Arnaldo Antunes fala sobre “Novo Mundo”, palavra cantada, parcerias e turnê
Em seu novo álbum de estúdio, Novo Mundo, lançado em 20 de março, Arnaldo Antunes – compositor, cantor, poeta, artista visual, ex-Titãs e formador do Tribalistas – mostra sua versatilidade e capacidade de adaptação à linguagem contemporânea. Com 12 faixas inéditas, o trabalho traz à música de Arnaldo uma sonoridade fresca, com beats, sintetizadores, riffs […] The post Arnaldo Antunes fala sobre “Novo Mundo”, palavra cantada, parcerias e turnê appeared first on NOIZE | Música do site à revista.

Em seu novo álbum de estúdio, Novo Mundo, lançado em 20 de março, Arnaldo Antunes – compositor, cantor, poeta, artista visual, ex-Titãs e formador do Tribalistas – mostra sua versatilidade e capacidade de adaptação à linguagem contemporânea. Com 12 faixas inéditas, o trabalho traz à música de Arnaldo uma sonoridade fresca, com beats, sintetizadores, riffs de guitarra e efeitos vocais.
Produzido por Pupillo, que também toma conta das baterias, percussões e programações, o disco ainda traz Kiko Dinucci, nas guitarras e violões, Vitor Araújo, nos pianos e synths, e Betão Aguiar, no baixo. Segundo Antunes, a formação foi fundamental para encontrar uma nova roupagem para sua música: “Eu sabia que ia dar uma liga boa com os músicos. E deu. Aí fluiu, os arranjos foram rolando no estúdio”. E, de fato, a receita funciona, com uma banda que circula pelo drill, rock, samba, ciranda, sempre com um sotaque próprio.
Arnaldo segue múltiplo: a influência construtivista – relacionada à poesia concreta e outras artes de vanguarda – segue presente no trabalho; assim como canções de caráter mais lírico, que não por isso perdem o rigor formal. Esses aspectos são intercalados a uma observação do mundo, à perspectiva crítica frente à realidade, mas também à busca de outras formas de vivê-la – daí vem a citação ao filósofo chinês Lao Tzu, um dos fundadores do taoísmo, em “Pra Não Falar Mal”.
Apesar da renovação, o trabalho mostra o mesmo artista que já conhecemos, sem necessariamente buscar por um novo horizonte. “Tem o tanto da minha identidade: no jeito de cantar, de fazer as letras, de pensar a música”, disse Arnaldo à NOIZE. Outra novidade de Novo Mundo é o selo: o trabalho saiu pelo Selo Risco, que vem ganhando projeção na música nacional na última década.
Além dos feats com o norte-americano David Byrne, do Talking Heads, Marisa Monte, sua companheira de Tribalistas, e os representantes da nova geração Ana Frango Elétrico e Vandal, há ainda uma canção com letra de Erasmo Carlos. Arnaldo também apresenta uma versão em música, “Não dá pra ficar parado aí na porta”, para um poema publicado em Algo Antigo (2021), seu último livro.
O artista preparou um show para apresentar o repertório de Novo Mundo, que já está saindo em turnê (confira as datas e ingressos aqui). A NOIZE conversou com Arnaldo sobre esse e outros assuntos envolvendo o disco. Abaixo, confira a conversa completa.
Ao mesmo tempo em que o disco apresenta uma nova sonoridade para a sua obra, também dá pra ver várias facetas da sua identidade nas faixas. Como é conciliar a criação de algo novo já tendo uma linguagem constituída?
Contar com Pupillo, Kiko, Vitor e Betão trouxe um frescor para a sonoridade da obra. Então, foi uma experiência que teve um tanto de renovação. Mas claro, tem o tanto da minha identidade: no jeito de cantar, de fazer as letras, de pensar a música, essa diversidade com a qual eu sempre gostei de lidar. Acho que acaba sendo inevitável. E o disco é muito versátil, cheio de ritmos, de gêneros diferentes, ou de atritos entre gêneros. É bem variado, mas, ao mesmo tempo, compôs uma identidade sonora com essa formação e com a produção do Pupillo, que tem sempre essa preocupação de fazer aquilo ter uma cara conceitual dentro da diversidade.
Como você acha que isso se imprime nas músicas?
