Scream & Yell recomenda: Conheça o Kabeça Cheia, um projeto musical entre a ansiedade e o (des)embaraço musical

José Victor Barroso conta sobre suas ideias, como foi o processo de criação de "Kabeça Cheia”, além das delícias e as dores de assumir praticamente todo o controle sobre seu projeto.

Apr 30, 2025 - 18:16
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Scream & Yell recomenda: Conheça o Kabeça Cheia, um projeto musical entre a ansiedade e o (des)embaraço musical

entrevista de Alexandre Lopes

“Os dias não são mais tão legais assim / É a pressão que boto sobre mim.” Essas palavras da canção “Nublado” capturam um pouco do que passa pela mente de José Victor Barroso, o criador do projeto Kabeça Cheia. Masterizado por Lauiz Martins (da banda Pelados) e lançado em outubro de 2024, o álbum vai além de uma simples coleção de boas músicas: é uma expressão pessoal e obstinada de um jovem nas casas iniciais dos vinte anos, que mistura psicodelia, MPB, indie e experimentação sonora. O título também funciona como uma tradução direta da turbulência que permeia sua criação, simbolizando a luta constante contra o perfeccionismo e a ansiedade, em busca de algum autoconhecimento e realização.

Sonoramente falando, o Kabeça Cheia é um convite para uma viagem que mistura influências de nomes como King Krule, Radiohead, Mac DeMarco e Sophia Chablau E Uma Enorme Perda de Tempo, entre outros que podem estar contidos nessa amálgama. As faixas do álbum variam do rock psicodélico de “Sobcontrole” às bases eletrônicas de “Sentimentos Selvagens”, passando ao samba-canção em “[Des] Embaraçando”, combinando momentos introspectivos com experimentações porra-loucas gravadas em um home studio curiosamente apelidado de “Bebê Chorão”.

Esse trabalho é fruto de quatro anos de dedicação autodidata, durante os quais Barroso aprendeu sozinho sobre produção, mixagem, masterização e como lançar seu álbum nas plataformas digitais. “Foi quase uma faculdade”, brinca José Victor sobre o processo todo. Inicialmente pensado como um EP, o projeto se transformou em disco cheio durante sua produção, moldado por uma certa ambição e refinamento, que incluiu várias versões das mesmas canções. No entanto, essa busca pela perfeição não impediu José de adotar uma atitude punk em sua concepção. “Aprendi as regras e depois aprendi a falar foda-se para isso, fazer da forma que eu quero”, conta.

O lançamento também foi inteiramente independente, sem o suporte de um selo ou grandes recursos financeiros. José precisou aprender, na prática, como registrar suas músicas, lidar com distribuidoras e garantir seus direitos autorais. “Eu queria um selo ou ajuda de alguém, mas eu não tenho contatos nesse meio. O lançamento saiu de forma independente por conta disso, porque pensava que se não fosse assim, poderia nunca sair”, diz ele, com uma mistura de orgulho e alívio na voz.

Kabeça Cheia vai além da música e se estende também ao trabalho audiovisual de José Victor, que esteve diretamente envolvido na direção dos videoclipes de “Sonhando Acordado” e “Pensadimais” (que você poderá no decorrer da conversa). Outros projetos visuais, como um filme baseado no show de lançamento, estão por vir. Embora o projeto seja essencialmente solo, José conta com uma banda ao vivo que ajuda a materializar suas ideias no palco. “É um projeto pessoal, mas com o suporte de músicos ao vivo”, explica.

Em entrevista ao Scream & Yell, José compartilhou mais sobre suas ideias, como foi o processo de criação de “Kabeça Cheia”, além das delícias e as dores de assumir praticamente todo o controle sobre seu projeto. Esta entrevista também é um convite para explorar os altos e baixos de sua experiência pessoal e servir de exemplo para que muitos percebam que “não estão fodidos sozinhos”. Como ele mesmo diz nos créditos do álbum: “Não deixe sua cabeça ficar cheia”.

