Descrita pela The Wire como uma compositora de “partituras para os limites dos corpos e da voz”, Lucatelli lança seu primeiro álbum inteiramente em português, um disco cujos parceiros envolvidos dão uma pista do que o play trará no som...

May 13, 2025 - 04:15
 0
Faixa a faixa: Marcela Lucatelli apresenta “Coisa Má”, debute pop com colaborações de Kiko Dinucci, Cadu Tenório e Romulo Fróes

por Marcelo Costa
faixa a faixa de Marcela Lucatelli

Após duas décadas na cena da música contemporânea de vanguarda na Europa, a compositora e performer Marcela Lucatelli apresenta “Coisa Má” (2025), seu primeiro álbum inteiramente em português, um disco cujos parceiros envolvidos dão uma pista do que o play trará no som: Kiko Dinucci (samples e violão), Romulo Fróes (autor das melodias de três faixas e voz em uma delas), Cadu Tenório (arranjo) e Lello Bezerra (arranjo) auxiliam Marcela, que assina a produção, na (des)construção de batidas densas, texturas eletrônicas e vocais sobrepostos.

“Assinar a produção foi uma decisão muito importante pra mim”, revela Lucatelli. “Mesmo sabendo que existem várias mulheres incríveis produzindo, ainda é raro ver nossos nomes com destaque nesse papel — especialmente nos circuitos por onde transito. Eu mesma quase não conheço outras”, completa. “Coisa Má” foi mixado por Gustavo Lenza, masterizado por Felipe Tichauer e lançado de forma independente, com apoio simbólico do selo escandinavo Abstract Tits. O desejo de compor em português surgiu após anos elaborando vivências em outras línguas. A ideia tomou forma em um sonho — que levou Lucatelli a buscar Romulo Fróes, parceiro em três faixas do disco.

Descrita pela The Wire como uma compositora de “partituras para os limites dos corpos e da voz”, Lucatelli se estabeleceu em Copenhage em 2005, e teve obras interpretadas pela Orquestra Sinfônica Nacional da Dinamarca, o Ensemble Vocal Nacional da Dinamarca e o Neue Vocalsolisten Stuttgart, além de ser reconhecida com os prêmios Carl Nielsen and Anne Marie Carl-Nielsen Talent Prize (2019), o Pelle Prize (2021) e o Danish Music Awards de 2023, na categoria Vocal Jazz Release of the Year. Abaixo, Marcela comenta seu disco de pop ritualístico faixa a faixa.

FAIXA A FAIXA: “Coisa Má”, por Marcela Lucatelli

01) CHIMPANZÉS – “Chimpanzés” mergulha em um universo surreal, onde a vida cotidiana se mistura ao absurdo e à crítica social. A canção explora a alienação humana e a luta contra a conformidade, com metáforas intensas e imagens vívidas — como chimpanzés em situações urbanas e uma misteriosa senhora curandeira — evocando humor e inquietação.


02) ANTICIVILIZADOR – Com tom provocativo e instigante, “Anticivilizador” questiona as normas sociais e o valor do amor e da civilização. A faixa brinca com a ideia de desobediência e desilusão, explorando o contraste entre o idealizado e o real. A música desafia o ouvinte a refletir sobre as ilusões de nossas estruturas sociais e a resistência a se submeter a um sistema que não oferece respostas claras. Segundo clipe de uma trilogia audiovisual ao lado de “Janeiro Junto é Bom”  e “Coisa Má”.


03) COISA MÁ – “Coisa Má” é uma provocação sobre os desejos e as contradições da vida moderna. A faixa expõe o vazio que muitas vezes se esconde por trás de nossas ações cotidianas, enquanto a voz da letra aponta para a superficialidade de uma busca insaciável por satisfação. A música é uma crítica ácida e, ao mesmo tempo, uma introspecção sobre as armadilhas emocionais que nos aprisionam.


04) À BRASILEIRA – “À Brasileira” é uma canção que mistura ironia, humor e uma crítica social disfarçada de leveza. Com uma sonoridade que remete à identidade brasileira, a música brinca com temas como o controle, a obsessão por poder e a busca pelo pertencimento. A letra é cheia de trocadilhos, contrastes e uma reflexão sobre as expectativas e ilusões que cercam a vida cotidiana.


05) JANEIRO JUNTO É BOM – “Janeiro Junto é Bom” explora as diferentes fases do amor e do tempo. Com referências a estações e sentimentos, a faixa reflete sobre os altos e baixos emocionais que surgem ao longo do ano, utilizando a metáfora dos meses para descrever transições na vida e nos relacionamentos. A música captura a imprevisibilidade dos sentimentos humanos e brinca com o impacto do tempo nas relações pessoais. Primeiro clipe de uma trilogia audiovisual ao lado de “Anticivilizador”  e “Coisa Má” (a ser lançado).


06) TARDE À TOA – “Tarde à Toa” apresenta uma visão poética e observadora da rotina, onde a calma da tarde e a imensidão do mar se entrelaçam. A letra sugere uma jornada de autoconhecimento e busca, movendo-se por um espaço entre a consciência e a abstração. A canção provoca uma sensação de tranquilidade misturada com potência de vida, convidando o ouvinte a se perder em suas próprias percepções.


07) ENCHENTE – “Enchente” fala sobre a fragilidade da linguagem e da comunicação, ao mesmo tempo em que invoca a água como elemento purificador e transformador. A música também é uma reflexão sobre a perda de identidade e a incapacidade de se conectar de forma genuína em um mundo cada vez mais dilacerado pela falta de sentido. O tema da enchente, com sua força destrutiva e renovadora, simboliza tanto a resignação quanto a esperança de renascimento.


08) TERRA À VISTA – “Terra à Vista” trata da busca incessante por um propósito e da reflexão sobre o destino e a existência. Com uma forte sensação de transição e separação, a canção explora o conflito entre a busca por significado e a inevitabilidade da perda e do distanciamento. A música transmite uma sensação de movimento e transformação, representando a luta interna entre a necessidade de sentido e o reconhecimento da impermanência.


09) QUEBRADEIRA – “Quebradeira” é uma música que celebra a irreverência e a energia da dança e da festa, com um toque de magia e mistério. A canção brinca com imagens de rituais e personagens místicos, como a cobra feiticeira e Exu-Caveira, enquanto convoca a ideia de quebrar barreiras e se entregar à experiência sensorial. É uma explosão de ritmo e cultura popular, com forte mensagem de resistência e celebração da liberdade — uma experiência transformadora através da quebradeira, da diversão e do sincretismo.


10) CONVITES ESPALHADOS – “Convites Espalhados” explora o conceito de transformação e espiritualidade, com uma linguagem ritualística e profunda. A música fala sobre a relação entre o humano e o sobrenatural, onde elementos do cotidiano e da natureza se misturam para criar um espaço de reverência e transcendência. A canção cria uma atmosfera de misticismo, convidando o ouvinte a repensar a conexão entre o físico e o espiritual, a busca por algo sagrado e o desmoronamento das construções internas e externas.


11) NADA NUNCA SÓ NÓS – “Nada Nunca Só Nós” é uma faixa que joga com a dúvida e a incerteza dos relacionamentos e da existência. A música fala sobre o desejo de explorar, perguntar e questionar a vida, o amor e o tempo, destacando a dualidade entre o instinto e a razão. Com melancolia introspectiva e uma melodia envolvente, reflete sobre a complexidade das relações humanas e a busca por respostas em um mundo cheio de contradições — enquanto afirma que, no fim, nada é verdadeiramente só nosso.

Fotos de Ana Alexandrino / Divulgação

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.