Além da solução: Onde a inovação realmente acontece
Além da solução: Onde a inovação realmente começaExplorando como os espaços do problema e da solução moldam o futuro dos produtos.Foto por Kvalifik em UnsplashTodo produto aspira e precisa inovar. Mais do que isso: busca aquela inovação radical que molda o futuro, redefine padrões e sacode o mercado.No entanto, poucas empresas compreendem realmente os diferentes tipos de inovação, e principalmente, em que momento do Product Discovery eles costumam emergir.Com este artigo, meu objetivo é:Aprofundar o conceito de inovação, conectá-lo à cultura de produto, eRevelar onde a disrupção realmente acontece.A inovação “real”Nos últimos tempos, observo um discurso recorrente entre influenciadores de gestão de produto: a ideia de que “a inovação real acontece no discovery da solução”.Interpreto que esse “real” pode ter dois significados, que:A inovação materializa-se no “discovery da solução” — o que, por si só, já é questionável. Uma vez que a materialização da inovação ocorre na Entrega (ou em etapas equivalentes, nos diversos frameworks de produto que vemos por aí);O “real” se refere a algo disruptivo.No segundo caso, não imagino onde essa crença teve origem, mas acredito que ela representa um desserviço para times que atuam em culturas de produto de baixa maturidade.Existe forte pressão por entregar soluções “inovadoras” sem que os problemas tenham sido devidamente investigados. Ou seja, descreve a realidade da maioria das empresas que trabalham com produtos SaaS: Times e stakeholders internos com pouco entendimento em Product Discovery, que não investem tempo, estrutura ou intenção no espaço do problema.Se você duvida disso, basta olhar ao seu redor.Compare empresas que investem sistematicamente em pesquisa e design com aquelas que não investem. Qual delas está, de fato, criando as inovações verdadeiramente disruptivas?Esse raciocínio centrado na solução nutre uma cultura de pessoas “solucionadoras”, não de pessoas inovadoras.E, como consequência, fomenta empresas orientadas ao produto, e não aos usuários.Inovação sustentável vs. Inovação disruptivaPara aprofundar o conceito de inovação, é essencial entendermos como Clayton Christensen, professor da Harvard Business School e um dos principais pensadores sobre o tema, estruturou esse raciocínio.Em seu livro The Innovator’s Dilemma (1997), Christensen propôs dois tipos centrais de inovação:1. Inovação sustentável (sustaining innovation)Esse tipo de inovação busca aprimorar o desempenho de produtos ou serviços existentes, dentro do mesmo modelo de negócio e para os mesmos clientes. Pode envolver avanços tecnológicos, mas não altera as “regras do jogo”.“Inovações sustentáveis aprimoram produtos de maneira alinhada ao que os clientes já consideram valioso.”Foco: melhorar o que já funcionaClientes: os mesmos, geralmente os mais exigentesObjetivo: manter vantagem competitiva no mercado atualRisco: baixo a moderado2. Inovação disruptiva (disruptive innovation)Já a inovação disruptiva rompe com o modelo dominante.Em geral, começa com uma solução mais simples, mais barata ou com menor desempenho técnico, mas que atende a um novo público ou uma necessidade ainda não contemplada.“Inovações disruptivas não são tecnologias revolucionárias. São inovações que tornam produtos e serviços mais acessíveis e baratos, criando assim novos mercados.”Com o tempo, essa inovação evolui e pode substituir os líderes de mercado, transformando completamente o setor.Foco: criar uma nova abordagem para um problema conhecido ou negligenciadoClientes: inicialmente, nichos menos lucrativos ou não atendidosObjetivo: abrir um novo mercado ou reinventar um modeloRisco: alto, com incerteza sobre tração e adoçãoChristensen desenvolveu esses conceitos pensando em modelos de negócio e dinâmicas de mercado.Mas e se aplicássemos essa lógica à cultura de produtos SaaS?O que torna uma inovação sustentável ou disruptiva na cultura de produto?Para explorar essa questão vou usar quatro dimensões-chave:Valor entregueTipo de usuário impactadoRelação com o mercado atualImpacto no modelo mental de uso do produto.Um adendo:Modelo mental de uso é como os usuários imaginam e esperam que um produto funcione com base em experiências anteriores, hábitos culturais e metáforas cognitivas.Ele influencia como as pessoas navegam, interpretam, tomam decisões e atribuem valor a um produto.Quando dizemos que uma inovação “muda o modelo mental de uso”, estamos falando de uma mudança na lógica central da interação e do papel que o produto ocupa na vida do usuário.Conceituação feita, vamos ver como ficaria a conversão.1. Inovações sustentáveis em produtosSão aquelas que refinam, otimizam ou aprofundam o valor central já existente do produto.Aumentam a eficiência ou o desempenhoAtendem aos usuários atuaisMelhoram a experiência no modelo já validadoPreservam e expandem o core atual do produto.Exemplos:Adição de sistema de favoritos em uma plataforma de conteúdosNovo método de login (biometria, passkey)Melhorias em filtros, relat
Além da solução: Onde a inovação realmente começa
Explorando como os espaços do problema e da solução moldam o futuro dos produtos.
