Filme “90 Decibéis” marca a estreia de Benedita Casé como atriz
Diagnosticada com surdez na infância, a diretora audiovisual interpreta uma advogada que perde a audição e precisa lidar com as mudanças que isso provoca

O nascimento de Benedita Casé não foi fácil. Sua mãe, Regina, enfrentou um descolamento de placenta. Em seguida, a bebê desenvolveu uma pneumonia grave e precisou de uma combinação potente de antibióticos — o que acabou lesionando seu nervo auditivo. O diagnóstico da deficiência veio apenas aos quatro anos e, desde então, ela se comunica através de aparelhos sonoros.
Contra todas as expectativas, como a própria destaca, a vida a levou em direção ao audiovisual. E agora, aos 35 anos, tem estreia marcada como protagonista no filme 90 Decibéis, produzido pelos Estúdios Globo.
A trama acompanha uma advogada que perde gradualmente a audição e precisa lidar com as mudanças que isso provoca. O roteiro é assinado por Julia Spadaccini, mulher surda e defensora ativa da inclusão de pessoas com deficiência no meio. O longa será exibido neste mês no Festival de Cinema Brasileiro de Paris e estreia no segundo semestre deste ano, na Globo. Abaixo, confira a entrevista completa com a atriz:
CLAUDIA: Essa é sua estreia como atriz. Já era uma vontade?
Nunca tinha pensado nisso. Até tentei lembrar algum momento em que foi uma possibilidade. Mas qualquer coisa relacionada à comunicação era distante. Também já tive muitas questões com a fala. Para mim, é um esforço grande. Temos o costume de dizer que quem é surdo tem um sotaque porque, quando você não escuta, não consegue reproduzir o som da mesma maneira. E, quando fui trabalhar com audiovisual, fui para trás da câmera. Era mais fácil assim. Também evitei esse caminho pois minha mãe sempre foi muito gigante, então há uma pressão para que eu seja boa. Ainda assim, é muito legal que a vida deu um jeitinho de fazer isso acontecer.
CLAUDIA: Como você se descobriu profissionalmente?
Fui trabalhar na Globo como pesquisadora de conteúdo e fiquei quase seis anos. Na época, minha mãe tinha o Esquenta e eu fiz a pesquisa de conteúdo do programa. Depois, migrei para pesquisa musical, já que a emissora trazia diversos artistas. Muitas pessoas não acreditavam que isso fosse possível, mas sempre gostei de música. Até que, no ano passado, surgiu o convite para fazer o teste para esse filme – a história se cruzava com a minha porque a protagonista é uma surda que ouve, um termo usado para falar sobre quem usa alguma tecnologia, como aparelho auditivo ou implante. Me apaixonei pela história e percebi que era a hora de dar esse novo passo.
CLAUDIA: Quando foi a primeira vez que você falou publicamente sobre ser surda?
Tive um encontro importante com a Paula Pfizer, uma mulher surda que usa implante coclear. Quando conversamos, percebi que não tinha convívio com outras pessoas que viviam a mesma coisa que eu e, quando tive essa oportunidade, me senti aliviada. Digo isso porque em muitos momentos eu acabei fugindo desse mundo, queria tentar fazer as coisas como qualquer outra pessoa – estudar em uma escola regular e não em uma instituição especializada, por exemplo. Foi aí que ela me chamou para falar sobre o tema em um programa online. Quando postei, meu aplicativo travou com tantas mensagens de pessoas que tinham um diagnóstico parecido com o meu, mães atípicas, médicos… A partir daí, recebi um apoio muito positivo e senti que precisava aproveitar minha visibilidade para falar sobre isso.
CLAUDIA: Sua mãe é uma pessoa admirada pelo país todo – como atriz, apresentadora e pessoa. Qual é o papel dela na sua vida?
Nossa conexão é muito forte. A gente teve uma simbiose no momento em que nasci. É como se fossemos uma extensão uma da outra. Tudo o que faço tem a opinião e o olhar dela. Minha mãe me criou em meio à diversidade e sou muito agradecida porque isso mudou a minha vida. Com ela, aprendi que precisamos celebrar as diferenças e é o que tento passar para o Brás, meu filho.
CLAUDIA: Quais são os desafios e realizações que a maternidade trouxe?
Quando descobri que estava grávida, tomei um susto! Eu queria ser mãe, mas não foi planejado. No começo, foi um medo enorme: de não conseguir identificar o que ele queria, de não conseguir acordar durante a noite, de ficar dependendo de alguém e de não ter capacidade de criá-lo. Mas entendi que tudo isso era uma grande besteira quando percebi que nos entendíamos de uma forma muito natural. Ele faz várias coisas no automático, sem eu precisar ensinar. Aprendemos um com o outro a cada dia – ele é meu terceiro ouvido, me avisa tudo o que está acontecendo ao redor. O Brás me ensinou que inclusão nada mais é do que uma troca genuína.
CLAUDIA: No TikTok, há diversos influenciadores que falam sobre isso. A internet ajudou a ampliar a conscientização sobre o tema?
Com certeza. Hoje há muitos conteúdos não só sobre surdez, mas sobre capacitismo. Há vídeos que falam sobre o dia a dia, que ensinam, são didáticos e que mudam a perspectiva das pessoas. A internet possibilitou um acesso enorme, só não entende o assunto quem não quer. Sou totalmente a favor desses vídeos que promovem o diálogo. Todo mundo está aprendendo todos os dias.
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