E se fosse proibido rir? A nova série de Bruno Nogueira faz ‘Ruído’
Numa sociedade distópica na qual o riso é considerado crime, um grupo de actores e argumentistas cria um movimento clandestino para que as pessoas possam rir em segredo. ‘Ruído’ estreia na RTP1 a 7 de Maio.


Bruno Nogueira, Rita Cabaço, Albano Jerónimo e Gabriela Barros foram apanhados. Por uma autoridade de um qualquer universo e tempo paralelos ao nosso, no qual uma nova lei proíbe o riso ou qualquer tipo de expressão de alegria em público. Estão na prisão, onde um agente lhes pergunta se andam a fazer rábulas cómicas. Negam, não expressando sequer qualquer vontade de rir. Mas há vídeos, provas de que organizaram, em conjunto com argumentistas e outros actores, um grupo clandestino num teatro, onde exibem as tais rábulas criminosas a uma plateia de pessoas… que se ri. Muito. Talvez o reflexo mais impossível de controlar. O espaço, no mundo real, é The House of Hopes and Dreams (centro de operações da equipa do Chefs on Fire), onde decorreu a apresentação de Ruído e onde os presentes se sentaram a ver a série, com uma diferença. Todos puderam rir em liberdade. Vimos o primeiro episódio, de um total de oito, e falámos com Bruno Nogueira.
“Já tinha pensado em várias coisas que me apeteceria fazer e uma delas era um bocadinho ao abrigo de uma frase que o meu pai tem, que é: as pessoas cansam-se de estar bem. Foi esta ideia de, tendo essa liberdade para fazer comédia, o que é que aconteceria se, por acaso, num tempo distópico qualquer, essa liberdade fosse restringida e não se pudesse rir publicamente, sendo o riso um reflexo e uma possibilidade de controlar”, explicou Bruno Nogueira no dia da apresentação da série, que chega aos ecrãs da RTP1 e RTP Play a 7 de Maio. Mas será que Ruído quer mostrar o que pode acontecer se as pessoas tomarem a sua liberdade como garantida? Em resposta à Time Out, Bruno Nogueira descomplica e diz que a ideia passou mais por imaginar “como é que um programa de comédia sobreviveria num universo onde não era possível rir publicamente”. “Depois cada pessoa fará a leitura que quiser. Mas embora eu ache que não seja assim um universo tão distópico, não era feito com essa intenção”, explicou.
Numa conversa com os jornalistas presentes, o actor destacou que esta série acaba por ser “um exercício de contenção e uma espécie de bipolaridade” que lhe interessava, e não tanto “uma mensagem política”. Para o desenvolvimento do argumento contou com Frederico Pombares – repetindo a parceria de Lado B, O Último a Sair ou Tabu –; com o também actor Luís Araújo (Diálogos Depois do Fim), “por ter um universo e uma cultura de comédia” que lhe “interessava muito”; e com o comediante Carlos Coutinho Vilhena, cujo trabalho Bruno Nogueira diz admirar e por ser “de uma geração diferente que pudesse contrastar com ideias talvez pré-concebidas” que o resto da equipa pudesse ter.
A possibilidade de uma interpretação mais política esteve presente nas conversas entre os três, mas “apesar disso”, avançou Bruno Nogueira, no argumento “nunca há essa referência política, nem social, é sempre uma coisa mais pragmática de resolver, uma questão que vai para além do que estes actores conseguem fazer, de não conseguirem, neste caso, abster-se de fazer comédia, mesmo sabendo que isto é uma coisa proibida. E de ser uma coisa muito apetecível, de arranjar estes subterfúgios para poder continuar a encontrar estas emoções”. Até porque Bruno Nogueira considera ser “muito difícil um comediante em Portugal poder queixar-se de não poder dizer coisas” e, por isso, não precisa de “acenar nenhuma bandeira da liberdade”. “Há uma vontade de celebrar, sim, uma liberdade criativa de poder fazer coisas diferentes”, acrescentou.
A estrutura de Ruído é singular. A narrativa divide-se entre o interrogatório, os sketches, imagens da plateia clandestina a rir enquanto assiste aos sketches e também umas cenas do documentário que os protagonistas estão a gravar. Por uma razão, como explicou Bruno Nogueira: “Era difícil justificar como é que no interrogatório estavam a ver imagens de uma coisa que não foi filmada. Eles tinham de ter sido apanhados por qualquer coisa. Para o espectador poder ver o que é que aconteceu, era difícil justificar de outra maneira que não fosse eles estarem a fazer uma espécie de diário de bordo daquela experiência. Portanto, criou-se essa narrativa em que uma versão de nós próprios está neste teatro, que é uma espécie de base de operações onde são escritos os sketches, onde estão as roupas, onde são preparados os guiões.”
A realização foi dividida por dois olhares, alinhados pela direcção de fotografia de André Szankowski (Rabo de Peixe). Os sketches foram realizados por Ricardo Freitas (O Último a Sair, Os Contemporâneos, Tabu); e Tiago Guedes (Restos do Vento, Glória), que realizou as restantes cenas. Já agora, o público filmado no teatro clandestino não foi composto por figurantes, mas sim pessoas que foram convidadas a assistir assistir de livre e espontânea vontade. “Foi interessante sentir essa experiência meio de reality show e de facto as pessoas estarem a assistir a uma coisa que ainda mais ninguém tinha assistido e nós a vermos pela primeira vez a reacção daquelas pessoas”, recordou Bruno Nogueira. A seu lado, Carlos Coutinho Vilhena acrescentou: “Ganhámos reações reais de pessoas reais que estavam a assistir aos sketches, e nós próprios percebemos logo que os sketches é que tinham mais impacto nas pessoas. E acho que tem mais força ver pessoas a sorrir de forma genuína do que ter figurantes a fingir que estão a rir”. Uma situação que acabou por influenciar o produto final: alguns sketches sofreram alterações. “Percebe-se claramente os momentos em que a sala pede para aquilo ser um bocadinho mais rápido e os momentos em que pede para dilatar um bocadinho mais aquilo no tempo”, recordou o criador.
O elenco secundário inclui nomes como Gonçalo Waddinton, Miguel Guilherme ou Romeu Costa e há vários convidados especiais, de Toy a Ana Bola. No dia de estreia, Ruído também fica disponível no streaming da RTP Play.
RTP1. Estreia a 7 de Maio às 22.30