Por acaso você está no Estúdio Bebê Chorão agora? De onde saiu esse nome?
Tô sim! (risos). Cara, é uma história meio longa. Eu sou formado em cinema e fiz um filme-carta para minha mãe, que se chama “Bebê Chorão”. Acho que saiu em 2022, meu último ano de faculdade. Ele é basicamente sobre mim e até tem a ver com Kabeça Cheia, porque foi um filme que fiz para assegurar pra minha mãe que estava tudo bem e tudo mais. Kabeça Cheia também vem dessa ideia, de cabeça cheia de pensamento, sentimento e várias coisas que eu queria botar para fora. E aí “Bebê Chorão” veio desse filme, porque precisava de um nome para gravar em casa. Coisas do álbum em si eu não gravei aqui onde estou, porque nessa casa eu moro com meus pais faz pouco tempo, mas os ensaios e novas produções são aqui.

Além do filme “Bebê Chorão” você fez outras coisas no meio audiovisual?
Eu diria que de projeto autoral em cinema, esse é o único que gostei mesmo de fazer. Foi um filme documentário curto, de uns sete minutos. Lembro que fiz por conta de uma oficina no CCSP (Centro Cultural São Paulo) para a matéria de um professor que eu tive, aí acho que passou um mês em exposição lá, depois passou no cinema de lá numa exibição especial e depois mandei para um festival no Rio de Janeiro. Mas tem também os clipes do Kabeça Cheia que eu dirijo, roteirizo e faço com a ajuda de amigos. Normalmente eu trabalho com edição, com trilha sonora, desenho de som, mixagem, aí fico mais por trás nos projetos dos outros, mas quando é algo meu, gosto de dirigir e roteirizar.

E quando você começou a montar as coisas aí no lugar atual onde você mora?
Acho que faz um ano. Sempre gostei dessa coisa meio “do it yourself” e produzi as coisas sozinho no quarto. Agora comecei a ensaiar aqui e também produzi um artista amigo meu, Gasolina Comum. Gravei a voz dele, fiz os beats e vai sair ainda esse ano.

Procurando por “Kabeça Cheia”no google, cheguei num site chamado Vinyl Me Please com um texto que parece gerado por Inteligência Artificial (Nota do editor: tempos depois da entrevista, o texto no site sofreu algumas alterações misteriosas). Ali diz que seu som tem rock psicodélico, jazz, bossa nova e indie rock. Você concorda?
Sério? Nem sabia que tinha algo assim! (risos) Mas concordo sim. Acho que a ideia do Kabeça Cheia é meio que priorizar a composição, mas não em cima de um rótulo. Eu gosto que no mesmo álbum tenha várias coisas diferentes, até porque senão fica meio chato de tocar e ouvir. Eu gosto bastante dessa diversidade porque escuto bastante coisa e os principais artistas que tenho como referência brincam bastante com isso. Então tem tudo isso que você falou.

Mas você diria que o que faz é rock, alternativo, punk ou teria alguma aversão a termos?
Olha, eu gosto e faço rock. Tem uma coisa sobre o punk ultimamente, que hoje em dia a noção de punk é muito distorcida. Porque o que o punk defendia e o que ele lutava contra antes, meio que foi o que ele se tornou, sabe? Vejo muito punk em outras coisas, no jazz, no funk. Acho que é mais uma questão de mentalidade e energia. Acho que você vai num show e aquela coisa de você ficar arrepiado e querer gritar é muito uma parada do rock. Mas não ligo muito assim para rótulos; quando me perguntam que tipo de som eu faço, digo “rock alternativo” mas tem muito mais do que só isso, sabe? Mas entendo que, para as pessoas entenderem, tem que dar rótulo para as coisas. Só não fico muito apegado a isso. O rock em si já morreu e tá revivendo, sempre tem um ciclo. Tipo o grunge, que agora está vindo forte e os emos, que todo mundo dizia que estava morto, e vem forte de novo, só que atualizado. E essas coisas sempre tiveram ali, então eu acho meio difícil esses papos. Dá para se perder muito fácil nisso.