Todo produto aspira e precisa inovar. Mais do que isso: busca aquela inovação radical que molda o futuro, redefine padrões e sacode o mercado.
No entanto, poucas empresas compreendem realmente os diferentes tipos de inovação, e principalmente, em que momento do Product Discovery eles costumam emergir.
Com este artigo, meu objetivo é:
- Aprofundar o conceito de inovação, conectá-lo à cultura de produto, e
- Revelar onde a disrupção realmente acontece.
A inovação “real”
Nos últimos tempos, observo um discurso recorrente entre influenciadores de gestão de produto: a ideia de que “a inovação real acontece no discovery da solução”.
Interpreto que esse “real” pode ter dois significados, que:
- A inovação materializa-se no “discovery da solução” — o que, por si só, já é questionável. Uma vez que a materialização da inovação ocorre na Entrega (ou em etapas equivalentes, nos diversos frameworks de produto que vemos por aí);
- O “real” se refere a algo disruptivo.
No segundo caso, não imagino onde essa crença teve origem, mas acredito que ela representa um desserviço para times que atuam em culturas de produto de baixa maturidade.
Existe forte pressão por entregar soluções “inovadoras” sem que os problemas tenham sido devidamente investigados. Ou seja, descreve a realidade da maioria das empresas que trabalham com produtos SaaS: Times e stakeholders internos com pouco entendimento em Product Discovery, que não investem tempo, estrutura ou intenção no espaço do problema.
Se você duvida disso, basta olhar ao seu redor.
Compare empresas que investem sistematicamente em pesquisa e design com aquelas que não investem. Qual delas está, de fato, criando as inovações verdadeiramente disruptivas?
Esse raciocínio centrado na solução nutre uma cultura de pessoas “solucionadoras”, não de pessoas inovadoras.
E, como consequência, fomenta empresas orientadas ao produto, e não aos usuários.
Inovação sustentável vs. Inovação disruptiva
Para aprofundar o conceito de inovação, é essencial entendermos como Clayton Christensen, professor da Harvard Business School e um dos principais pensadores sobre o tema, estruturou esse raciocínio.
Em seu livro The Innovator’s Dilemma (1997), Christensen propôs dois tipos centrais de inovação:
1. Inovação sustentável (sustaining innovation)
Esse tipo de inovação busca aprimorar o desempenho de produtos ou serviços existentes, dentro do mesmo modelo de negócio e para os mesmos clientes. Pode envolver avanços tecnológicos, mas não altera as “regras do jogo”.
“Inovações sustentáveis aprimoram produtos de maneira alinhada ao que os clientes já consideram valioso.”
- Foco: melhorar o que já funciona
- Clientes: os mesmos, geralmente os mais exigentes
- Objetivo: manter vantagem competitiva no mercado atual
- Risco: baixo a moderado
2. Inovação disruptiva (disruptive innovation)
Já a inovação disruptiva rompe com o modelo dominante.
Em geral, começa com uma solução mais simples, mais barata ou com menor desempenho técnico, mas que atende a um novo público ou uma necessidade ainda não contemplada.
“Inovações disruptivas não são tecnologias revolucionárias. São inovações que tornam produtos e serviços mais acessíveis e baratos, criando assim novos mercados.”
Com o tempo, essa inovação evolui e pode substituir os líderes de mercado, transformando completamente o setor.
- Foco: criar uma nova abordagem para um problema conhecido ou negligenciado
- Clientes: inicialmente, nichos menos lucrativos ou não atendidos
- Objetivo: abrir um novo mercado ou reinventar um modelo
- Risco: alto, com incerteza sobre tração e adoção
Christensen desenvolveu esses conceitos pensando em modelos de negócio e dinâmicas de mercado.
