King Gizzard & The Lizard Wizard: “Existe uma bola de neve de influências na nossa música”

Entre 18 e 20 de Maio, a banda australiana instala-se no Coliseu dos Recreios para uma sequência de três concertos. A promessa é que nenhum deles será igual ao outro. À Time Out, Ambrose Kenny-Smith fala sobre esta resiência e muito mais.

May 16, 2025 - 12:10
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King Gizzard & The Lizard Wizard: “Existe uma bola de neve de influências na nossa música”
King Gizzard & The Lizard Wizard: “Existe uma bola de neve de influências na nossa música”

Há poucas experiências mais satisfatórias para fãs de música do que poder assistir à sua banda favorita ao vivo. No entanto, apesar do privilégio de podermos ver os artistas em palco, há sempre um sentimento de traição quando estes não tocam uma das nossas músicas favoritas.

Os King Gizzard & The Lizard Wizard arranjaram uma solução para este problema do primeiro mundo. Depois de uma bem-sucedida tour americana em que fizeram residências em diversas cidades, agora, o sexteto australiano vai introduzir esse conceito na Europa. E Lisboa é a cidade que vai marcar o arranque desta digressão, nos dias 18, 19 e 20 de Maio, no Coliseu dos Recreios, antes de a banda partir para Espanha, Lituânia, Grécia e Bulgária.

O objectivo destes concertos é explorar ao máximo a sua discografia, que inclui 26 discos de originais editados desde 2012 (vai crescer para 27 em Junho deste ano, com Phantom Island) – o que dá uma média de mais de dois discos por ano. Nestes trabalhos, exploraram estilos musicais como o rock psicadélico, o thrash metal, mas também o jazz e a folk. O próximo trabalho será uma novidade no espólio dos australianos, uma vez que será gravado com uma orquestra.

A Time Out falou sobre estes novos concertos e sobre o elevado volume de lançamentos com Ambrose Kenny-Smith, que canta, toca harmónica, teclados, percussões e tudo mais aquilo que lhe pedirem. E ainda teve tempo para fazer uma pergunta sobre o seu projecto paralelo, os The Murlocs.

Quando é que decidiram fazer estas residências na Europa? 
Nós fizemos a mesma coisa nos Estados Unidos, há dois anos, e foi muito divertido. Conseguimos, finalmente, experienciar um pouco mais os lugares onde estávamos, em vez das habituais 24 horas (ou menos) dos lugares onde costumamos actuar. Foi uma óptima forma de conhecer melhores as cidade onde estávamos. Pensámos: por que não tentar fazer o mesmo na Europa? Por isso é que todos os destinos destinações são um pouco fora da caixa. 

Além disso, para um grupo como o vosso, que tem tantas músicas e álbuns, esta deve ser a melhor forma de apresentar o vosso corpo de trabalho. 
Sim, exactamente. Conheço outros projectos que já fizeram residências, mas, para nós, faz ainda mais sentido porque temos um catálogo bastante extenso. Isto permite-nos fazer concertos completamente diferentes todas as noites e é também uma forma de compensar os fãs mais ávidos, que se esforçaram para ir aos três espectáculos, e conseguirem experienciar um pouco de toda a nossa discografia.

Quais são as maiores dificuldades de preparar este tipo de concertos? 
Em primeiro lugar, diria que é escolher alguns locais menos conhecidos para tornar a digressão mais diferente e interessante. Pode ser um pouco difícil para alguns fãs chegarem a estes lugares. Não sei se temos assim tantos fãs em lugares como a Lituânia ou a Bulgária, mas acho que teremos que esperar e descobrir quando chegarmos lá. Mas esse é o risco deste tipo de cenários. Acho que a nossa base de fãs é um pouco maior nos Estados Unidos, mas estamos a trabalhar para crescer na Europa, e esta é uma boa forma de o conseguir. Espero que os fãs gostem e que gostem desta experiência.