Acho que esse processo foi muito feliz. O disco tem três músicas mais contundentes, mais rock and roll, mais pesadas: “Novo Mundo”, “Tire Seu Passado da Frente” e “Tanta Pressa Pra Quê”. Uma inicia o disco, outra encerra e outra tá bem no meio. São músicas mais críticas, com uma certa violência. Tem músicas mais conceituais, como “O Amor É a Droga Mais Forte” — que não é uma canção de amor, é uma canção sobre o amor — “Não dá pra ficar parado aí na porta”, ou “Pra Brincar”. São canções mais lúdicas, um exercício que me agrada. “Sou Só” também é uma canção conceitual — o Sol sendo o narrador. Tem também as canções mais líricas como “Acordarei” — essa sim, uma canção de amor — ou como “Primeiro de Janeiro”. Essa fala de renovação, conversa um pouco com “Pra Não Falar Mal de Ninguém”, que são músicas que apontam para condutas. Até como formas de reação a essa experiência negativa que a faixa inicial aponta, do que é terrível nos dias de hoje. Essas músicas, de certa forma, respondem um pouco sobre como resistir a esses tempos. Tem também “Viu, Mãe”, que é uma canção de amor de outro tipo de amor: o amor filial. Então, é um disco que tem essa variedade, mas acho que tem uma cara e uma renovação sonora em relação ao que já gravei com uma formação de banda.
E nos shows, como você vai trabalhar essas novas músicas em diálogo com o seu repertório antigo?
O show tem músicas de várias fases da carreira que, de certa forma, dialogam com esse novo material. Tem, por exemplo, uma música do Nome (1993) que eu não cantava há muitos anos, que é “Cultura”. Ela está no show. Então, existe esse diálogo. E a gente trouxe algumas músicas antigas pra essa sonoridade nova, com outros arranjos. Então, é um processo muito legal. É um novo show, claro, mas não é tudo novo. Tem essa coisa de revisitar a carreira dentro de uma perspectiva arejada, com um viés novo. É uma experiência de mexer nos arranjos que a gente sempre tocou de um jeito e, de repente, reformular pra chegar na sonoridade do novo álbum. É um pouco isso.
Sobre o processo de construção dessas bases junto com a banda — você disse que a presença de Pupillo, Kiko, Vitor e Betão foi fundamental. Como foi o trabalho de transformação das composições e criação dos arranjos até chegar no resultado final?
O processo foi o seguinte: são todas composições inéditas, feitas nos últimos anos, recentes. Eu fui compilando elas e convidei o Betão para fazer uma pré-produção comigo. Gravamos essas músicas no estúdio só com voz e violão, pra registrar direito as canções. Porque os registros originais eram só eu cantando e tocando violão de um jeito bem tosco, gravado no celular. Aí falei: “Não, vamos fazer direito isso”. Registramos tudo, e eu já tinha convidado o Pupillo para produzir o disco. Então, o envolvimento dele com o repertório já começou ali, acompanhando a gravação dessa pré. Ele convidou a gente pra fazer no estúdio dele, e fizemos: eu, Betão e Pupillo. Essa pré-produção, só voz e violão, já serviu como ferramenta para levar pro estúdio e apresentar as faixas para os outros músicos. Tudo foi construído um pouco em cima dessa pré-produção. Claro que algumas coisas mudaram depois no processo. Mas a gente tinha esse material de base. E partimos também de ideias que o Pupillo já concebia — programações eletrônicas que ele fazia antes e levava pro estúdio, por exemplo. A gente conversava, achava o caminho, mas partia muito da iniciativa dele como baterista e produtor ao mesmo tempo. E sempre com ideias muito originais. Você vê que pode ter rock, uma ciranda, um samba-canção… mas tudo muito fora de qualquer padrão, de qualquer clichê. Sempre muito inventivo nos caminhos.
E como foi a colaboração com os outros músicos?
Foi demais. O Kiko é de uma originalidade absurda. As frases dele, os timbres. Às vezes ele tá fazendo uma coisa na guitarra, aí já começa a tocar um sampler, completa uma coisa com a outra. Ao mesmo tempo, grava um violão — como em “Pra Brincar” — com um papel dentro pra dar outro som no instrumento, tipo um violão preparado. O Vitor é incrível também. A gente vinha de um projeto de voz e piano, o Lágrimas no Mar, com um tom mais concentrado, e de repente ele se adapta super bem a outra onda, tocando sintetizador e tudo mais. Eu já conhecia um pouco essa versatilidade dele, já tinha percebido que ele tinha essa coisa que vai além do piano. E foi incrível. Com Betão, eu já trabalho junto há bastante tempo. Ele gravou comigo em vários discos, fez muitos shows comigo, já tinha uma intimidade musical. Eu sabia que ia dar uma liga boa com os músicos. E deu. Aí fluiu. Os arranjos foram rolando no estúdio.
Além de compositor e cantor, você também é poeta. Tem uma música no disco, “Não dá pra ficar parado aí na porta”, que foi publicada como poema no Algo Antigo, seu último livro. Você sempre fez a música popular dialogar com a poesia. Fale mais sobre o trato com a palavra dentro da canção e da tua relação, enquanto poeta, com a composição.