Entre as suas influências tem King Krule, Radiohead e a Sophia Chablau. Ouvindo o disco, enxergo outras coisas diluídas no meio, talvez um pouco do Wavves, principalmente na “Sentimentos Selvagens”. Você concorda?
Wavves? Não conheço! Fiquei curioso. Mas acho que tem muito de Mac DeMarco, Beatles também. Na primeira música, “Pensadimais”, eu acho que copiei os Beatles (risos). Tem bastante d’O Terno, de forma não tão assim na cara, mas eu gosto bastante do Tim Bernardes. Muita coisa que eu fiz veio de tentar copiar alguma coisa e não sair certo, mas acabou saindo uma coisa nova. O Mac DeMarco falava isso: de querer fazer uma música e não sair como ele queria, daí virava a coisa dele. Muitas músicas desse álbum e outras que não entraram nele vieram disso. Eu pego muito referência de artista ou banda que faz tudo meio que sozinho, trancado em casa. Mas cada vez que eu converso com alguém sobre o álbum, me dão uma referência de algo que eu falo “nossa, faz sentido”. O Lauiz, que masterizou o disco, me falou que pegou muita referência do Tame Impala e fui escutar mais a banda e falei “tem muito a ver”. Então eu não sei, acaba sendo muita coisa ao mesmo tempo. Eu espero que tenha ficado de forma coesa, pois essa era minha maior preocupação.

Escutando o disco também me veio um pouco da psicodelia do Júpiter Maçã e a fase anos 90 do Flaming Lips, quando eles eram mais chapadões e debochados.
Já me falaram isso do Júpiter Maçã também! Mas foi muito sem querer. Flaming Lips acho que eu nunca escutei direito. Só sei que tem coisas bem legais assim, mas enfim…

O projeto começou no início dos anos 2020 só que o disco saiu em outubro de 2024. O que você fez durante esse período?
Escrevi muita música. E eu não sabia nada; tudo que eu sei de música foi através da internet, estudando sozinho. Eu diria que esse álbum “Kabeça Cheia” foi quase uma faculdade… Levou quatro anos para fazer (risos). Foi quando aprendi a compor, mixar, produzir… Aprendi as regras e depois aprendi a falar foda-se para isso, fazer da forma que eu quero. É engraçado, eu estava pensando antes da entrevista sobre o que eu iria falar, mas a única coisa que vinha na minha cabeça era “eu não aguento mais esse álbum, eu quero falar sobre o próximo” (risos). Tem músicas desses quatro anos que não entraram e deixei engavetadas, que venho aperfeiçoando, porque pensei “eu preciso focar para lançar esse álbum, para finalizar essas coisas”. Então tem coisas que fiz nessa época que não gosto tanto assim, mas que de uma forma ainda tenho um apreço. E quando as pessoas dizem que gostaram do álbum, que ressoam com elas, é uma coisa que me deixa feliz. Meio que comecei a fazer música por causa desse sentimento. Me sinto abraçado pelos artistas que gosto através da música. Já chorei muito escutando música no meu quarto. Sou uma pessoa bem sentimental, bem com a cabeça cheia. Daí seria o lema para as pessoas que estão na mesma situação, precisando desabafar: escutar o álbum e pensar “você não tá fodido sozinho”, sabe? E eu falo “é isso, tamo junto”. Está todo mundo na mesma merda, sabe? (risos). Essa é a mensagem das músicas e dos meus projetos artísticos em geral.

Quando você pensou no nome Kabeça Cheia foi nesse sentido também?
É um nome que meu pai usou na faculdade dele, Kabeça Xeia Produções, mas com X. Eu já tentei vários nomes artísticos e eu nunca gostei da ideia de colocar meu nome, porque queria uma persona e os artistas que gosto também fazem isso. E eu gostava bastante da ideia de ser cabeça com K por conta do K do King Krule. E aí adotei o nome Kabeça Cheia. Acho que bateu depois que comecei a criar esse conceito de ser uma persona de cabeça cheia de sentimentos, tudo à flor da pele e de querer extravasar. Se você parar para pensar tem muito grito nas gravações das músicas, e é também um momento quase de terapia. Então o nome veio disso.

Vi que tem o clipe de “Sonhando Acordado”, achei bem bonito. Como foi fazê-lo?
Foi uma doideira, porque eu estava bem frustrado com o audiovisual na época da faculdade. Tentei fazer projetos pessoais com grupos e não deu certo, aí parei de tentar. Mas conheci um grupo de amigos muito forte e a gente começou esse coletivo, o Teleharmônico, e esse foi o primeiro projeto que consegui roteirizar e dirigir da forma que queria e seguir isso até o final com gente que acreditasse na ideia e não ficasse só brigando sobre as coisas. E foi super legal, gosto bastante dele. Ele começou a ser feito logo depois da pandemia, na retomada. E a gente só terminou em 2024. Tem uma parte no início, antes da música começar, com um mosaico que é uma viagem no tempo, porque mostra coisas da época atual, e depois vem as imagens gravadas em 2022, meio que contextualizando.

