Só um gole não faz mal? Os efeitos tóxicos do álcool que você precisa saber
O álcool é a droga que mais mata no mundo. Porém, novas recomendações de saúde dizem que não há quantidade segura

Foi com 13 anos de idade que a influenciadora Jana Rosa experimentou uma bebida alcoólica pela primeira vez. Depois do gole inicial, o hábito persistiu até a vida adulta, quando os drinques se tornaram ferramentas de socialização e refúgio para os desafios do dia a dia. “Eu achava que uma pessoa legal era aquela que causava”, relembra.
No entanto, durante a pandemia, os sintomas provocados pelos destilados passaram a incomodar. E o que começou como um detox temporário acabou se tornando definitivo. “Hoje percebo que brigava e arrumava confusão por nada. Ficar sóbria foi a decisão mais importante da minha vida.”
Embora o consumo seja amplamente aceito pela sociedade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) mudou suas recomendações sobre o assunto em 2023: de acordo com ela, não há mais ingestão segura de álcool, em qualquer quantidade. Mesmo em doses pequenas, a substância pode aumentar o risco de doenças e transtornos mentais.
“Não importa o quanto você bebe — o risco para a saúde começa a partir da primeira gota de qualquer bebida alcoólica. A única coisa que podemos dizer com certeza é que quanto mais você bebe, mais prejudicial é”, afirmou na declaração oficial Carina Ferreira Borges, Conselheira Regional para Álcool e Drogas Ilícitas no Escritório Regional da OMS para a Europa.
Até mesmo a famosa taça de vinho tinto, que supostamente ajudaria a prevenir doenças cardíacas, perdeu seu status de benéfica: os estudos que apontavam resultados positivos apresentavam problemas estatísticos ou falhas no grupo de controle, segundo a OMS.
Isso se dá pelos efeitos do álcool no corpo. Uma vez ingerido, o etanol se converte em acetaldeído, uma enzima tóxica de difícil metabolização.
“Ele dá um trabalho danado para o fígado”, destaca a nutricionista Carolina Vasconcelos. Ademais, está entre os compostos mais calóricos existentes e pode prejudicar a alimentação equilibrada.
“Cada grama de gordura fornece nove calorias, cada grama de carboidrato e proteína fornece quatro calorias. Já o álcool fornece sete. A diferença é que ele não traz nenhum nutriente.”
De acordo com a pesquisa Copo Meio Cheio, do escritório Go Magenta, o consumo de álcool está profundamente ligado a interações sociais, sendo um elemento central em festas e encontros.
Os dados apontam que as principais razões para beber incluem momentos de descontração (53%), acompanhar amigos ou familiares (51%) e aliviar o estresse após um momento difícil (42%).
“Essa é uma droga aceita pela sociedade. Tanto que a iniciação acontece ainda na adolescência, quando a opinião dos outros pesa muito”, explica a psicóloga Marina Vasconcellos. “Depois, as pessoas bebem para se sentirem mais soltas, e isso gera um ciclo difícil de quebrar”, continua ela.
Recentemente, porém, está se tornando cada vez mais comum encontrar pessoas como Jana — que bebiam regularmente e gostavam do álcool e seus efeitos — mas que decidiram parar com seu consumo. Para eles, a conta não estava mais fechando.
A vida sem after
O designer Eduardo Costa, de 25 anos, faz parte dessa tendência. Ele rejeita a ideia de se embriagar: “Não gosto de beber muito, no máximo um copo ocasionalmente”.
De acordo com um estudo da Gallup, empresa de pesquisa de opinião dos EUA, a porcentagem de adultos com menos de 35 anos que consomem bebidas alcoólicas caiu de 72% em 2003 para 62% em 2023.
É justamente a faixa etária de Eduardo — a geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) —, que está liderando essa mudança. Um outro dado do estudo Copo Meio Cheio apontou que 30% desses jovens bebem menos para manter o autocontrole e por receio da “ressaca moral”.
“Estamos debatendo mais sobre o bem-estar, o autocuidado, a importância da prática de atividades físicas e os benefícios de uma alimentação saudável.
Hobbies manuais, por exemplo, estão ganhando destaque — mostrando que não é preciso de substâncias para nos divertir. Isso provoca uma onda de conscientização e favorece um movimento transformador”, explica Marina.
Embora os mais jovens estejam à frente dessa tendência, é na meia-idade que os cuidados deveriam ser redobrados. Isso porque, depois dos 55 anos, o organismo tem mais dificuldade para metabolizar toxinas, tornando os efeitos de uma noite de bebedeira mais intensos do que aos 25.
Mesmo uma ou duas doses podem elevar temporariamente a frequência cardíaca, o que representa um risco significativo para quem já tem problemas cardiovasculares anteriores, por exemplo, além de causar alterações nos níveis de glicose.
