Viver mais não é viver melhor: o paradoxo da longevidade feminina

As mulheres superam os homens em expectativa de vida, uma vantagem que intriga os cientistas, mas viver mais tempo não significa viver com mais qualidade

May 14, 2025 - 18:22
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Viver mais não é viver melhor: o paradoxo da longevidade feminina

As mulheres são as campeãs da longevidade. Em quase todos os países do mundo, elas podem esperar viver mais do que os homens. A diferença média de expectativa de vida entre os sexos gira em torno de três anos, mas esse número pode variar significativamente de acordo com a população analisada.

No Brasil, por exemplo, segundo os últimos dados divulgados pelo IBGE, os homens vivem em média 73 anos, enquanto as mulheres podem chegar aos 79.

Parte das pesquisas busca explicações biológicas para essa vantagem; outras destacam o papel de fatores sociais. “A verdade é que se trata de um fenômeno complexo, provavelmente resultado de uma combinação desses dois aspectos”, afirma a especialista em envelhecimento Sara Hägg, professora do Departamento de Epidemiologia Médica e Bioestatística do Instituto Karolinska, na Suécia.

Sabe-se, no entanto, que este não é um padrão exclusivo da espécie humana. Em populações de animais selvagens, como primatas e outros mamíferos, as fêmeas também costumam viver mais que os machos, inclusive quando ambos enfrentam pressões ambientais semelhantes.

Mesmo em contextos extremos de mortalidade (como epidemias e períodos de escravidão ou fome), as mulheres demonstram taxas de sobrevivência superiores às dos homens. Curiosamente, essa vantagem começa a se manifestar já nos primeiros dias de vida. Embora, estatisticamente, nasçam mais meninos do que meninas, os bebês do sexo feminino tendem a ser mais resistentes às adversidades, o que faz com que sobrevivam em maior proporção. 

Em populações de animais, como primatas e outros mamíferos, as fêmeas também costumam viver mais que os machos, inclusive quando ambos enfrentam pressões ambientais semelhantes.

Os genes da vida longa 

Entenda a relação genética com a longevidade feminina
Entenda a relação genética com a longevidade femininaReprodução/Getty Images

Um estudo apontou que as mulheres são mais atingidas por condições que podem ser debilitantes, mas não fatais. Já os homens são desproporcionalmente afetados por condições que podem levar à morte precoce.

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Uma das explicações para essa resiliência está na genética. As mulheres possuem dois cromossomos X como par sexual, enquanto os homens têm um X e um Y. Na prática, isso significa que elas contam com uma espécie de “cópia de segurança”.

“Se uma das versões de um gene no cromossomo X estiver com alguma mutação, a outra pode compensar”, explica Hägg. “Os homens, por outro lado, são mais vulneráveis porque têm apenas uma cópia de cada e, se houver mutações em algum desses genes, não há uma alternativa disponível.”

No entanto, essa “vantagem genética” não explica tudo. De modo geral, o genoma não é o principal fator para a longevidade. A estimativa de impacto da herança genética na expectativa de vida gira entre 10% e 30%.

“O papel do DNA é mais pronunciado na determinação da longevidade extrema, ou seja, nas chances de viver 100 anos ou mais”, explica Andrzej Bartke, diretor de Medicina Geriátrica da Universidade de Southern Illinois, e um dos grandes especialistas neste tema.

A maior parte dos nossos genes está localizada nos outros 22 pares de cromossomos — os autossomos — compartilhados por homens e mulheres, o que faz com que, em termos genéticos, sejamos muito semelhantes.

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Hägg destaca, porém, uma teoria evolutiva chamada “pleiotropia sexualmente antagônica”. Segundo essa tese, os homens, mesmo tendo uma vida reprodutiva mais longa que a das mulheres, tendem a otimizar suas funções biológicas nas primeiras décadas de vida, como uma estratégia para aumentar as chances de gerar descendentes ainda jovens — quando estão em condições mais favoráveis para competir por parceiras e se reproduzir com sucesso.

As mulheres possuem mecanismos de envelhecimento molecular mais preservados do que os homens.
As mulheres possuem mecanismos de envelhecimento molecular mais preservados do que os homensReprodução/Getty Images

Isso tem um custo: eles perdem a força e o vigor rapidamente com o envelhecimento, e por isso têm menos chance de sobreviver às doenças típicas da idade avançada. Já as mulheres tendem a preservar suas funções gerais (além das reprodutivas) por mais tempo, para garantir que sobrevivam e cuidem da prole até que atinjam a idade adulta.

Assim, as mulheres “poupam” sua capacidade celular e normalmente têm mecanismos de envelhecimento molecular mais bem preservados do que os homens. Isso resulta em vidas mais longas, mesmo que com doenças. E é exatamente o que vemos entre os idosos: mulheres que vivem mais, mas com mais dificuldades no final da vida.