Eu prezo muito o trabalho com a palavra. É uma coisa com a qual eu tenho muito cuidado e atenção. Mas não parto sempre da palavra como procedimento de composição. Às vezes eu parto de uma melodia que surge andando na rua, e aí a letra vem depois. Às vezes, no violão, vem a letra e a melodia juntas. Às vezes eu parto de um verso, mas na hora de musicar, surge um refrão para uma estrofe que eu tinha feito antes. Então, existem muitos jeitos de fazer música. Quando é parceria, muitas vezes eu costumo fazer mais a letra. Mas, por exemplo, essa canção do disco, “Viu, Mãe?”, é uma letra do Erasmo que eu musiquei. Esse processo inverso também acontece. “Socorro” é uma música que muita gente acha que a letra é minha, mas a letra é da Alice Ruiz. Eu fiz a música. Então tem um pouco disso. Mas eu sou um artista que, de certa forma, se sente muito íntimo ao trabalho com a palavra. Acho que é esse trabalho me lançou em direção a outras linguagens — seja a palavra cantada, com a canção, seja a palavra ligada à sua materialidade gráfica, no caso dos livros ou das criações visuais, ou a palavra em movimento na tela de um vídeo, como fiz no vídeo “Nome”, por exemplo. Acho que tenho uma intimidade, vamos dizer assim, não apenas com o código, mas com a significação poética.
Qual papel esse cuidado com a letra e essa intimidade com a palavra ocupam dentro da sua música?
E acho que a canção popular no Brasil tem uma tradição muito sofisticada de letristas e também uma proximidade com a poesia — aquela que está nos livros, ou que esteve mais ligada ao suporte livro, mas que hoje em dia está em mil suportes, no cartaz, na camiseta, no objeto, numa instalação, num vídeo, num endereço de internet. A poesia não é mais exclusividade dos livros. E nas canções, acho que a música popular brasileira tem uma tradição poética rara dentro da música popular do mundo. Tem ali uma sofisticação muito grande. Tanto que ela se aproximou da poesia dos poetas de livro em várias ocasiões: com o Vinicius de Moraes na Bossa Nova, com o Torquato Neto na Tropicália, com o Paulo Leminski, o Antonio Cicero, o Waly Salomão. Há vários poetas que também atuavam como letristas. E vários compositores que prezam muito a palavra: o Caetano Veloso, o Gilberto Gil, o Chico Buarque — que tratam a palavra cantada com um rigor criativo e uma inventividade enorme. Então eu me situo dentro dessa tradição em que esse cuidado é muito rico. Desde Noel Rosa, Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Ismael Silva, Lamartine…
Para fechar, vamos falar sobre os feats. Como foi trazer essas pessoas pra dentro da tua obra, pra dentro dessa linguagem que vocês estavam desenvolvendo em estúdio?
Foi natural, cada ideia foi pintando. O Byrne, fiquei com vontade de convidá-lo para alguma coisa nesse disco. Ele foi muito receptivo, tem uma abertura pra música brasileira. Fiz o convite e passamos um tempo compondo por e-mail, trocando áudios, observações. Eu mandei uma letra, ele fez uma coisa, daí mandei uma outra parte… Enfim, e assim foram surgindo essas duas canções. E foi incrível, porque tenho uma grande identificação e admiração por ele. Marisa, tínhamos essa música, que era recente também, que ninguém havia gravado, e que eu quis gravar. Eu adoro essa canção. E, claro, convidei ela pra estar junto, como já esteve em vários discos meus. E temos toda a história dos Tribalistas e tal. O Vandall e a Ana, eu queria ter também uma coisa nova ali. E, no caso, são escolhas muito adequadas, as faixas pediram por eles. Porque a canção Novo Mundo, eu acho que merecia uma quebra. E ele fez uma letra muito procedente ao sentido da canção, muito adequada — e aquele canto berrado com que eu me identifico, que também parece o jeito como eu cantava no começo dos Titãs, berrando, cuspindo as palavras. E a Ana — eu sou fã do trabalho dela. Já queria fazer alguma coisa com ela há um tempo. E a ocasião veio por conta dessa música que tem uma sobreposição do fim de um verso sobre o início do verso seguinte, e eu achei que ficaria legal fazer um dueto. Eu adorei cantar com ela, acho que a música cresceu muito com ela. Depois, agora, pra fazer nos shows, eu tô fazendo de um outro jeito que tá funcionando. As pessoas vão conferir.
The post Arnaldo Antunes fala sobre “Novo Mundo”, palavra cantada, parcerias e turnê appeared first on NOIZE | Música do site à revista.