Larissa Januário: “As pessoas vivem como se sempre fossem ter alguém para fazer comida para elas”
De forma leve e despretensiosa, a comunicadora Larissa Januário segue firme na missão de fazer cada vez mais pessoas assumirem o comando da cozinha

A cozinha sempre foi um lugar de autonomia para Larissa Januário. Quando pequena, seu pai construiu um fogãozinho no quintal para que ela pudesse brincar de fazer receitas. Ali, enquanto se divertia, também preparava algumas especialidades, a exemplo do incrível “arroz cru e queimado”, como ela define e ri de si mesma.
Mas, apesar de banal, foram essas brincadeiras que acabariam definindo o futuro da jornalista. Atualmente, ela é um dos rostos mais conhecidos do canal Sabor & Arte, à frente do programa “Jantar O Quê?”, e também do jornalismo gastronômico, compartilhando receitas no @semmedida.
Desde sempre carismática e movida pela comunicação, a goiana nascida em Rio Verde buscou nas referências que via em casa a inspiração para encaminhar sua carreira.
“Minha mãe e eu assistíamos juntas à ‘Cozinha Maravilhosa da Ofélia’. Eu era, oficialmente, a pessoa que anotava as receitas”, recorda sobre o programa apresentado por Ofélia Ramos Anunciato, na Band, entre 1968 e 1998. “A gente tinha que copiar as receitas da televisão, e também da revista CLAUDIA, que minha mãe assinava.”
Contudo, numa época em que ser chef de cozinha ainda não era uma profissão glamourosa e desejada, inclusive com pouquíssimos cursos universitários disponíveis, foi outra figura que acabou inspirando a comunicadora. Glória Maria foi uma das grandes referências de Larissa no jornalismo, e foi assim que ela decidiu, mais tarde, escolher a profissão, sem nunca deixar de lado o amor pela cozinha.
Na faculdade, dividindo apartamento com amigas, era ela quem sempre comandava as refeições — além de ter talento para a coisa, tinha prazer em estar ali. Era o início da década de 2000 e, sem nem sonhar ainda com as redes sociais e as práticas receitas em vídeo, Larissa precisava recorrer às pesquisas para encontrar o preparo ideal. “Brinco que a Rita Lobo é nossa pastora”, diz ela sobre a culinarista responsável pela maior parte dos preparos que encontrava nos primórdios da internet.
Já no trabalho, quem se dava bem eram seus colegas. Larissa era conhecida por preparar bolos enormes e outras guloseimas e levar para a redação, dividindo seu talento com toda a equipe.
“Sempre valorizei muito a comida na minha vida. Eu não entendo gente que fala ‘vou comer qualquer coisa rapidinho’. Mesmo morando sozinha ou em repúblicas, sempre tive mesa, ainda que pequenas.” Foi nesse treino constante na cozinha que se tornou especialista nas mais diferentes receitas, da moqueca ao tex-mex.
“O estrogonofe foi o que mais lutei pra fazer de um jeito parecido com o da minha mãe. Porque era outra realidade, hoje é tudo mais fácil. Pareço até minha avó falando, mas a informação gastronômica era muito inacessível”, analisa a jornalista, hoje com 46 anos. Para exemplificar, Larissa explica que ainda se lembra da primeira vez em que comeu um aspargo, e como o champignon em conserva era um ingrediente difícil de se obter.
“A única forma de a gente salvar o planeta é prestar atenção no que a gente come” Larissa Januário
“Minha vinda a São Paulo para estudar foi também um choque cultural, eu não comia polenta na minha infância, comia angu”, conta ela, que tem uma família de origem mineira. “Fui conhecer a polenta, desse jeito italiano de comer, quando eu já tinha mais de 18 anos. E o risoto? Meu pai chamava de arroz de forno”, recorda ainda sobre as barreiras advindas de uma época em que o acesso à informação era infinitamente menor. “Mas eu nunca deixei de cozinhar, mesmo não estando envolvida diretamente com a gastronomia como profissão.”
Medida pra quê?
Foi pela necessidade de anotar suas receitas que Larissa criou, em 2004, o “Sem Medida”, seu primeiro grande projeto na gastronomia. Junto de uma amiga web designer, começou a registrar as receitas que fazia e publicar num blog. “Quando morávamos juntas, eu inventava muitos pratos. Fazia com o que tinha na geladeira, e cada vez criava algo diferente.”
Admiradora do talento de Larissa, a amiga sempre pedia para que ela repetisse algum preparo, mas a jornalista nunca se lembrava como reproduzi-lo: era tudo feito no improviso, sem seguir regras, passo a passo ou medidas — daí o nome. Na página online, elas começaram, então, a disponibilizar não só os ingredientes e o modo de preparo, como a foto de cada prato feito em casa, como uma espécie de enciclopédia de suas receitas.