Você pretende lançar mais algum clipe desse disco?
Já saiu o segundo, de “Pensadimais” e tenho planos para fazer um de “Sentimentos Selvagens” também. A ideia na verdade era de fazer todas as músicas do álbum, mas vamos ver até onde isso vai. “Sentimentos Selvagens” eu já tenho roteiro pronto, só preciso sentar mesmo e gravar. E também gravamos o show de lançamento do álbum de forma meio megalomaníaca (risos). Teve um monte de câmera, aí tem esse material gravado que penso em fazer um filme com isso, algo meio poético… Nesse show a gente realmente produziu as coisas, levou duas TVs, colocou em cima do palco, fez projeção ao vivo e botava efeitos, uma parada bem trabalhosa. Penso em fazer outros eventos assim com essa produtora que falei.

Fora as sete faixas que foram parar no disco e teve material que acabou não entrando, como você contou. A ideia sempre foi lançar um disco curto?
Putz, antes era para ser um EP de quatro músicas, apenas. Dessas quatro originais, duas saíram [do tracklist] e nunca mais mexi nelas. Nem lembro como se tocam essas, mas as outras duas continuaram. E aí desse EP foi para um álbum e decidi que ia trabalhar nessas sete músicas porque eram as mais estruturadas e melhores que fiz naquela época. Elas tem várias versões, até penso em lançar as demos um dia no SoundCloud ou no YouTube de brincadeira, porque elas mudaram muito durante esses quatro anos. Tanto letra quanto arranjo.

Como é que você lançou o disco sem um selo? Foi tudo sozinho?
Foi seguindo tutorial do YouTube ensinando como registrar as músicas para ter os direitos, se filiando em associações, entendendo sobre distribuidoras e ao mesmo tempo não entendendo nada (risos). Eu só vi um vídeo “como lançar sua música pela distribuidora X”, aí eu copiava igualzinho. O que me ajudou e ao mesmo tempo me deixou bem ansioso e fodido na cabeça foi que eu fui empurrando a mix e a master do álbum por bastante tempo. Aí, quando botamos uma data pro show de lançamento, teria que sair pelo menos duas semanas ou um mês antes, pra dar tempo pro pessoal escutar. Quando botamos essa data, pensei “porra, agora preciso fazer os bagulho”. E eu eatava muito ansioso, quase com crise de ansiedade, porque eu ficava “será que eu botei o ISRC certo na hora de subir o negócio?”. Eu precisava fazer tudo além da música e da capa, como postar o álbum, subir pra distribuidora com um tempo de antecedência… E aí comecei a surtar. A sorte é que eu tive minha namorada para me apoiar, porque sem ela acho que teria feito merda com o álbum. Ela falava “senta aí e faz esse bagulho agora, já está pronto, lança, porra!” (risos). Aí fui e lancei. Mas foi na pressão, da data que não dava para mudar: já tinha comprado equipamento pro show, tinha arrumado gente pro evento… Citando nomes e mandando um salve pro Vitor, a Anny, a Gabriela (minha namorada), o Martim, a Vitória, a Liris, o Beeau, o Monch Monch. Sou uma pessoa ansiosa, então gosto de marcar as coisas com antecedência e de ter tudo certo. Obviamente não é sempre assim na vida, mas quando consigo, fico feliz e bem contente comigo mesmo. Mas foi um processo louco, muita gente envolvida. Precisava lançar, senão ia dar ruim.