Como é a preparação para cada espectáculo? Como é que escolhem a setlist? Vocês costumam organizar cada concerto por estilo musical, por álbuns, por músicas que sentem que combinam bem... 
Em cada setlist, primeiro, temos o cuidado de não repetirmos o que tocámos da última vez que estivemos lá. Por exemplo, há uma semana ou mais, estive a investigar o nosso perfil no setlist.com, que é o site que temos como referência para saber o que tocámos [risos], e estive a analisar como foram os nossos últimos concertos em Portugal. Isto permite-nos ter logo uma ideia do que podemos fazer e simplifica imenso o nosso trabalho, uma vez que não temos muito tempo para ensaiar. Assim que conseguimos colocar todas essas músicas no formato de um set, isso deixa-nos todos numa posição muito mais confortável. Comecei a fazer isto porque temos estado bastante ocupados. Mas como a última vez que estivemos em Portugal foi em 2015, isso dá-nos muita margem de liberdade, temos muita coisa nova para tocar.

Os King Gizzard já têm tantos álbuns diferentes de tantos estilos diferentes... Esta residência europeia pode ser uma boa forma de encontrar uma nova fonte de inspiração para os vossos futuros discos? 
Sim, certamente. Esperemos que estes novos ambientes inspirem novas ideias. Apesar de neste momento estarmos muito focados em fazer música com sintetizadores modulares, espero que os rapazes encontrem tempo, entre espectáculos, para enveredarmos um pouco pela cultura local e ouvir a música de cada cidade. Vamos ver. Mas isso é algo que acontece muitas vezes, quando passamos muito tempo no mesmo sítio ele começa a infiltrar-se na nossa música.

Será que isso quer dizer um dos vossos próximos discos vai ser influenciado pelo fado?
Vamos ver. Por enquanto temos outros álbuns prontos a serem editados [risos]. Existe uma bola de neve de influências na nossa música. Por isso, independentemente de onde estivermos, isso vai influenciar-nos, de uma maneira ou outra.

A banda já teve algum momento em que teve uma conversa sobre terem medo de repetirem ideias ou ficarem sem inspiração? 
Diria que não. Nunca tentámos reutilizar ideias sem que estas fossem adaptadas ou que existisse uma sensação de evolução. Tentamos sempre dar um twist original. Por exemplo, nos nossos dois discos mais influenciados pela música metal, Infest the Rats Nest (2019) ou PetroDragonic Apocalypse (2023), houve sempre algo que ajudava a diferenciar este dois trabalhos. Então, mesmo se decidíssemos fazer o Float Along – Fill Your Lungs Parte 2, tenho a certeza que iria soar de uma forma diferente e que teria as suas próprias particularidades.

Qual é o elemento essencial quando estão a criar um disco? 
O mais importante é que algo soe sempre a King Gizzard, naturalmente. Então, seja qual for género que decidirmos explorar, o resultado final tem de ter sempre a nossa marca e ideias originais. Além disso, já lançámos muitos discos, se existir a sensação que estamos a abrandar, isso não tem a ver com o facto de estarmos a ficar sem ideias, está mais relacionado com estarmos a ficar mais velhos e termos outras responsabilidades, que são mais importantes do que a fazer álbuns constantemente, como as nossas famílias. Neste momento estamos a dar o melhor para fazer o máximo que conseguirmos, mas também a aprender coisas diferentes, como a nossa nova obsessão com sintetizadores [risos]. 

Estávamos a falar sobre o grande volume de lançamentos da banda. Em 2017 e 2022, lançaram cinco ábuns em cada um desses anos. Qual era o espírito do grupo nessa altura? Era uma afirmação que queriam fazer no mundo da música ou foi algo que surgiu de forma orgânica?
Foi natural. Nós editámos o Flying Microtonal Banana em Fevereiro, e depois o Murder of the Universe em Junho. Normalmente, fazemos dois projectos em simultâneo. Enquanto fechamos um disco, já estamos a começar a trabalhar no sucessor. Depois lançámos, em Agosto, o Sketches of Brunswick East em colaboração com os Mild High Club e, em Novembro, o Polygondwanaland (2017). Já tínhamos os quatro discos prontos, mas, durante uma entrevista, perguntaram ao Stu [Mackenzie, vocalista e guitarrista do grupo] sobre estes quatro discos que tínhamos lançado e ele revelou que ainda havia um quinto a caminho. 

Isto apanhou-vos de surpresa?
Primeiro rimo-nos, mas depois perguntámos-lhe se ele estava a falar a sério e ele disse que o quinto disco ia mesmo acontecer. Tivemos de pensar rapidamente no que íamos fazer. O disco acabou por ser uma sopa com todos os ingredientes que sobraram, daí o nome: Gumboot Soup.

