Crítica: “Thunderbolts*” é, enfim, o acerto que todos esperavam da Marvel
Na pior das hipóteses, afinal, o que se tem aqui é um filme em ocasiões falho, mas certo de si e honesto em suas intenções e certo de suas virtudes.

texto de Davi Caro
Pensar em “Thunderbolts*” (2025), de Jake Scherier, lado a lado com os mais recentes lançamentos da Marvel Studios pode até parecer um exercício de boa vontade, tendo em vista a flutuante qualidade do material visto nos cinemas e no streaming ao longo dos últimos anos. Especialmente levando em conta o clima de insatisfação após “Capitão América: Admirável Mundo Novo” ou “Demolidor: Renascido” (ambos de 2025), é de se esperar certo ceticismo, uma vez que os parcos resultados obtidos com personagens já bem estabelecidos não inspiram grandes esperanças de um longa conduzido, como este, por anti-heróis e vilões relutantemente unidos contra um mal maior. Basta olhar para as duas adaptações já realizadas, pela Distinta Concorrência, do Esquadrão Suicida (uma de 2017, e outra de 2020) para entender o quão exausta esta fórmula sempre foi. O que só torna o trunfo de “Thunderbolts*” ainda mais surpreendente.
36º longa do Universo Cinematográfico Marvel, “Thunderbolts*” se beneficia das baixas expectativas para entregar uma narrativa que amplia desenvolvimentos de personagens já vistos (inúmeras vezes, no caso de um deles), e constrói um enredo repleto de camadas que trazem reflexões surpreendentes, em sua sutileza, sobre vários dilemas presentes na vida de todos – super-poderosos ou não. O resultado não apenas supera o que se poderia esperar de um filme atual situado no MCU, como também pode ser o melhor filme ambientado neste universo, pelo menos, desde “Guardiões da Galáxia, Vol. 3” (2023).
Na trama, Yelena Belova (Florence Pugh) acha que está deprimida. Pelo menos é o que ela evidencia na abertura do longa, quando, ironicamente, está prestes a saltar de um dos mais altos edifícios do mundo. No caso, para cumprir uma missão secreta, em nome da diretora da CIA Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus). Distante do pai adotivo Alexei – o desleixado e bonachão ex-super-herói soviético Guardião Vermelho, vivido por David Harbour – e ainda carregando o luto pela irmã, Natasha Romanov (anteriormente interpretada por Scarlett Johannson), a nova Viúva Negra sente falta de um propósito, que as execuções e queimas de arquivo por encomenda ficam longe de cumprir.
Em um prometido último trabalho antes de embarcar em ações menos obscuras, Yelena se depara com outras figuras tão à deriva quanto si própria, por diferentes motivos: o militar John Walker (Wyatt Russell), vulgo Agente Americano, que se esforça para lidar com o peso de suas ações em seu curto período como Capitão América (como mostrado em “Falcão e o Soldado Invernal”, de 2021); a mortífera assassina Taskmaster (Olga Kurylenko), capaz de copiar diferentes estilos e formas de combate e, agora, liberta de sua prévia lavagem cerebral por Belova e Romanov (em “Viúva Negra”, 2021); e a furtiva Ava “Ghost” Starr (Hannah John Kamen), capaz de atravessar paredes ao controlar a própria tangibilidade (graças aos acontecimentos de “Homem Formiga e a Vespa”, lançado em 2018).
Não demora muito para que o grupo seja apresentado ao confuso e paranóico Bob (Lewis Pullman), cobaia e único sobrevivente do misterioso “Projeto Sentinela”, bem como para descobrirem que a tal “última missão” nada mais é do que uma tentativa de eliminação sumária por parte de Valentina, o elo que une todos os irremediáveis personagens. Isto porque a agente governamental sofre com uma investigação – observada de longe por Bucky Barnes, AKA Soldado Invernal (Sebastian Stan), agora um político em ascensão que deseja encontrar formas de encarcerar de Fontaine por meios mais “oficiais”. O aparecimento de Bob e os mistérios além de sua existência e dos experimentos ao qual foi conduzido acabam por expor uma série de segredos por trás dos esforços para construir um super-humano capaz de preencher o vazio deixado pela dissolução aparente dos Vingadores, e, com Alexei somado ao time, os disfuncionais anti-heróis precisam encontrar uma forma de levar a poderosa figura de sua “chefe” à justiça – se antes conseguirem se entender, e compreender que suas semelhanças vão muito além de suas diferenças.
