A paz possível: o sagrado do simples na visão de Monja Coen

Em tempos marcados por incertezas globais, crises ambientais e um ritmo de vida acelerado, cresce a busca por um caminho mais consciente, sereno e conectado com o essencial. Em meio a tantos ruídos, ouvir a voz de quem pratica o silêncio pode ser um gesto de reconexão. Referência do zen-budismo no Brasil, a Monja Coen […] O post A paz possível: o sagrado do simples na visão de Monja Coen apareceu primeiro em Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site.

Apr 23, 2025 - 13:43
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A paz possível: o sagrado do simples na visão de Monja Coen

Monja Coen – Foto: Divulgação

Em tempos marcados por incertezas globais, crises ambientais e um ritmo de vida acelerado, cresce a busca por um caminho mais consciente, sereno e conectado com o essencial. Em meio a tantos ruídos, ouvir a voz de quem pratica o silêncio pode ser um gesto de reconexão.

Referência do zen-budismo no Brasil, a Monja Coen tem se dedicado a espalhar ensinamentos que inspiram uma vida com mais presença, compaixão e clareza. Entre seus compromissos deste ano, ela participa da terceira edição do RE-ENERGIZE, que acontece de 15 a 18 de maio de 2025, no Ponta dos Ganchos. Durante quatro dias, o resort se transforma em um refúgio de bem-estar, com experiências imersivas voltadas à renovação do corpo, da mente e das emoções.

Nesta entrevista, a Monja compartilha reflexões sobre espiritualidade no cotidiano, saúde mental, envelhecimento, juventude, redes sociais e consumo consciente — sempre com a sabedoria de quem nos ensina a simplesmente parar e respirar.

Harper’s Bazaar Brasil  – O mundo vive um momento de transformações intensas, crises climáticas, conflitos e muita polarização. Como a senhora enxerga esse caos? Há uma saída para tempos tão turbulentos?

Monja Coen – Estamos vivendo os efeitos das nossas ações passadas. Tudo está interligado. Nada surge por si só. Vivemos o resultado de inúmeras causas e condições. O monge vietnamita Thich Nhat Hanh sugeria uma palavra nova nos dicionários para descrever a realidade: o interser. Perceber que intersomos. Estamos interconectadas com tudo que é, foi e será. Com todas as formas de vida. O que fizemos, pensamos, consumimos e ignoramos está se manifestando agora. O caos é uma oportunidade. Ele nos chama à lucidez, à responsabilidade, à compaixão. Não há uma saída mágica, mas há um caminho: o caminho do meio, da sabedoria, da ética e da mente clara. O mundo externo reflete o mundo interno. Cultivar paz dentro de nós é o primeiro passo para transformarmos o mundo.

HBB – Muitas pessoas relatam uma sensação de ansiedade constante e exaustão, especialmente quem vive em grandes cidades. Que conselho daria para quem busca mais equilíbrio no dia a dia?

MC – Respire. Esteja presente. Muitas vezes estamos no futuro, no passado, em mil pensamentos, e esquecemos de viver o agora. Pare. Sente-se com a coluna ereta. Inspire. Expire. Observe. Você está viva, está vivo. A vida acontece neste instante. O equilíbrio não está fora, mas na forma como nos relacionamos com tudo. Crie pausas conscientes. Caminhe sentindo os pés. Coma com atenção. Respire com gratidão.

HBB – A espiritualidade pode ajudar na saúde mental? Como encontrar serenidade em meio a tanta sobrecarga emocional e excesso de informações?

MC – A espiritualidade não é algo separado da vida. É a maneira como nos relacionamos com o sofrimento, com a impermanência, com o outro. Quando cultivamos a espiritualidade verdadeira, treinamos a mente. E uma mente treinada não se perturba com facilidade. Caso se perca, logo retorna ao eixo de equilíbrio. Essa é a diferença de quem pratica – percebe o desequilíbrio e pode rapidamente retornar ao equilíbrio. A serenidade não vem de fora, vem da prática constante de voltar ao momento presente, de acolher sensações e sentimentos sem se perder ou se prender. Sem apego e sem aversão, o caminho é livre. Pratique zazen. Caminhe em silêncio. Permita que se aquietem as ondas agitadas da mente.