Falando sobre essa coisa toda do “do it yourself”: você nunca procurou um selo para lançar o disco? Sua ideia sempre foi lançar ele sozinho?
Eu queria um selo ou ajuda de alguém, seria perfeito. Mas eu não tenho contatos nesse meio. Acho que fui atrás de uns dois selos e meio que fiquei no vácuo. Teve um que eu fui no estúdio conversar porque um amigo trabalha nesse selo, mas rolou um papo meio que me dando um “não” mas sem me falar abertamente, sabe? Então eu só pensei nessa ideia, de ficar frustrado com depender de muita gente e se estagnar por conta disso. Quando posso fazer tudo sozinho, eu faço. Boto essa questão de não ficar sempre dependendo muito dos outros. Foram muitas furadas que eu tive antes e isso me fez pensar “porra, se eu vou ficar vivendo minha vida dependendo dos outros, vou acabar fazendo nada”. E aí tenho sorte de viver nessa geração onde tem internet, tutorial… Então quando eu posso e tenho tempo, sento, pesquiso e vou atrás. O lançamento saiu de forma independente por conta disso, porque pensava que se não fosse assim, poderia nunca sair.

Vi que o Lauiz Martins que fez a masterização… Como isso aconteceu? Vocês são amigos?
É até engraçado, né [levanta e mostra a camiseta que está usando, da banda Pelados]. Gosto muito da banda Pelados, da Sophia Chablau e também da Fernê, que é da mesma rapaziada. Eu conheci porque tocava baixo em um projeto de um amigo que abriu show pra Sofia Chablau. Não sou próximo deles, mas tenho um carinho muito grande e gosto muito deles musicalmente também. Então conhecendo o trabalho deles mais a fundo, descobri que o Lauiz masteriza álbuns e tem o estúdio dele, o Estúdio Orgânico, no qual ele grava com os amigos e é tipo o que eu queria estar fazendo e que agora faço também. Eu falei “pô, eu gosto do trabalho do cara, vou entrar em contato” e ele me respondeu já marcando uma reunião. Eu já tinha conhecido ele num rolê, mas ele não sabia que eu era, e depois a gente se conheceu realmente e foi isso. Foi até ele que fez a ponte e conseguiu um show que fiz com a banda Cambaia.

Uma das coisas que mais gosto do disco é o lance dos pannings: tem coisa que toca de um lado do fone, tem coisa que toca do outro. Isso foi sua mixagem ou a masterização do Lauiz? Porque deve ser difícil fazer com essa maçaroca de sons.
(Risos) Fico feliz que tenha notado isso! Acho que foi um pouco de cada um, sabe? Eu já botei alguns pannings na mixagem, mas o Lauiz trouxe uma textura a mais. Quando ele fez a master, ele lembrou das referências que a gente conversou, como Tame Impala, de criar um som meio “explodindo” na sua cara, como se estivesse queimando, entende? E isso fez total sentido com a ideia do Kabeça Cheia. A ideia era realmente essa maçaroca de sons, porque é a minha cabeça cheia de coisas. No começo, o nome do álbum era pra ser o nome da primeira faixa, “Pensadimais”, mas mudei para o homônimo, por ser o primeiro disco.

A ideia da mixagem sempre foi experimentar sons imprevisíveis. Eu adoro quando a mixagem é um pouco maluca, tipo, “e se eu colocar o bumbo de um lado e a caixa de outro?”, ou “e se eu botar uma guitarra reversa?” Isso é o que me interessa nas músicas que gosto. Fico muito feliz de você ter notado, porque eu realmente mexi muito nesse álbum. “Sobcontrole”, por exemplo, teve 44 mixagens diferentes, e até regravei a bateria com o Lucas duas vezes, quase fiz a terceira… Foi a primeira vez que gravei bateria e até toquei flauta em algumas faixas, sendo que nem sei tocar flauta (risos). Eu já estava ficando louco de tanto mexer na mixagem, porque com tantos elementos, você começa a questionar: “O que é essencial para a música? O que deve ficar mais em evidência?” Então isso é uma coisa que eatou bem consciente agora, gravando coisas novas. Gosto da ideia do primeiro álbum ser realmente “cheio”, com a cabeça cheia de coisa, mas acho que nos próximos vou brincar com a ideia de ser simples e coeso.