Mas e se aplicássemos essa lógica à cultura de produtos SaaS?
O que torna uma inovação sustentável ou disruptiva na cultura de produto?
Para explorar essa questão vou usar quatro dimensões-chave:
- Valor entregue
- Tipo de usuário impactado
- Relação com o mercado atual
- Impacto no modelo mental de uso do produto.
Um adendo:
Modelo mental de uso é como os usuários imaginam e esperam que um produto funcione com base em experiências anteriores, hábitos culturais e metáforas cognitivas.
Ele influencia como as pessoas navegam, interpretam, tomam decisões e atribuem valor a um produto.
Quando dizemos que uma inovação “muda o modelo mental de uso”, estamos falando de uma mudança na lógica central da interação e do papel que o produto ocupa na vida do usuário.
Conceituação feita, vamos ver como ficaria a conversão.
1. Inovações sustentáveis em produtos
São aquelas que refinam, otimizam ou aprofundam o valor central já existente do produto.
- Aumentam a eficiência ou o desempenho
- Atendem aos usuários atuais
- Melhoram a experiência no modelo já validado
- Preservam e expandem o core atual do produto.
Exemplos:
- Adição de sistema de favoritos em uma plataforma de conteúdos
- Novo método de login (biometria, passkey)
- Melhorias em filtros, relatórios ou integrações existentes.
2. Inovações disruptivas em produtos
Essas inovações transformam o uso, o público-alvo ou o valor percebido do produto.
- Criam novos comportamentos ou casos de uso
- Alcançam um público antes não atendido
- Mudam o modelo mental do produto
- Podem abrir novas linhas de receita ou originar um novo produto.
São mais raras e exigem pesquisa e validação cuidadosa — mas podem representar pontos de mudança de direção no posicionamento estratégico.
Exemplos:
- Um botão “Pedir pelo WhatsApp” que transforma um catálogo passivo em canal de conversão (como no Instagram ou iFood para negócios locais)
- O Google lançando o “Lens” na busca, mudando completamente a forma de pesquisar (de digitar para apontar a câmera)
- Um app de saúde que usa IA para interpretar exames laboratoriais e sugerir condutas personalizadas, mesmo antes da consulta médica.
Resumindo:

Agora vamos entender a relação dos espaços do problema e da solução com esses dois tipos de inovações.
Espaços do problema e da solução
A distinção entre espaço do problema e espaço da solução é hoje um dos pilares da prática moderna de design estratégico e gestão de produto.
A origem desses termos remonta a estudos acadêmicos sobre resolução de problemas nas áreas de psicologia cognitiva e inteligência artificial, nas décadas de 1970 e 1980.
Pesquisadores como Allen Newell e Herbert Simon já utilizavam a ideia de espaço do problema como uma representação formal dos estados possíveis e das operações aplicáveis até se alcançar uma solução.
A raiz desses conceitos é técnica — nasce da ciência da computação e da psicologia — bem antes de ganhar o encanto atual no vocabulário de produto e design.
Mas por que separar problema e solução?
A separação entre os dois espaços surgiu como uma resposta a um dos maiores vieses cognitivos em inovação: o viés da solução precoce. A tendência humana de “sair resolvendo” antes de entender profundamente o que precisa ser resolvido.
Essa distinção nos obriga a reconhecer que o valor não está apenas em entregar bem uma solução, mas principalmente em garantir que estamos resolvendo o problema certo.
A estruturação visual mais clara dessa separação surgiu com o modelo do Double Diamond, publicado pelo Design Council UK em 2004.
Nele, os dois diamantes representam dois momentos distintos:
- Explorar e definir o problema
- Explorar e entregar a solução
A partir daí, essa lógica foi fortemente influenciada pelo Design Thinking, ganhou tração com os conceitos de Lean Startup (Eric Ries, 2011) e se espalhou pelo mundo dos produtos com o Dual-Track Agile e o amadurecimento do Product Discovery.
Autores como Marty Cagan, em Inspired, reforçam a importância de entender o problema antes de construir a solução.
“Mas uma das lições mais importantes em nossa indústria é se apaixonar pelo problema, não pela solução.”
