Vitória é uma história real sobre resiliência e coragem diante da opressão
Fernanda Montenegro revive a história de Joana Zeferino da Paz, uma heroína carioca que enfrentou o crime e a corrupção com coragem.

Trabalhar na editoria local no Rio, como fazia em 2004 na TV Globo, significava editar boa parte de notícias sobre crime e violência na cidade, uma realidade triste e complexa para todo carioca. Estive na equipe da cobertura de matérias que hoje são marcantes na história recente, mas, entre elas, a de Dona Vitória sempre foi uma das mais emblemáticas e emocionantes.
A idosa, cuja identidade foi mantida em sigilo por mais de 20 anos – por questões de segurança – decidiu, por conta própria, filmar o cotidiano assustador que testemunhava de sua janela: tiroteios, violência, venda de drogas e outras atividades criminosas acontecendo sem o menor constrangimento.
Sua iniciativa histórica foi revelada pelo jornal Extra e levou à prisão de traficantes e policiais corruptos, uma história fascinante que hoje é retratada no filme Vitória, com Fernanda Montenegro no papel principal, que chega aos cinemas no início de março de 2025.
A pré-estreia no Rio foi marcada pela emoção e pela presença da equipe e elenco, incluindo a discreta aparição de Fernanda Torres, que veio prestigiar a mãe e o marido, Andrucha Waddington, diretor do longa. Estive perto de todos, ao lado do ator Antônio Pitanga, que se emocionou ao longo da história que é, de fato, muito tocante. Os bastidores de Vitória são cercados de lágrimas, não apenas pela dura e inspiradora trajetória de Dona Joana da Paz, sobre a qual falarei mais à frente.
Diretor original do filme morreu no meio das filmagens
Originalmente, o filme era assinado por Brenno Oliveira, que faleceu aos 58 anos no meio das filmagens. Diretor dos sucessos Dois Filhos de Francisco e Gonzaga: de pai para filho, Brenno estava filmando no interior de Pernambuco quando sofreu um infarto fulminante em 2022.
O longa seria sua primeira parceria formal nas telas com sua esposa e roteirista, Paula Fiuza. Como amigo do casal e parceiro de Brenno, Andrucha assumiu a desafiadora missão de dar continuidade ao projeto, amarrando as pontas e entregando a história com respeito à visão inicial do amigo. E, como Fernanda tem 94 anos, esse também é anunciado como seu último trabalho nas telas, embora eu torça para que ela mude de ideia e ainda nos presenteie com mais atuações.
Com esse contexto e pela minha experiência na redação, onde acompanhei de perto meus chefes e colegas extremamente cuidadosos com a segurança da verdadeira Dona Vitória, me vi viajando no tempo ao longo do filme. A massoterapeuta e ex-doméstica Joana Zeferino da Paz é, sem dúvida, uma heroína moderna e digna de toda homenagem. Como as gravações poderiam identificar o autor das imagens, e devido à corrupção entre as autoridades da época, havia um risco iminente para ela.
As longas discussões sobre como noticiar e dar o crédito à coragem de Dona Joana, sem comprometer sua vida, foram uma verdadeira aula de jornalismo, algo que carrego no coração até hoje. Essa parte é representada no filme pela sensibilidade e entrega do ator Alan Rocha, que interpreta o repórter Flávio Gusmão, autor das reportagens do Extra e do livro Dona Joana da Paz, que serviu de base para o roteiro.
Embora pareça um filme de “história local”, Vitória aborda temas universais: a solidão, a resiliência, a coragem e a fé de que o mundo pode ser mais justo se todos fizerem sua parte. Obviamente, com Fernanda Montenegro em cena, há longos olhares que dizem muito mais do que palavras, e esse talento é esplendidamente explorado. Confesso que senti falta de uma trilha sonora mais presente (Antônio Pinto assina a música que só aparece nos créditos), mas, refletindo depois, percebo que o silêncio foi necessário para que a emoção surgisse do vazio da indiferença social, que é exposta em diferentes momentos e ganha força.
O roteiro insere momentos mais leves, embora, em alguns casos, a disparidade entre os atores seja mais evidente, principalmente quando os coadjuvantes não têm a mesma intensidade de Fernanda Montenegro.
Ainda assim, a história consegue gerar ansiedade, mesmo sabendo o desfecho. Espertamente, o filme não se aprofunda na corrupção policial, mas, para quem conhece os detalhes, talvez fosse interessante contextualizar um pouco mais o risco maior enfrentado pela idosa, que estava literalmente no fogo cruzado.
O monólogo em que conhecemos a dura vida de Joana e sua resistência em abandonar seu nome e sua casa é um dos pontos altos de Vitória. Ali, sentimos o peso de uma escolha difícil entre justiça e conformidade. Ela, claro, nos ensina que o caminho mais difícil não deve ser evitado. Graças à sua coragem, cerca de 30 pessoas foram presas, incluindo policiais e traficantes, mas Dona Joana permaneceu escondida, com outro nome, até sua morte, em 2023, aos 97 anos.
Assim, Vitória não é apenas um filme sobre um episódio da história carioca, mas uma reflexão universal sobre coragem, resiliência e a luta pela justiça. A atuação de Fernanda Montenegro, a sensibilidade na direção de Andrucha Waddington e o retrato da vida de Dona Joana da Paz nos lembram da força que reside nas pequenas escolhas e da importância de fazer o que é certo, mesmo diante de grandes desafios. A história de Dona Joana segue como um exemplo de que a coragem pode transformar a realidade, mesmo que ao custo de grandes sacrifícios.
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