Tudo isso ajuda a dar uma ideia por trás da dimensão que a história pregressa de todos os personagens têm em suas jornadas, tanto pessoal quanto coletivamente, até o final do filme. É válido, porém, dizer que um expectador menos familiarizado com o universo compartilhado poderia, sim, também acompanhar e aproveitar a narrativa construída. E muito disso se vale ao bem arranjado elenco: a Yelena de Florence Pugh conquista para si o título de “protagonista não oficial”, estando no centro de muitos dos dilemas enfrentados ao longo da película, e faz por merecer graças ao carisma trazido desde sua primeira aparição, no já citado “Viúva Negra”.
Já Sebastian Stan, infelizmente, possui uma atuação quase alheia ao espírito do filme, estando aquém do potencial esperado de um personagem já tão conhecido. Uma pena, já que tanto David Harbour quanto Lewis Pullman fazem de personagens mais “alheios” e desconectados o cerne emocional do longa – com o escrachado alívio cômico proveniente do primeiro funcionando como contraponto à atormentada inocência do segundo, por si só um contraste com sua eventual persona super-heroica (interessante pensar que o papel de Pullman havia sido originalmente destinado a Steven Yeun, de “The Walking Dead” e “Invencível”). E o magnetismo de Valentina de Fontaine, óbvio, é mérito direto da calculada atuação de Julia Louis-Dreyfus, trazendo consigo muito da carga bem-humorada que marcou seu trabalho na série “Veep”.
O outro grande ponto positivo de “Thunderbolts*” está em um roteiro que, se não é capaz de escapar de todos os clichês aos quais uma produção deste tipo (e com esse apelo mainstream) é sujeita, pelo menos consegue adornar um divertido filme de equipe com discussões que trazem à tona temas relacionados à saúde mental sem caírem em direção ao pedante, e que são fundamentais para a conexão com os protagonistas. Todos eles, a exemplo de Yelena, sofrem com algum tipo de frustração, e se vêem, em diferentes momentos, forçados a confrontar seus principais traumas a fim de vencer uma ameaça muito maior do que qualquer um deles é preparado para combater solo. No desenvolvimento do enredo, passagens de maior peso emocional são bem balanceadas com momentos bem mais descontraídos, quase sempre por parte de Alexei, que se revela o centro cômico da narrativa. Ainda que não sem alguma desproporção – o posicionamento de Belova como personagem central da trama é inegável, e tira um pouco do caráter de “filme de equipe” que todos imaginariam ser a prioridade aqui – a química entre os diferentes membros da equipe titular funciona bem.
Tecnicamente falando, trata-se de um filme que opta pelo seguro mesmo que, nas entrelinhas, siga um caminho bastante distinto: seja na cinematografia e direção de Jake Schreier (que prioriza tons de cinza e preto durante todo o filme apenas para, em sua conclusão, explorar saturações e cores sem que o processo pareça forçado) ou na sonorização – a cargo do trio Son Lux, que conta com o ainda inacreditável “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” (2022) no currículo – “Thunderbolts*” se destaca aos olhos mais atentos como uma movimentação para longe do convencional, e, no processo, joga luz sobre uma série de personagens com potencial para se tornarem ícones dentro do MCU. E sim, o asterisco no título é eventualmente explicado, em uma solução criativa que funciona como resposta a muitos dos questionamentos repetidos ao longo do filme, e acaba por gerar bastante curiosidade em relação aos próximos passos destes relutantes heróis neste universo compartilhado.
A cena pós-créditos (vale citar, a mais longa já utilizada em uma produção do Marvel Studios) faz qualquer um acreditar que o empenho em desenvolver um roteiro rico, e que entende bem a si próprio, deve se estender para os vindouros projetos coordenados por Kevin Feige. Com um universo cinematográfico que parece ter, enfim, entendido seu novo Norte – e que se prepara para a estreia de “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos”, neste próximo Julho – é realmente incrível pensar que a energia de um filme como “Thunderbolts*”, o último lançamento cinematográfico da chamada Fase Cinco do MCU, possa dar frutos tão bons quanto este, senão melhores. Na pior das hipóteses, afinal, o que se tem aqui é um filme em ocasiões falho, mas certo de si e honesto em suas intenções e certo de suas virtudes. Em que pese a decepção de muito do que o antecedeu – e a expectativa sobre o que o sucederá – “Thunderbolts*” é um bálsamo, com suas falhas e suas (várias) virtudes.
– Davi Caro é professor, tradutor, músico, escritor e estudante de Jornalismo. Leia mais textos dele aqui.