Sem ter um olhar aprofundado sobre o problema, dificilmente você terá os quatro grandes riscos (The Four Big Risks, Marty Cagan) bem mapeados:
- Risco de valor.
Se os clientes comprarão o produto/funcionalidade ou se os usuários escolherão usá-lo. - Risco de usabilidade.
Se os usuários conseguirão entender e usar o produto/funcionalidade corretamente. - Risco de viabilidade técnica.
Se nossos engenheiros conseguem construir o que é necessário com o tempo, as habilidades e a tecnologia disponíveis. - Risco de viabilidade de negócio.
Se a solução também é viável para os diversos aspectos do nosso negócio (modelo de receita, jurídico, marketing, operações, etc.).
Com exceção do risco de usabilidade, o entendimento dos demais riscos deve começar ainda no espaço do problema.
O objetivo é mitigá-los antes que avancem para o espaço da solução, onde surgem os tradicionais “bate-voltas” entre áreas:
- Engenheiros apontando que os cenários não foram bem mapeados pelos designers
- Product designers frustrados com limitações técnicas não previstas
- Product managers sendo cobrados pelos designers por não reservarem tempo suficiente para investigar o problema com profundidade.
Quando esses riscos são negligenciados no espaço do problema, eles vão aparecer bem maiores no espaço da solução. Pode ter certeza!
Hoje em dia, podemos dizer que Teresa Torres consolida de forma explícita os termos espaço do problema e espaço da solução em sua abordagem de Continuous Discovery Habits. Ela é uma das principais vozes influenciando times de produto a pensarem estrategicamente sobre o problema — e não apenas sobre a solução.
“Times de produto devem gastar tanto tempo tentando entender o problema quanto construindo a solução.”
Mas afinal, o que fazemos dentro de cada um desses espaços? E qual a relação das inovações sustentáveis e disruptivas com eles?
Espaço do problema e as inovações
O espaço do problema é o momento de explorar, investigar e compreender profundamente o contexto em que os usuários vivem, trabalham e enfrentam desafios.
É onde perguntamos:
- “O que realmente precisa ser resolvido?”
- “Como as pessoas resolvem isso hoje?”
- “O que ninguém está enxergando?”
- “Precisamos entender melhor como o código está estruturado hoje?”
- “Temos a tecnologia certa para esse problema?”
Trabalhar nesse espaço exige curiosidade, escuta ativa e suspensão de julgamento. Aqui, buscamos contexto antes de buscar respostas.
E engana-se quem acredita que esse é um território exclusivo de Product Managers e Product Designers. Engenheiros também devem estar aqui desde o início.
Não apenas para “viabilizar” uma solução futura, mas para ajudar a descobrir o que é possível, o que ainda não foi tentado e o que pode ser transformado com tecnologia.
“O pequeno segredo no desenvolvimento de produtos é que os engenheiros são, tipicamente, a melhor fonte individual de inovação — e, no entanto, eles nem sequer são convidados para a festa.”
— Marty Cagan, Inspired
Em empresas com baixa maturidade em UX e na cultura de produto, é comum que profissionais de engenharia nem sequer sejam convidados para momentos de ideação colaborativa (que acontecem lá no espaço da solução), quanto mais para etapas anteriores, como a investigação do problema.
Outro cenário recorrente: muitos engenheiros ainda veem esse tipo de participação como tempo desperdiçado, preferindo estar “produzindo código” do que explorando o problema. O que não percebem é que o tempo investido em entendimento poupa retrabalho, reduz incertezas e aumenta a qualidade da entrega lá na frente.
A tríade (PMs, PDs e Engenheiros) tem que percorrer o trajeto junta.
Entender o problema antes de executar não atrasa, acelera.
Atividades típicas nesse espaço incluem:
- Pesquisa exploratória (entrevistas, etnografia, shadowing)
- Análise de mercado e tendências emergentes
- Mapeamento de jornada e construção de empatia
- Formulação e priorização de hipóteses de oportunidade
- Workshops colaborativos de co-definição de problema com time multidisciplinar
- Discussões técnicas exploratórias sobre limitações e capacidades da stack atual
- Prototipação técnica rápida (tech spikes) para testar viabilidade de abordagens inovadoras
- Levantamento de débitos técnicos e restrições que afetam o problema
- Codificação de proof of concept (PoC) para validar premissas antes da solução formal.
O espaço do problema é um terreno fértil para descobrir lacunas ocultas, comportamentos negligenciados e necessidades não atendidas.