Isso de ficar mixando várias vezes me lembra o Brian Wilson com o Beach Boys, quando ele entrou numa competição meio interna dele mesmo com os Beatles e começou a regravar várias vezes as mesmas músicas em busca da perfeição e acabou pirando. Por favor não caia nesse loop também (risos).
Não, eu entendo o que você quer dizer (risos). O que aconteceu foi que, nas demos, teve takes de voz que, para mim, tinham uma carga emocional tão forte que decidi manter, mesmo que o áudio não estivesse perfeito. A voz de “Sentimentos Selvagens”, por exemplo, é o mesmo take da demo, só regravei os instrumentais e mixei de novo. Eu percebi que não dá para recriar certas coisas, mas tentava muito e isso quase me deixou maluco. Acho que o fato de fazer tudo sozinho também me afetou, porque não tinha uma opinião externa para me ajudar a tomar decisões. Eu ficava com medo de mostrar algo e alguém dizer que estava “uma bosta”, e aí eu ficava lá remixando e remixando…

Quando comecei o projeto, estava muito isolado, trancado. Mas agora, com mais referências e pessoas para mostrar o que estou fazendo, consigo ouvir melhor. Me ajudou a sair dessa coisa que quase fez o álbum não sair. Sei lá, na minha cabeça era o álbum da minha vida. De certa forma é, mas tem muito peso nessa escolha de ficar fazendo muita coisa sozinho… Para as novas músicas, estou tentando não pensar muito. É o contrário de “Pensadimais”, que agora tem uma música-irmã, chamada “Pensa Merda”. Já dá para pensar em uma trilogia (risos).

Às vezes pode ter música que você não está muito seguro, outra pessoa ouve e diz “mas está ótimo isso aqui”! E está tudo bem você levar em consideração a opinião dessa pessoa, porque às vezes a gente está tão imerso nesse processo que perde a perspectiva.
É foda. Também acho que a gente quer uma referência de fora, mas de certa forma, pelo menos para mim, eu faço meio que tudo de forma meio egoísta. Faço tudo que quero porque gosto assim, porque a gente não vai fazer música “porque vai dar dinheiro”, né? Principalmente aqui no Brasil… Eu faço as coisas mais por prazer pessoal. Faço porque quero do meu jeito e meio que foda-se, porque senão não tem porque fazer. Isso daqui não vai me dar uma grana. Assim, eu quero que vire um emprego, que eu consiga tocar, fazer tour, consiga viver disso. Óbvio que isso é uma realidade para algumas pessoas, mas se eu começar a pensar muito no que as pessoas querem e tudo mais, eu também ficaria louco. Eu já fico louco com as minhas vozes na minha cabeça, né? Então tem essa junção (risos).

Sobre a banda que toca com você: eles te acompanham somente ao vivo como um projeto seu ou a ideia é ser uma banda, a Kabeça Cheia? Como vocês se conheceram?
A ideia é que seja sempre o meu projeto, mas com uma banda ao vivo. Quero que eles toquem nas músicas ao vivo, gravem algumas coisas, mas em alguns casos, que eu possa fazer sozinho se estiver curtindo a vibe. É um projeto como o King Krule, que é uma grande referência para mim. Eu queria ser o King Krule (risos). Mas comecei a gostar de ter esse senso de comunidade, de irmandade, de tocar com as pessoas. Sempre busco a opinião de todos, mas sem abrir mão da direção artística. Sei que em bandas podem surgir desentendimentos sobre o papel de cada um, por isso sou muito comunicativo sobre isso. Mas o Kabeça Cheia é meu projeto. A maioria das músicas começam com demos que faço sozinho e mostro pra gente tocar ao vivo. Tem coisa que cresce com banda e acho isso super legal.

Conheci primeiro o Lucas, baterista da banda, quando tocava baixo no projeto de outro artista, que acabou virando trapper. Falei: “ah, vou fazer meu projeto” porque toda vez eu tinha tendência de pegar o projeto das outras pessoas e botar toda a energia neles quando na verdade devia fazer o meu, sabe? Eu acho que não tinha a autoestima ou coragem suficiente para pegar minhas coisas e dar a cara a tapa. Mas enfim, o Lucas gostou das minhas músicas e começamos a tocar juntos. Depois, conheci o João por meio de outro artista, viramos amigos e ele se juntou ao projeto. Mas tocar no Kabeça Cheia nunca foi exatamente a brisa do João, acho que ele fez mais pela amizade e porque gostava das músicas. Tanto que depois ele veio falar comigo e saiu e acho isso totalmente entendível. Ainda somos grandes amigos. Mas no fim, o Kabeça Cheia é isso: meu projeto, com a colaboração de outras pessoas com quem gosto de tocar ao vivo.