Monja Coen – Foto: Divulgação

HBB – A senhora acredita que as redes sociais aproximam ou afastam as pessoas da consciência plena? Como usá-las de forma mais saudável?

MC – As redes sociais são neutras. Nós é que colocamos nelas a nossa intenção. Podem ser ferramentas de sabedoria ou instrumentos de alienação. Quando usadas com consciência, com discernimento, podem aproximar, informar, inspirar. Mas quando usamos como fuga, como comparação, como julgamento, nos afastam de nós mesmos. Use-as com limites. Siga o que eleva. E saiba a hora de desligar e silenciar.

HBB – Como a senhora vê a geração mais jovem? O que mais admira e o que acredita que precisa ser resgatado?

MC – Admiro profundamente a coragem, a criatividade, o desejo de transformação da juventude. Jovens questionam, inovam, se expressam com liberdade. Isso é maravilhoso. É o futuro da humanidade, se refazendo, melhorando, se adaptando. Algumas pessoas precisam resgatar o silêncio. O tempo de não fazer. A escuta profunda. Às vezes, é preciso parar de falar para ouvir o som do coração. Que as novas gerações possam unir ação e meditação. Som e silêncio.

HBB – E os mais velhos? Como esse público tem lidado com as frustrações e mudanças do mundo moderno?

MC – Cada pessoa reage de um jeito. Alguns se abrem, se adaptam, florescem. Outros resistem e sofrem. O segredo está em aceitar a impermanência. Nada permanece igual. O tempo passa, os corpos mudam, as ideias se transformam. Quando aceitamos isso com humildade e curiosidade, envelhecer se torna um privilégio. A sabedoria não está na quantidade de informações, mas na profundidade do olhar.

HBB – A busca por autoconhecimento e bem-estar cresceu muito nos últimos anos. Por que acha que isso aconteceu?

MC – Porque estamos nos dando conta de que o sucesso material não basta. Há um vazio que não se preenche com coisas. E esse vazio não é algo ruim — é um chamado. Um convite a olhar para dentro, a buscar um sentido mais profundo para a existência. As pessoas estão começando a escutar esse chamado interior. Estão cansadas de correr atrás de metas que não nutrem o coração. Querem viver com mais presença, mais propósito, mais verdade. E isso é muito bonito. É sinal de que estamos despertando, mesmo no meio da dor. O sofrimento nos ensina — ele pode ser um mestre generoso. É nesse espírito que participarei de um encontro muito especial no hotel Ponta dos Ganchos, chamado RE-ENERGIZE. Trata-se de uma imersão voltada ao bem-estar integral, com práticas que unem corpo, mente e espírito, oferecendo uma pausa consciente na rotina agitada da vida moderna. Estarei acompanhada pelas mulheres da minha família: minha filha, Fábia, e minha neta, Rafa Scavone — especialista em cosmética natural, que compartilha seus saberes com generosidade, capacitando profissionais a criarem marcas com propósito e alinhadas à natureza. Três gerações reunidas pelo cuidado com a vida. Porque o autoconhecimento não precisa — nem deve — ser um caminho solitário. Ele floresce também no encontro com o outro, no afeto, na escuta e na partilha. Quando uma pessoa se transforma, o mundo ao redor se transforma junto.

HBB – Existe algum conselho e “guia prático” para quem gostaria de permear mais o universo da espiritualidade?

MC – Sim. Comece onde você está. Não é preciso abandonar tudo, nem esperar o momento ideal. A espiritualidade verdadeira floresce no cotidiano — nos gestos simples, nas palavras gentis, na escuta atenta, no silêncio entre um pensamento e outro. Ao agradecer uma refeição, ao caminhar com consciência, ao respirar com presença, já estamos praticando.
Faça zazen por alguns minutos. Leia algo que eleve seu espírito. Observe a si mesma com compaixão. Não há fórmulas prontas — há o agora. E ele é suficiente.
Buscar espiritualidade não é fugir do mundo. É aprender a estar no mundo com clareza, com lucidez e compaixão. É transformar o ordinário em sagrado.