1. Inovação disruptiva no espaço do problema
É no espaço do problema que nascem as inovações mais transformadoras. Não porque alguém teve uma grande ideia do nada — mas porque alguém olhou o problema de um jeito que ninguém estava olhando.
A disrupção, nesse contexto, é fruto de investigação profunda, escuta e coragem de desafiar o óbvio.
A inovação disruptiva acontece quando:
- O problema percebido não é o verdadeiro problema
- Existe um novo jeito de abordar um problema antigo
- Há um comportamento emergente que ninguém está atendendo.
Exemplo
O botão “Comprar pelo WhatsApp” em plataformas de catálogo digital. Em vez de criar um e-commerce completo, algumas plataformas voltadas para pequenos negócios locais (como restaurantes, salões ou lojas de bairro) implementaram uma funcionalidade simples: um botão.
Na superfície, parecia só um atalho, mas na prática essa funcionalidade transformou catálogos passivos em canais ativos de conversão.
Antes disso, esses produtos serviam apenas como vitrine digital. Ao observar que os usuários já migravam para o WhatsApp para concluir compras, os times perceberam uma oportunidade: reduzir atrito e abraçar o comportamento informal como parte do fluxo oficial.
Essa mudança nasceu da escuta atenta de um comportamento emergente, não de uma ideia na solução.
Não foi só uma funcionalidade nova. Foi uma nova forma de enxergar valor, controle e conveniência na jornada de compra.
O espaço do problema permite exatamente isso: reimaginar o que é valor.
Mas isso exige:
- Ambiguidade: porque no começo, as perguntas são mais importantes do que as respostas.
- Exploração sem garantias: porque o retorno não é imediato.
- Desapego do roadmap: porque a resposta pode não estar no backlog.
Inovação disruptiva no espaço do problema não é sobre ter ideias geniais — é sobre ter coragem de investigar o que os outros consideram apenas “dado”.
2. Inovação sustentável no espaço do problema
Nem toda investigação profunda leva a uma disrupção. Muitas vezes, os maiores ganhos incrementais estão escondidos no detalhe; naquilo que ninguém olhou com atenção antes.
Esse espaço também é fértil para:
- Identificar frustrações cotidianas negligenciadas
- Repriorizar dores subestimadas
- Ajustar jornadas com impacto desproporcional.
Exemplo
Durante testes e análise de comportamento, a Netflix notou que muitas pessoas pulavam manualmente a introdução dos episódios. Esse detalhe levou à criação de um botão simples: “Pular abertura” — mas que se tornou símbolo da fluidez da experiência.
Esse exemplo foi uma inovação sustentável, com impacto direto na retenção e na percepção de valor.
O espaço da solução e as inovações
O espaço da solução é onde transformamos ideias em funcionalidades. Ele é essencial para entregar valor, iterar com agilidade e manter o produto competitivo no dia a dia.
No espaço da solução, já partimos de um entendimento fechado. O problema foi definido, validado, priorizado e as decisões estruturais já foram tomadas. Agora, o foco está em como solucionar e executar da melhor forma possível. O espaço da solução é uma consequência óbvia para a materialização de ambos os tipos de inovação.
O que acontece aqui:
- Geração de hipóteses com base em oportunidades já definidas
- Prototipação e testes de usabilidade
- Ajustes finos de UI, microinterações e fluxos
- Desenvolvimento de funcionalidades e integrações
- Definição e revisão da arquitetura da solução
- Adoção de padrões de código, testes automatizados e práticas de qualidade
- Refatorações estratégicas para escalar ou simplificar soluções
- Deploys, sprints e releases contínuos
- Medição de impacto com base em métricas de produto e performance técnica.
1) Inovação sustentável no espaço da solução
Esse tipo de inovação também pode acontecer aqui. Os times refinam a entrega de valor já validada, tornando o produto mais rápido, acessível agradável e eficiente.
Exemplos:
- Redesenhar a tela de checkout para reduzir fricção
- Otimizar tempo de carregamento no mobile
- Ajustar microtextos para orientar o usuário
- Melhorar a usabilidade de determinada jornada.
Essas inovações raramente ganham as manchetes — mas têm impacto direto nas métricas de retenção, conversão e engajamento. São essenciais para manter produtos competitivos em mercados maduros.
