Abate de árvores na 5 de Outubro: “Estamos completamente ao contrário do resto do mundo”
Câmara planeia abater 25 jacarandás para criar estacionamento, mas diz que projecto prevê “aumento considerável de área verde”. Mais de 20 mil cidadãos assinaram petição contra e prepara-se uma manifestação.


"Por motivo de urbanização, e por não ter viabilidade para transplante, esta árvore será abatida. No âmbito da obra será substituída por novos exemplares de outra espécie." O aviso foi colocado em várias árvores da Avenida 5 de Outubro e fez nascer a inquietação. A obra em causa, veio a saber-se depois, é o parque de estacionamento subterrâneo de Entrecampos, incluído no mega-empreendimento do grupo Fidelidade, na zona da antiga Feira Popular, e foi comunicado num período em que, de Campo de Ourique a Alvalade, foram anunciados vários equipamentos do género. "Estamos completamente ao contrário do resto do mundo", defende o activista Nuno Prates, mais conhecido como The Lisboan Gardener, ao telefone com a Time Out.
Em Entrecampos, especificamente, a autarquia prevê remover 47 árvores da Avenida 5 de Outubro, sendo que 22 "serão transplantadas para outras áreas verdes da freguesia", com todos os riscos que o transplante de uma árvore de grande porte implica. As restantes não reúnem "condições para transplante", informa a Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Tanto o projecto de abater dezenas de árvores na cidade como a comunicação "hostil e seca" da parte da CML gerou uma onda de contestação entre os cidadãos, que lançaram uma petição contra o abate dos jacarandás, possivelmente planeados já no final do século XIX, no âmbito do projecto de desenho das Avenidas Novas, de Ressano Garcia. Assim que ultrapassou as 20 mil assinaturas, a "carta aberta" foi enviada à Assembleia Municipal de Lisboa, à CML, à Fidelidade Property e à Junta de Freguesia das Avenidas Novas, partilha Pedro Franco, um dos seis moradores da zona que encetou o movimento por detrás desse documento. "Pedimos uma audição à Assembleia Municipal... Até agora, não recebemos qualquer contacto por parte de nenhuma das entidades. E espanta-nos que tenham prestado primeiro informações a um jornal do que a nós, os primeiros interessados", indigna-se o cidadão.
Com o Observador, que revela ter formulado uma série de questões sobre o projecto sem receber respostas concretas, o gabinete de imprensa do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, partilhou uma apresentação na qual consta que "os 21 transplantes vão ser realizados num raio inferior a três quilómetros do ponto de origem e que à, excepção de um, todos os outros transplantes irão decorrer na freguesia das Avenidas Novas". Além disso, a autarquia sublinha que, após o fim dos trabalhos, a 5 de Outubro terá 118 árvores em vez das 77 actuais. Mas será equivalente para a cidade ter árvores adultas e árvores de pequeno porte, com pequenas copas? "Qualquer pessoa que tenha feito estudo do meio consegue compreender que isso é um erro", responde Pedro Franco.
As árvores que vivem hoje na avenida não são centenárias, ao contrário do que tem sido veiculado em diferentes publicações, até porque, se assim fossem, estariam catalogadas como protegidas. Mas para Nuno Prates não é isso que importa. "O que a lei diz é bastante vago, que devem ser plantadas duas árvores por cada uma que seja abatida. Sabemos que essa substituição não é real na prática", tanto em termos de vista, como de sombras, de capacidade de arrefecer o ambiente e de regenerar o ar. "Sabemos também que vai demorar muito tempo até se atingirem árvores daquele tamanho. E que nunca vai ser assim bonito como eles [a Câmara de Lisboa] mostram nas imagens [3D do projecto]", continua o jardineiro.
A 5 de Outubro não é caso único
O caso de Entrecampos está agora envolto em grande agitação mediática, mas para Nuno Prates é importante lembrar que este não será o único caso de um projecto da cidade que vai contra "o pouco do património natural que resta". "A Avenida Fontes Pereira de Melo viu árvores serem plantadas há dez anos e ainda hoje elas estão pequenas, porque têm por baixo o túnel do metro. Não vi o projecto da 5 de Outubro com detalhe, mas penso que as árvores que a Câmara diz que vai plantar serão em cima da cobertura do parque do estacionamento e isso não permite que elas se desenvolvam", exemplifica. O mesmo terá acontecido junto à Praça de Londres, em que a existência de uma plataforma por cima de um parque para automóveis vai contra o crescimento normal das árvores na cobertura.
"É inqualificável, com tudo o que sabemos hoje, abater-se uma árvore para criar estacionamento. Quanto mais 47! E eu não sou contra o progresso ou contra projectos imobiliários. Isso é outro assunto. Mas o desenvolvimento não implica a destruição", acredita Nuno Prates, dando o exemplo de Paris, que aprovou em referendo, este domingo, 23 de Março, fechar 500 ruas ao trânsito e eliminar 10 mil lugares de estacionamento, ou de Madrid, que está a afundar a "correspondente" à Segunda Circular lisboeta para criar um jardim por cima do mesmo local. "O que existe de património natural deve ser mantido e os projectos devem contorná-lo. Neste caso, da 5 de Outubro, há mesmo muito espaço para isso: são 54 mil metros quadrados", defende o activista.
Acção de rua a caminho
Pedro Franco – que se lembra desde criança dos jacarandás da 5 de Outubro, tal como os pais – está agora a discutir com um grupo de moradores de Entrecampos o que fazer para travar o abate de árvores. "Isto não é só um assunto de redes sociais. Queremos impedir que o abate aconteça e sabemos que todos os dias contam", explica.
Dado o carácter de urgência (a Câmara nunca indicou uma data para o abate das árvores em causa), estão a organizar uma acção de rua para breve, "muito provavelmente para o fim-de-semana" de 29 de Março. "O mais provável é ser uma ocupação de rua. Queremos mostrar que o espaço público nos pertence. O jacarandá faz parte desta avenida em que nos encontramos e cruzamos todos os dias, e faz parte das nossas memórias. E a rua é dos cidadãos", remata o morador.
A data da manifestação deverá ser anunciada até ao final desta segunda-feira, 24 de Março, através das redes sociais dos envolvidos. Quem estiver interessado deve acompanhar o perfil de Pedro Franco.
Este é o nosso Império Romano: siga-nos no TikTok