Testosterona x Estrógenos

Há, por outro lado, um outro fator: os hormônios. “Sabemos que homens sem testosterona, como os eunucos, tendem a viver mais do que aqueles que produzem o hormônio, o que sugere que ele possa ter um papel importante na diferença entre os gêneros”, observa Hägg.

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Um exemplo notável dessa relação vem da Dinastia Chosun, que governou as Coreias entre os séculos XVI e XIX. Na corte imperial, os eunucos castrados antes da puberdade chegavam a viver, em média, até os 70 anos. Um feito impressionante, sobretudo quando se considera que os próprios reis, com acesso a conforto e recursos, raramente ultrapassavam os 50 anos.

 “O papel do DNA é pronunciado na determinação da longevidade extrema, ou seja, nas chances de alguém viver 100 anos ou mais”, Andrzej Bartke, diretor de Medicina Geriátrica da Universidade de Southern Illinois.

Estudos experimentais indicam que a testosterona pode estar associada a diversos efeitos negativos para a saúde. Entre eles, o aumento no volume de placas coronarianas e na coagulação sanguínea, fatores que podem elevar o risco de doenças cardiovasculares.

O hormônio também está ligado a uma maior vulnerabilidade a certos tipos de câncer, como o de próstata (um dos mais comuns entre os homens). Estudos têm apontado ainda uma atuação da testosterona como um supressor do sistema imunológico, o que pode aumentar a suscetibilidade a infecções. Outro ponto relevante é sua relação com comportamentos impulsivos, que frequentemente levam os homens a se exporem mais a situações de risco.

Naturalmente, as mulheres não produzem níveis significativos de testosterona, o que por si só contribui para uma menor incidência desses efeitos adversos. Em contrapartida, elas contam com a presença marcante de estrógenos.

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“A vantagem feminina pode estar ligada à atuação protetora destes hormônios ao longo dos anos reprodutivos, especialmente no envelhecimento cerebral, e a um sistema imunológico mais eficiente em comparação ao dos homens”, diz Bartke.

Esses hormônios funcionam como antioxidantes naturais, combatendo o excesso de radicais livres e protegendo as células contra danos. Os estrógenos também parecem exercer um efeito protetor sobre o sistema cardiovascular como um todo.

Durante a menopausa, porém, os níveis de estradiol (uma forma de estrogênio) caem drasticamente devido à falência ovariana, o que deixa o organismo feminino mais sensível à doenças cardiovasculares e ao tromboembolismo venoso.

“A saúde mais precária das idosas, em comparação com homens da mesma idade, provavelmente está relacionada às diferentes mudanças nos hormônios sexuais ao longo do tempo: abruptas nelas e graduais, frequentemente muito menos pronunciadas, nos homens”, complementa Bartke.

Mulheres praticam mais hábitos para uma velhice saudável.
Mulheres praticam mais hábitos para uma melhor velhiceReprodução/Getty Images
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Mulheres adotam mais comportamentos que promovem a saúde, como o comparecimento a consultas e exames médicos. Também costumam manter redes mais sólidas de socialização, determinantes para uma velhice saudável.

Vivendo mais, mas não melhor

Apesar de terem uma vida mais longa que a dos homens, as mulheres, em geral, têm uma velhice mais frágil e o declínio é especialmente acentuado após a menopausa. Um estudo publicado na revista científica The Lancet Public Health apontou que as mulheres são mais atingidas por condições que podem ser debilitantes, mas não são fatais. Já os homens são desproporcionalmente afetados por condições que podem levar à morte precoce. 

Os padrões comportamentais desempenham um papel fundamental nesta equação. As mulheres, por exemplo, geralmente têm menos probabilidade do que os homens a fumar ou beber em excesso, e um levantamento de 2023 também demonstrou que elas apresentam menores riscos de falecimento por overdose de drogas e suicídio, óbitos quase sempre precoces que costumam reduzir a expectativa de um grupo populacional.

Além disso, mulheres tendem a adotar mais comportamentos que promovem a saúde, como o uso de cinto de segurança ou o comparecimento em  frequências mais regulares a consultas e exames médicos. Elas também costumam manter redes mais sólidas de socialização e apoio, que são fatores determinantes para uma velhice saudável.

Ainda assim, costumam ser o grupo mais atingido por problemas musculoesqueléticos, transtornos de saúde mental e dores de cabeça, além de Alzheimer e outras demências. Enquanto os homens são mais suscetíveis às doenças cardiovasculares, respiratórias e hepáticas, além de lesões relacionadas a acidentes de trânsito e infecções virais. 

“A compreensão sobre envelhecimento e longevidade está evoluindo à medida que aprendemos mais sobre regulação da expressão gênica. Até agora, porém, o consenso parece reconhecer que o ambiente tem um papel maior do que a genética na determinação da expectativa de vida”, diz Bartke. “Com a medicina moderna e melhores hábitos de vida, podemos otimizar nossa capacidade de viver o máximo possível, apesar de nossos genes”, complementa Hägg.

A menopausa acentua a fragilidade na velhice feminina.
A menopausa acentua a fragilidade na velhice femininaReprodução/Getty Images

 

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