Nenhuma dessas inovações, por mais bem executadas, vai reposicionar seu produto no mercado. Elas aprimoram, mas não reinventam.
2. Inovação disruptiva no espaço da solução
É uma ilusão achar que teremos inovações disruptivas nesse espaço. Ideias que parecem ousadas, mas que ocorrem nos limites de um problema já definido, não geram disrupção. Isso porque a inovação disruptiva exige ruptura de entendimento, não apenas execução criativa.
Alguns exemplos que podem ser confundidos com disrupção:
- Trocar toda a stack de tecnologia buscando performance — mas mantendo o mesmo modelo de entrega de valor.
- Redesenhar a interface inteira — sem mudar o modelo mental de uso.
- Aplicar IA só para acelerar o que já era feito — sem alterar o modelo mental de uso.
A maioria das “inovações” que surgem no espaço da solução são, na verdade, incrementos técnicos que não mudam o jogo. Apenas garantem que a gente siga jogando.
Ambos tipos de inovações (disruptivas e sustentáveis) são necessárias. Mas inovar de forma radical exige escolhas menos óbvias.
O espaço da solução é onde demonstramos nossa capacidade técnica de gerar pequenas inovações sustentáveis e de materializar as inovações provenientes do espaço do problema. E é lá que exercitamos nossa sensibilidade estratégica e nossa capacidade de ver o que os outros não veem. E com isso, gerar inovações com maior impacto: as inovações disruptivas.
Inovações sustentáveis são como o cuidado diário com um jardim: você poda, aduba, ajusta a irrigação. Mas inovações disruptivas exigem uma pausa para perguntar: “Será que ainda estamos plantando no solo certo?”.
Elas pedem tempo, estrutura, escuta ativa e desconforto. Pedem coragem para abrir mão do controle e da certeza por algum tempo — em troca de descobrir o que pode realmente mover o ponteiro.
Empresas que querem inovar “de verdade” não precisam apenas de times bons em solução.
Precisam de times com autonomia e tempo disponível para explorar com boas perguntas.
O espaço do problema não é um luxo.
É lugar estratégico que separa quem mantém produtos vivos de quem cria futuros possíveis.
Bônus #1: Como identificar se uma oportunidade pode ter potencial disruptivo
Para rodar essa checklist você precisa ter um problema definido e validado, ou seja, uma oportunidade.
A ideia é que se a maioria das respostas for “não”, o problema é uma inovação sustentável, se a maioria for “sim”, é disruptiva.
- Alcança um novo tipo de usuário ou mercado?
- Introduz uma nova lógica de uso (não apenas uma melhora à atual)
- Reduz drasticamente o custo ou barreira de entrada?
- Pode originar um novo produto ou modelo de negócio?
- Reposiciona o produto no mercado ou frente aos concorrentes?
Bônus #2: Árvore de Problemas

Já que mencionei a Teresa Torres no artigo, vale um adendo importante: já vi muitos times de produto usarem a Árvore de Oportunidades como uma forma de acelerar decisões e ir direto para soluções — sem antes compreender profundamente os problemas.
Mas atenção:
Um problema só se torna uma oportunidade depois de ser investigado, definido com clareza e validado com evidências.
As oportunidades, derivadas desses problemas, são o ponto de partida para explorar o espaço da solução. Por isso, a Árvore de Oportunidades, como proposta pela Teresa, atua no espaço da solução, ajudando a organizar hipóteses de solução que respondam a necessidades reais.
No entanto, você pode adaptá-la para um estágio anterior, como fiz aqui neste template — usando-a como uma “Árvore de Problemas”, que evolui à medida que os problemas são investigados e validados, transformando-se gradualmente em oportunidades reais a serem usadas na Árvore de Oportunidades.
Referências e leituras complementares
Livros
- The Innovator’s Dilemma, Clayton Christensen
- Human Problem Solving, Herbert A. Simon & Allen Newell
- The Lean Startup, Eric Ries
- Inspired: How to Create Tech Products Customers Love, Marty Cagan
- Continuous Discovery Habits, Teresa Torres
Artigos
- Double Diamond, Design Council UK
- The Four Big Risks, Marty Cagan
- Conhecendo o dual track: foco na entrega de valor, Leonardo Salvador
- Triple Track Agile: uma combinação de Problem Space com Solution Space, Renato Caliari
Além da solução: Onde a inovação realmente acontece was originally published in UX Collective