Naquele link que comentei, diz que “as letras são temas de introspecção e resiliência emocional refletindo sua jornada pelas complexidades da vida”. É isso mesmo?
Aí a IA acertou, mano (risos). Quando escrevi as letras, elas refletiam muitas coisas amorosas… Pra mim, música é sempre algo meio dramático, melancólico, como os artistas que gosto: Radiohead, King Krule. Em “Sobcontrole” e “Sentimentos Selvagens” e “(Des)embaraçando”, algo bem poético mas também triste… Aí depois veio uma camada de falar sobre problemas mentais, principalmente ansiedade. Passei por um período depressivo e melhorei, mas sempre tive um pezinho nessas coisas. E aí as letras também falavam sobre isso. Mas uma coisa que percebi me conhecendo melhor como pessoa ultimamente, é que eu sou alguém que sente muita culpa. E até fazendo uma referência a “Culpa” do Terno, uma culpa religiosa, cristã, católica, sei lá… Até por coisas que não foram causadas por mim. Eu sempre carreguei muito essas coisas, e quando vou escutar as músicas agora, vejo essa perspectiva que não percebia antes. “Nublado”, que fecha o álbum, por exemplo, fala sobre esse conflito interno. A frase “o que vai ser de mim”… É um momento que você percebe que está conflituoso dentro de si e é uma resposta às pessoas que te deixaram confuso. E aí você fica meio que nesse grito sozinho, querendo saber mas também sem a energia suficiente para enfrentar a pessoa. Então meio que é um grito interno de culpa também.

E quais são os próximos planos do Kabeça Cheia?
Por mais que eu já queira começar um segundo álbum, acho que tenho que trabalhar mais esse primeiro disco. Quando lancei o primeiro clipe, ele chegou até bastante gente de forma orgânica. O Spotify de certa forma impulsionou, tenho ouvinte nos Estados Unidos, na Inglaterra e um pessoal de Portugal que gostou, por causa do [Lucas do] Monch Monch, que está morando lá. Ele conseguiu a data de lançamento do disco no Fffront, me ajudou a produzir a noite e a organizar algumas coisas, e também acabou mostrando o som pro pessoal de Portugal. De vez em quando o pessoal de lá me manda mensagem dizendo que gostou. Eu acho engraçado porque não fiz um marketing forte no lançamento, não tive apoio de um selo, não sabia como chegar na imprensa. Nos últimos quatro anos, fiquei apenas fazendo música e só agora descobri todas as outras partes burocráticas que estão envolvidas nisso. Ainda estou aprendendo, então esse ano a meta é impulsionar mais o primeiro álbum. Eu acho que ele tem muito potencial, gosto bastante das músicas e, ao mesmo tempo que ele é alternativo, é bem chiclete e pop. Acho que consegue ser um equilíbrio de tudo que eu gosto.

Você acha que tinha mais alguma coisa importante para falar e que ficou de fora?
Olha acho que não… Acho que eu falei demais até, fiquei meio ansioso (risos). A única coisa que eu penso agora é mandar um salve pro pessoal: pra minha namorada Gabriela Melges, pro meu amigo Vitor Cachoeira, pra minha amiga Anny Jangas, pro pessoal da Nigéria Futebol Clube (o Cauã, o Rodrigo e o PH), o pessoal da Perfídia, o Monch Monch o pessoal do Fffront, do Porta Maldita, pessoal da Teleharmônicos que ajudou no show de lançamento do disco; a Liris, o Martim, a Vitória… Mandar um beijão grande pros companheiros de banda João Cruz e o Lucas Troiano, além de mandar um abraço pro meu amigo Vitor Olive, que agora é o novo baixista da banda. Um salve para meus pais, pro meu irmão, minha família, meus avós, minha avó, minha madrinha, meu padrinho, meus primos e minha cachorra Leia também. E para a Lorena Nunes e o Thiago Ramiro também. Um último salve para Gatinhos Sentimentais, que é a marca da minha namorada. Ela também adora gatos, então vai um salve para o Greg, o Frederico e o Joey e a Maggienha!