A preocupação está alinhada com uma pesquisa financiada pelo National Institutes of Health (NIH), os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, que apontou um aumento significativo no consumo excessivo de álcool entre pessoas de 35 a 50 anos. Em 2022, quase 30% desse grupo relatou episódios de consumo abusivo, um crescimento em relação aos 23% registrados em 2012.
Acabou a saideira!
A decisão de parar de beber pode ser um desafio, mas, com planejamento e apoio, é possível fazer escolhas mais conscientes. O primeiro passo é reconhecer os motivos que levam à ingestão e estabelecer um objetivo claro, seja reduzir ou abandonar totalmente. Também é importante avaliar se o consumo de alcoólicos está controlado ou se já se tornou um problema.
“A dependência surge por uma interação entre inibição e estímulo de determinados neurotransmissores. Isso faz com que sejam necessárias doses progressivamente maiores para atingir o mesmo efeito”, explica Guilherme Olival, neurologista da BP — A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
“Quando há uma interrupção após períodos prolongados, ocorre um desequilíbrio cerebral, resultando em abstinência — é como se o organismo solicitasse a substância para manter a estabilidade.”
O aspecto emocional também deve ser considerado. Isso porque, ao afetar o sistema dopaminérgico, o hábito reforça padrões compulsivos. O ambiente social exerce influência nesse processo, já que as lembranças ligadas ao álcool geram movimentos automáticos, caracterizando o chamado vício social.
Quando alguém opta por reduzir ou interromper o consumo, outra dificuldade a enfrentar é o sober shaming — constrangimento social provocado por quem discrimina ou marginaliza aqueles que escolhem a sobriedade. Frases como “só um gole não faz mal” ou “você está doente?” são frequentes, refletindo a resistência das pessoas em aceitar que alguém possa simplesmente não querer beber.

Esse comportamento cria um ambiente desagradável e, muitas vezes, desmotiva quem pretende adotar um estilo de vida sóbrio. Mas ninguém precisa passar por esse desafio sozinho.
“Hoje, existem várias abordagens para auxiliar quem enfrenta esses problemas, desde medicamentos que diminuem a vontade até terapias que fortalecem o autocontrole. Também há instituições públicas e privadas que oferecem suporte”, afirma o médico.
Ainda que seja desafiador, quem consegue passar para o lado da sobriedade jura que o esforço compensa — e não só por causa dos efeitos óbvios. “O mais impressionante desse processo foi a estabilização do humor. Não há mais aquela depressão da ressaca. Também percebi que, durante a semana, consegui ficar mais equilibrada, meu sono melhorou, minha pele ficou mais bonita, eu desinchei e consegui organizar melhor meu tempo”, compartilha Jana.
O preço do drinque
Acidentes de trânsito: Dados do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) indicam que, em 2021, houve pelo menos 8,7 internações e 1,2 morte por hora devido à combinação de álcool e direção.
Dependência: A OMS define a dependência como um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que surgem após o uso repetido de álcool. No Brasil, estima-se que 1,4% da população seja afetada. Os sintomas mais comuns incluem o desejo intenso de beber e a dificuldade em interrompê-lo.
Danos físicos: Problemas renais, cardiovasculares e hepáticos, como cirrose e pancreatite, estão entre as consequências frequentes do abuso e podem ser fatais.
Violência: Um estudo do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Unifesp, apontou que o álcool está presente em 50% dos casos de violência doméstica. A substância atua como um catalisador da agressividade ao comprometer o julgamento de quem bebe.
Morte: Outro relatório da OMS destaca que 2,6 milhões de mortes anuais são atribuídas ao álcool, o que equivale a 4,7% de todas as mortes globais. Em 2019, foram 104,8 mil óbitos, o que significa uma média de 12 por hora.
Depressão: Em um primeiro momento, uma dose pode dar a sensação de descontração. Porém, o álcool age como um depressor no sistema nervoso. “Ele causa depressão crônica porque leva a um desequilíbrio neuroquímico”, avalia Guilherme.
Busque ajuda
AA – Alcoólicos Anônimos: Irmandade formada por homens e mulheres que compartilham vivências, forças e esperanças para superar o alcoolismo e ajudar outras pessoas no mesmo processo. (11) 3229-3611
GRUPOS Al-Anon: Oferecem acolhimento e orientação para familiares e amigos de pessoas com dependência, promovendo mudanças de atitude que auxiliam na recuperação. (11) 3331-8799
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS): Unidades públicas regionais especializadas em assistência psicológica de pessoas que necessitam de suporte contínuo. Contam com equipes multidisciplinares e integração com outros serviços de saúde.
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