Esta foi uma altura alucinante para ser fã do grupo. Acham que vão conseguir voltar a lançar cinco discos num ano?
[Risos.] Quem sabe? Conseguimos voltar a fazer em 2022, apesar de ter sido menos intencional. Por isso, não seria uma surpresa se conseguíssemos voltar a fazê-lo. Eu espero que, neste momento, consigamos ser mais concisos e pensar melhor nas ideias que estamos a desenvolver. Agora, estamos concentrados a trabalhar com uma orquestra, depois queremos voltar a investir nos sintetizadores e, depois, quem sabe... talvez tenhamos calma em tentar a voltar bater esse registo e nos concentremos em fazer álbuns com bastante qualidade.

Estou muito curioso para ouvir o disco que estão a desenvolver com uma orquestra, Phantom Island. O que é que nos podes dizer deste trabalho?
É um óptimo disco, provavelmente o meu favorito da banda até ao momento. Há muitos momentos interessantes e a orquestra acrescentou imenso às nossas canções. Nós tínhamos umas vinte músicas e íamos fazer apenas um álbum duplo. No entanto, fomos abordados por uma orquestra nos Estados Unidos para fazermos uma colaboração ao vivo em que reinterpretavam algumas das nossas músicas. Isto levou a uma conversa com o Stu e o resto da banda em que sugeri cortarmos estas músicas para metade, escolher as dez melhores e fazer um álbum com uma orquestra. Depois de escolhermos as canções, o Stu convidou um amigo que é compositor, Chad Kelly, para escrever as partes dos instrumentos de cordas e sopros e tudo começou a surgir.

Foi um álbum inesperado?
Desta colheita de canções, o primeiro grupo acabou por se tornar o Flight b741 (Agosto de 2024), as restantes vão fazer parte do Phantom Island. Olhando para trás, se soubéssemos que este ia ser um disco de orquestra, talvez tivéssemos feito as canções de outra forma, mas estamos muito satisfeitos com o trabalho final. Alterámos algumas partes e sinto que conseguimos criar momentos impressionantes e inéditos na nossa discografia. As faixas "Phantom Island" e "Deadstick", as duas primeiras do disco, são mais divertidas, mas existem outras pérolas, apesar de irmos numa direcção completamente diferente. É definitivamente um bom álbum para ouvir como um todo, por isso, diria para não prestar demasiada atenção aos singles que foram lançados até agora, porque o resto vai ser bem diferente. 

Estas canções vão aparecer nos concertos de Lisboa ou estão a guardá-las para interpretar com a orquestra? 
Não tenho a certeza, nós tivemos um ensaio um pouco descomprometido e estávamos a pensar como seria tocá-las sem orquestra. Porque há muitas partes que precisariam de ser retiradas, por isso, se estivéssemos a tocar sem orquestra teríamos que repensar um pouco como é que o iríamos fazer. Sinto que algumas funcionarão melhor do que outras, mas sim, não tenho planos para isso. Se bem que se calhar não seria uma má ideia para nos ajudar a preparar para a tour americana.

Estávamos a falar sobre o elevado volume de lançamentos da banda. Sentem que os King Gizzard podem continuar com este ritmo porque têm uma base de fãs tão leal?
Eu espero que sim, é definitivamente um objectivo a longo prazo. Vamos continuar a fazer música e a lançá-la enquanto conseguirmos e enquanto os King Gizzard existirem. Só precisamos de encontrar o espaço e o tempo hoje em dia para continuarmos a trabalhar. É difícil quando estamos constantemente a fazer cem outras coisas ao mesmo tempo. Não é o mesmo quando tínhamos 20 anos e sentíamos que estávamos apenas a correr de olhos fechados pela selva e a tentar descobrir o que tínhamos de fazer.

Além dos King Gizzard, também tem muitos projectos paralelos. O Ambrose é o líder dos Murlocs. Existe planos para se estrearem em Portugal? 
Eu adoraria ir a Portugal com os Murlocs, mas, infelizmente, está sempre fora do nosso radar. Também acontece que toco tanto com os King Gizzard que torna difícil fazer tours com outros projectos. Acabei por colocar os Murlocs em pausa nos últimos anos, porque é bastante cansativo estar a trabalhar em tanta coisa ao mesmo tempo. Adoraria fazer outro álbum dos Murlocs no futuro, é algo que já foi discutido. Vamos ver aonde isso nos leva, e sim, esperamos que possamos voltar a Portugal.