Os 20 anos de “Howl”, do Black Rebel Motorcycle Club, um dos grandes disco deste século

Em 2025, o BRMC celebra 20 anos de "Howl" numa turnê comemorativa de quase 50 datas pela América e Europa

May 16, 2025 - 19:00
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Os 20 anos de “Howl”, do Black Rebel Motorcycle Club, um dos grandes disco deste século

Lançado em agosto de 2005 pela Red Int/Red Ink após a banda ser dispensada pela Virgin (“Take Them On, On Your Own”, o segundo disco, não foi tão bem recebido), “Howl” foi um guinada radical na sonoridade do Black Rebel Motorcycle Club. De uma hora para outra, após entregar seu coração a um acorde simples e a uma nova religião, o BRMC pendurava o garage rock no armário tornando palpáveis as palavras de sua canção mais famosa: “O que aconteceu com o nosso rock’n’roll?”

“Howl” foi um rompimento drástico, ainda que momentâneo, mas um passo sábio. Enquanto muitas das bandas que surgiram na mesma leva roqueira do começo do século já estavam se auto-copiando com cinco anos de atividade enquanto exibiam sintomas de estagnação criativa, o Black Rebel Motorcycle Club fazia um disco de cowboy, não o cowboy do asfalto, com moto, jaqueta de couro e capacete, mas o cowboy das encruzilhadas do meio do nada. “Howl” dividiu opiniões, mas quem se dispoz a mergulhar nele ganhou um álbum pra toda vida.

Em 2025, o BRMC celebra 20 anos de “Howl” quebrando um silêncio de cinco anos longe dos palcos numa turnê comemorativa de 25 datas na América que durante setembro e outubro passará por Seattle, Minneapolis, Nova York, Austin, Chicago, Toronto, Los Angeles e San Francisco. Em novembro e dezembro, a “Howl 20º Anniversary Tour” desembarca na Europa para mais de 20 datas (incluindo noites nas íconicas casas Paradiso, em Amsterdã, Olympia, em Paris, e 02 Academy, em Londres, sem contar um fim de semana num resort no Mar Báltico alemão com Bob Mould e Jon Spencer.

Abaixo, o texto da época publicado em 22 de dezembro de 2005 no Scream & Yell.

texto de Marcelo Costa

Mais do que qualquer outro estilo de música, o rock foi sempre aquele que permitiu que artistas girassem em 180 graus suas carreiras, mudando o foco de sua música, de seus desejos. Caso clássico, aquela banda chamada Beatles começou como uma “boy band” cheia de hits básicos até se afundar nas drogas, instrumentos exóticos e grandes melodias. Exemplos mais pujantes são Neil Young e Elvis Costello. O primeiro chegou a ser processado pela própria gravadora, que alegava que Young lançava discos que não pareciam ser dele mesmo. Costello não foi processado, mas se Young foi, ele também deveria ser, tamanha sua cara de pau em experimentar quase tudo o que a música lhe permite.

Beatles, Neil Young, Elvis Costello. Trio de luxo, hein. E o que eles estão fazendo em um texto sobre “Howl”, terceiro rebento do trio Black Rebel Motorcycle Club? Bem, é que “Howl” não tem nenhuma relação com os trabalhos anteriores da banda. Peter Hayes (guitarra e vocal), Robert Turner (baixo) e Nick Jago (bateria) jogaram pela janela as influências de garage rock, Jesus & Mary Chain e My Bloody Valentine que marcaram os dois discos anteriores para se concentrar em uma música tão atemporal quanto velhusca: o blues, o soul e o folk. O resultado é um disco tão sensacional, mas tão sensacional, mas tão sensacional, que chega a congelar o desejo por outras batidas, outros sons, outras pulsações. “Howl” honra as sete letras da palavra matador.

Não que as influências anteriores tenham deixado o som do grupo totalmente. Peter ainda canta como se estivesse em uma sessão de gravação da banda dos irmãos Reid. Porém, o som que faz cama para a voz melodiosa e com um q de entediada de Peter abusa dos violões e gaitas. Nada de microfonia, nada de barulho. O Black Rebel Motorcycle Club abandona a adolescência e adentra com estilo a idade adulta da música pop. Assim como “Get Behind Me Satan”, álbum deste ano do duo White Stripes, “Howl” deixa as guitarras de lado. No entanto, enquanto há uma aura de festinha no som do White Stripes de “Satan” (e os clipes de “The Denial Twist” e da fofa “My Doorbell” não me deixam mentir), “Howl” é um álbum triste.

O primeiro som do disco é a voz de Peter, sobreposta várias vezes, cantando repetidamente: “O tempo não conservará nossas almas”. “Shuffle Your Feet”, a faixa em questão, é conduzida por violões, bateria e percussão. Uma guitarrinha safada cruza o caminho solando. Se você conhecia bem a banda e começar escutando essa faixa vai estranhar imediatamente. “Isso não é Black Rebel Motorcycle Club”. E não é mesmo. É uma banda melhor do que aquela que foi apontada como salvação da cena indie mundial. E a faixa título, que vem na seqüência, é a que mais lembra o repertório antigo, transformando o que era noise guitar nos discos anteriores em blues espacial neste. Clichê: o BRMC que todos conheciam morreu. Viva o novo BRMC.

Enquanto a faixa título romantiza e choraminga, “Devil’s Waitin'” afunda o ouvinte na história de um cara que espera pelo demo, como se fosse um Bob Dylan em uma encruzilhada. Na verdade, a letra lembra muito mais o Clint Eastwood do épico “Os Imperdoáveis” (1992). É algo assim: “Dizem que eu sou o assassino e tudo estará feito / As portas não estarão abertas quando eu retornar”. Dai em diante o disco se divide entra countrys ora acelerados, ora calmos. Entre os acelerados, “Ain’t No Easy Way” e “Complication Situation” se destacam. Dos calmos, “Still Suspicion Holds You Tight”, com citação atravessada de Elvis Presley, e “Sympathetic Noose” são ótimas pedidas. Ao todo são treze faixas redentoras.

O Black Rebel Motorcycle Club acertou em cheio em seu terceiro álbum. Agora, eles deixaram de ser mais uma bandinha do Novo Rock que emula bandas dos anos oitenta para lançar um dos possíveis discos obrigatórios de 2005. Não um disco para se dançar na balada, mas para se ouvir em casa por dias e noites a fio.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.