O blog começou como um hobby, assim como era comum à época, mas o endereço passou a ganhar repercussão e, logo, a comunicadora recebeu convites de trabalho a partir dele. Anos mais tarde, o site tornou-se um canal de comunicação digital, que em mais de 20 anos de atuação se transformou em produtora de conteúdo multimídia, catering, consultoria e assessoria.
Em 2009, Larissa conheceu o marido, o chef Gustavo Rigueiral, e, juntos, levaram a empresa ainda mais para o universo offline. “Brinco que o Gustavo foi minha faculdade de gastronomia.”
Os dois atuaram por muitos anos como personal chefs e criaram o Jantar Secreto, experiência em que recebiam pessoas para uma refeição cheia de mistérios, em que o menu só era revelado à mesa.
“Quanto mais você pratica, mais você cria intimidade com a sua cozinha, mais você vai chegando nas coisas que gosta, perdendo o medo e criando a capacidade de se abrir para algo”, diz a chef, que adora desafiar as pessoas que dizem não gostar de jiló, pequi e quiabo a provarem esses ingredientes de novas formas.
Conversa entre amigas
Em 2021, veio o convite para comandar um programa de receitas no Sabor & Arte, canal por assinatura que é hub de gastronomia do grupo Band.
“Era uma coisa que já queria muito, porque durante a pandemia passei a publicar conteúdos em vídeo. Tive um crescimento grande de seguidores, acho que as pessoas finalmente perceberam que precisam saber cozinhar. Assim como você aprende a tomar banho e a se vestir, comer é uma atividade vital. As pessoas vivem como se elas sempre fossem ter alguém para fazer comida para elas.”

“Cozinhar é uma atividade que deveria estar na nossa vida todos os dias” Larissa Januário
Suas receitas práticas logo ganharam o carinho do público, mas mais do que isso. Assistir Larissa é como estar na cozinha com uma amiga bem humorada que nos conta uma história ao pé do ouvido. Com esse jeito amistoso, ela nos ensina as técnicas mais complexas da gastronomia como se fossem detalhes. “Eles só falaram pra eu ser eu mesma. Respondi: ‘Vocês têm certeza?’”, dá risada.
Pois ser ela mesma em frente às câmeras foi o fator crucial para o sucesso do programa, incluindo sua forma maleável e tranquila de lidar com os ingredientes, substituições e inseguranças dos telespectadores sobre suas receitas.
“No programa, eu falo muito: ‘Você quem manda, querido. A comida é sua’.” Larissa, inclusive, promete que ainda a veremos muito em breve em um novo formato no canal, explorando ainda mais seu lado como comunicadora: “O que mais me deixa feliz é a pessoa que diz que não cozinha e, ainda assim, assiste ao meu programa. O que eu mais quero é convencer”.
Comida de verdade
Hoje, sua grande meta na cozinha é fazer com que as pessoas compreendam o que ela descobriu ainda na infância, já que foi criada em uma casa que sempre tinha comida de verdade à mesa.
“Eu entendi muito jovem que o melhor jeito de se comer bem, de comer comida gostosa, é comer comida de verdade.” Seu pai costumava chamar os industrializados de “supérfluos”, Larissa só via refrigerante no Natal ou aniversário.
“As pessoas vivem como se elas sempre fossem ter alguém para fazer comida para elas” Larissa Januário
“Quando vim morar sozinha, eu comia bolacha recheada todo dia e fast food toda semana. Mas isso também fez de mim uma adulta que não liga para essas coisas, passou essa fase, eu sempre escolho a comida. Se você me perguntar se prefiro um hambúrguer ou um prato de arroz e feijão, eu prefiro o arroz e feijão. Reclamam que as pessoas estão deixando de comer as coisas, mas as crianças imitam os pais.”
Por fim, Larissa sonha ainda com o dia em que cozinhar se tornará uma atividade fixa na grade curricular nas escolas, “assim que você aprende a ler e escrever, começa a aprender a cozinhar também”, projeta.
“Cozinhar é uma atividade que deveria estar na nossa vida todos os dias, pois a única forma de a gente salvar o planeta é prestar atenção no que a gente come. As pessoas entendendo isso, a vida delas já ganhou uma outra dimensão.” Se depender das receitas de Larissa, passaremos muito bem, obrigada.
CRÉDITOS DE PRODUÇÃO
TEXTO Marina Marques
FOTOS Camila Tuon
BELEZA Larissa Lis
ESPAÇO: @ici_bistro
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