HBB – Existe um caminho para viver de forma mais simples e consciente sem precisar se afastar totalmente da vida moderna?

MC – Claro que sim. Buda não foi se isolar nas montanhas. Ele viveu entre as pessoas. A simplicidade não está no lugar, mas na atitude. Coma com atenção, consuma com responsabilidade, fale com verdade. Simplificar é um ato revolucionário. Não é ter menos, é ser mais presente, mais compassiva, mais conectada com o que importa.

HBB – Como é a sua rotina? A senhora tem hábitos diários que considera fundamentais para manter o equilíbrio?

MC – Sim. Acordo cedo. Faço meus votos. Pratico zazen. Caminho. Leio textos sagrados. Alimento-me com gratidão. Escuto as pessoas com presença. E à noite, reviso o dia. Agradeço. Peço perdão, se necessário. Durmo em paz. Esses rituais me ajudam a manter o centro de equilíbrio, mesmo quando tudo parece estar fora de lugar.

Monja Coen – Foto: Divulgação

HBB – Qual é o seu olhar sobre a moda? Acredita que ela pode ser vivida de maneira equilibrada?

MC – A moda é uma forma de expressão artística. Há trabalhos lindos, preciosos. Alguns que nem poderiam ser usados nas ruas ou nas festas, mas manifestam momentos de arte viva. O problema é quando usamos a aparência para esconder o ser. Conhecer a si e revelar-se é talvez uma forma de moda importante a ser espalhada por todo o planeta. Vista-se com consciência. Escolha o que respeita a natureza, o trabalho humano, sua essência. Não somos apenas o que vestimos, mas como vivemos cada instante. A verdadeira elegância vem da ética.

HBB – Existe um livro que todos deveriam ler ao menos uma vez na vida? Alguma obra que a marcou profundamente?

MC – Um livro pequeno, chamado “Sidarta”, de Hermann Hesse, foi muito importante no início de minha jornada espiritual. Outro livro é o “Dhammapada”. Um dos textos mais antigos do Budismo. Pequenas frases que são verdadeiros faróis. “Os sutras sagrados – os ensinamentos de Xaquiamuni Buda”, que viveu há 2.600 anos – são também fontes de inspiração e sabedoria. Como, por exemplo, o “Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa”, o “Sutra Coração da Grande Sabedoria Perfeita”, o “Breve Parnirvana Sutra” – entre tantos outros ensinamentos maravilhosos, que nos levam a reflexões e práticas de uma vida que valha a pena ser vivida. E, certamente, as obras dos fundadores de minha ordem Soto Shu – o “Shobogenzo”, de Mestre Eihei Dogen (século XIII), e o “Denkoroku”, de Mestre Keizan Jokin (século XIV).

HBB – O que a senhora gosta de assistir? Algum filme ou série recente chamou sua atenção?

MC – Gosto de filmes que nos fazem refletir sobre a condição humana.
A felicidade nas pequenas coisas, um filme butanês de grande ternura, nos lembra da beleza da simplicidade e dos pequenos gestos de carinho. Há também o filme chamado ZEN, sobre a história de vida de Mestre Eihei Dogen Daiosho. Recomendo às pessoas que assistam o filme de suas vidas, de nossas vidas, que reaprendam a reconhecer os sons, observar o céu, as nuvens, a lua em suas fases, o sol e as estrelas. Gosto de observar o céu e o mar, as montanhas e as ruas congestionadas de trânsito e pessoas, apreciar a vida que acontece em mim e ao meu redor. Tudo é um filme sagrado.

HBB – Se pudesse dar um único conselho para alguém que busca mais paz interior, qual seria?

MC – Pare. Respire. Sente-se com sua dor, com sua alegria, com sua confusão. Não fuja. Olhe com amor. Tudo passa. Tudo se transforma. A paz não está lá fora. Está agora, aí dentro, esperando ser tocada. Silencie. E ela virá.

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