Com Jadsa e Fausto Fawcet inspirados, Circuito Nova Música encerra edição 01 de maneira arrebatadora
Além da boa música, comove saber que quatro cidades do interior compartilharam do carisma de Jadsa, a jovialidade do Maré Tardia e o impacto verborrágico de Fausto Fawcett

texto de Marcelo Costa
fotos de Douglas Mosh
vídeos de Bruno Capelas
Após uma elogiada edição piloto que passou por quatro cidades de São Paulo em janeiro com shows de Madre, Batata Boy e Supervão, o evento itinerante Circuito Nova Música – uma das atividades musicais mais bacanas desse primeiro semestre – deu start para sua primeira edição real oficial no dia 17 de abril, em Sorocaba, passando por Campinas, Americana e Piracicaba nos dias seguintes para encerrar a maratona mais de 320 quilômetros depois no Bar Alto, na capital paulista, no dia 21, com Ott0papi como convidado ao lado das atrações fixas dessa edição 01: Maré Tardia, Jadsa e Fausto Fawcett. “Um line-up perfeito”, segundo o curador Lucio Ribeiro em entrevista ao Scream & Yell.
Responsável por abrir a noite (em cada cidade, um artista local é convidado), Otto Dardenne honrou o epiteto de “um dos melhores shows de São Paulo atualmente” cravado pelo chapa Alexandre Matias. Apoiado por uma bandaça afiadíssima (Vítor Wutzki e Thales Castanheiras nas guitarras, Bianca Godói no baixo, Gael Sorkin na bateria e Danileira nos synths), OttOpapi mostrou um punhado de canções inéditas – como “Perdi o Controle” e “Bala de Banana” – que devem marcar presença em seu vindouro disco de estreia (“que deve sair esse ano”, segundo ele), produzido ao lado de Chuck Hipolitho, e que soam garageiras, indies guitarreiras e, ainda assim, deliciosamente pops no flerte com Velvet, New York Dolls, Pavement e Strokes. Foi um set curto de menos de 30 minutos, mas poderoso.
A banda Maré Tardia – cujo segundo disco, “Sem Diversão Pra Mim”, chega às plataformas dia 30 de abril pela Deck – veio na sequência mostrando que o hardcore capixaba segue firme e forte. Se em estúdio fica mais perceptível as nuances indies e surfs do som do grupo (o single “Já Sei Bem”, que antecipa o disco novo, é uma delicinha, tal qual o debute de 2022 reserva boas surpresas), ao vivo o volume sobe, a velocidade aumenta e a porradaria promovida por Gus (guitarra e voz), Bruno Lozório (guitarra e voz), Canni (baixo) e principalmente Vazo (bateria) só permite traçar uma linha evolutiva que vem de Dead Fish, Mukeka di Rato e Merda até chegar neles. É apenas hardcore, e a gente gosta, mas a proposta parece se perder em meio a tanta energia. No entanto, é inevitável: eles ainda vão dar muito o que falar.
Após dois shows de rock and roll acelerados, a soteropolitana Jadsa entrou em cena acompanhada apenas de sua guitarra, e fez uma apresentação absolutamente memorável. Com repertório baseado em seu disco de estreia, “Olho de Vidro” (2021), mas também com acenos ao vindouro “Big Buraco” (2025), Jadsa demonstrou uma intimidade com o palco que chega a emocionar. Se seus shows acompanhados de banda já são algo deslumbrante, sua versão solista não fica nem um pouco atrás, muito por seu enorme carisma tanto quanto por sua condução classuda na guitarra (algo que ela compartilha, inclusive, com a parceira e conterrânea Josyara), preenchendo o ambiente de calor, charme e melodias ásperas.
A apresentação começou sutil com “Do Ponto ao Ponto (Até o Céu Chorou)”, uma canção que começa leve e vai se tornando forte, intensa, e que Jadsa já apresentava nesse mesmo formato quase 10 anos atrás. A irresistível “Mergulho” trouxe consigo “Sem Edição”, e com ela o público veio junto fazendo a segunda voz. Não tinha mais volta: com o público de “minha banda”, Jadsa inseriu citações de “Meu Nome é Gal” (que Erasmo escreveu para Gal Costa), “Proporcional” (Tulipa Ruiz) e “Nego Dito” (Itamar Assumpção), passou pelas também cantaroláveis “Já Ri” e “Lian” e sacou um amuleto que usou nos shows que fez na Europa em janeiro e fevereiro: “Back in Bahia”, de Gilberto Gil. As novas “Big Bang” e “No Pain” demonstram que Jadsa vem ainda mais intensa em seu novo disco… pra nossa felicidade. Que show, que show!
Fechando a noite e a primeira edição do Circuito Nova Música, Fausto Fawcett, um artista que lançou seu disco de estreia em 1987. Para justificar sua inclusão em um evento que traz “Nova Música” como premissa, Lucio Ribeiro contou que viu um show dele e achou “algo moderno, diferente, ele vai mudando o negócio com uma roupagem tão nova que parece uma nova música. Ele é super nova música!”. A bem da verdade, Fausto criou um território artístico muito próprio em que ele reina e dá as cartas. E, tal qual um camaleão (outro adjetivo usado por Lucio), ele adapta conforme suas necessidades artísticas transformando em algo único e personal. E novo.
No Bar Alto, Fawcett trouxe consigo o DJ João de Beyssac nas bases, e enfileirou números surreais e dantescos. De posse do microfone, ele atua mais como um poeta do caos do que como um frontman, e se incomoda certo desleixo com os arranjos nesse formato, que funcionam mais como suporte das letras (todas as canções acabam com um “ok” de Fausto e o som em fade-out), as crônicas, por sua vez, são matadoras. Não só: o nível é tão alto que “Kátia Flávia” e “Rio 40 Graus”, dois mega hits, soam menores perto de gemas pop cáusticas (quase todas inéditas) como “Patricinhas Vorazes (Damas do Big Data)” (essa tem vídeo oficial), a saga do motorista ouvindo Prodigy, a da jovem influencer, a da garota que queria ser bailarina do Bolshoi (mas teve que se contentar com pole dance e parkur) e o futuro hino “Porrada, Trepada e Uma Pista de Dança”. Genial.
Num balanço rápido, todos os shows foram muito bons em São Paulo, o que é uma maneira copo meio vazio de olhar a coisa toda, pois não é só disso que se trata esse circuito: uma das coisas que mais comove, além da boa música, é a possibilidade de descentralização da cena (algo que chamou a atenção de Lúcio Ribeiro ao conhecer a cena de Colônia, na Alemanha, assunto comentado aqui), é saber que quatro cidades do interior viram esses mesmos shows, que eles também puderam sentir o carisma de Jadsa, a jovialidade do Maré Tardia e o impacto verborrágico de Fausto Fawcett. Saber que eles também puderam vivenciar um pouco da beleza dessa nova cena. Vida longa ao Circuito Nova Música, Novos Sons.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Douglas Mosh é fotógrafo de shows e produtor. Conheça seu trabalho em instagram.com/dougmosh.prod