TZ da Coronel transforma batalhas em versos e leva o rap para o topo
Por Sérgio Martins Narrados pelo poeta grego Homero (928-898 a.C.), os versos do poema A Odisseia contam a história do general grego Ulisses em sua jornada de volta para casa. Durante dez anos, ele enfrentou ciclopes, resistiu ao canto das sereias — que fatalmente o levariam à morte — e, acima de tudo, venceu o […] O post TZ da Coronel transforma batalhas em versos e leva o rap para o topo apareceu primeiro em Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site.

Por Sérgio Martins
Narrados pelo poeta grego Homero (928-898 a.C.), os versos do poema A Odisseia contam a história do general grego Ulisses em sua jornada de volta para casa. Durante dez anos, ele enfrentou ciclopes, resistiu ao canto das sereias — que fatalmente o levariam à morte — e, acima de tudo, venceu o capricho dos deuses gregos, que dificultavam seu retorno para junto da amada Penélope e do filho Telêmaco.
TZ da Coronel, nome artístico do rapper carioca Matheus de Araújo Santos, está criando um espetáculo baseado na obra-prima de Homero. Pensando bem, ele é um Odisseu dos tempos modernos: as adversidades atuais (quem conhece a realidade da periferia das grandes capitais sabe bem do que estamos falando) se equivalem aos caprichos divinos de outrora. “Estou familiarizado com essa história, tá ligado? A batalha que Ulisses teve que enfrentar foi grande para voltar às origens dele”, diz TZ, em entrevista à BAZAAR Man. “Cada dificuldade que ele vai passando é uma fase até chegar na casa dele, né? Comigo também foi assim, com as tempestades que surgiram quando o tempo estava calmo demais”, completa.
Recentemente, TZ da Coronel recebeu certificados de ouro e platina pelos milhões de streams do álbum Direto da Selva e dos singles Mente Além e Acordado Eu Sonho, todos lançados em 2024. Ele tem um selo próprio, o Cúpula, pelo qual lançará novos talentos do gênero. No início deste mês, inaugurou uma linha de roupas em parceria com a marca brasileira FORCA (mais detalhes ao longo desta matéria). Mas, claro, nem sempre foi assim. Nascido no balneário de Cabo Frio, cidade a 220 km do Rio, TZ cresceu no Morro do Limão, comunidade famosa pelo alto índice de criminalidade, principalmente relacionada ao tráfico de drogas. Foi ali que Matheus deu seus primeiros passos como rapper, ao participar das batalhas de rima, e criou o nome artístico. “Era Matheuzinho, virou Theuzinho, depois Têzinho… Foi diminuindo cada vez mais até virar TZ”, lembra. O “da Coronel” vem da rua em que ele morava, no Morro do Limão.

TZ da Coronel usa casaco e calça Forca e sapatos Balenciaga – Direção criativa: Kleber Matheus, Fotografia: Wallace Domingues, Styling: Daniele Fernandes, Beleza: Ian Ribeiro, Direção de arte: Yasmin Klein, Retoque: Philipe Mortosa, Coordenação: Mariana Simon/KM Studio, Produção executiva: Zuca Hub, Produtores responsáveis: Claudia Nunes, Produção de moda e assistentes de styling: Laura Cavalcante, Guilhermo Lima e Luana de França, Assistentes de foto: Rodarlen Rocha, Assistentes de produção: Caio Nogueira e Junior Costa, Camareira: Maria Vitória, Estúdio: ODMGT
As batalhas de rima, para quem não conhece, são disputas acirradas. Os rappers são colocados frente a frente e criam versos para estraçalhar o oponente. “Você tá ali, tem que mostrar a que veio. Improvisar contra o outro MC. Às vezes o modo era 45 segundos rimando, 45 segundos o outro MC rimando. Às vezes era 4×4: quatro versos seus, quatro versos do outro MC, tipo bate e volta”, relembra. Por muito tempo, o recurso mais comum foi satirizar uma característica física do rival. “Os caras pegavam pesado, mano. Era rima sobre a mãe, sobre o cabelo…”, enumera. “Um dia, o terreno ao lado da minha casa alagou e fizeram versos dizendo que eu e a minha família estávamos nos afogando…”

TZ da Coronel usa casaco e calça Forca e sapatos Balenciaga – Direção criativa: Kleber Matheus, Fotografia: Wallace Domingues, Styling: Daniele Fernandes, Beleza: Ian Ribeiro, Direção de arte: Yasmin Klein, Retoque: Philipe Mortosa, Coordenação: Mariana Simon/KM Studio, Produção executiva: Zuca Hub, Produtores responsáveis: Claudia Nunes, Produção de moda e assistentes de styling: Laura Cavalcante, Guilhermo Lima e Luana de França, Assistentes de foto: Rodarlen Rocha, Assistentes de produção: Caio Nogueira e Junior Costa, Camareira: Maria Vitória, Estúdio: ODMGT
A “casquinha” adquirida durante essa temporada aprimorou suas rimas e o credenciou para as gravações — ainda que sua entrada nos estúdios tenha ocorrido por acaso. Certo dia, ele encontrou um grupo de amigos que se preparava para gravar e precisava substituir um rapper que havia faltado. TZ colaborou com 50 Anos e completou o bonde dos versejadores. Em 2019, soltou o single No Meu Pescoço. Três anos depois, foi a vez do álbum É o Trem?. O reconhecimento veio quase que imediatamente. TZ foi citado por Caetano Veloso nos versos da canção Sem Samba Não Dá, de 2021, e o single Qual É o Seu Desejo? atingiu a primeira colocação na parada da edição brasileira da revista Billboard. “Tava lá em casa e fui lançando o que veio na mente, tá ligado? Fiz de freestyle, nem levando muito a sério, e está em primeiro no país, competindo com vários outros gêneros musicais que, às vezes, têm escritor contratado. Me fez refletir sobre o poder que a nossa mente de favelado tem”, disse ele à publicação.
Musicalmente, o estilo de TZ combina elementos do rap, do trap e do funk carioca. Um dos recursos mais utilizados em seu repertório é o autotune, afinador eletrônico que o trap usa para distorcer a voz. “A gente não sabia configurar direito, tá ligado? Fomos configurando, pesquisando e aprendendo. Até que chegou a um certo ponto em que já conseguimos configurar, e de tanto gravar, foi fazendo isso sozinho, tá ligado? Nos aperfeiçoamos com o tempo”, diz. “Chegou um certo ponto em que eu pensei: mano, não pode mais faltar isso na minha voz, né?”, conclui.
Deus e armas são temas recorrentes no repertório de TZ, além de amor, sexo, sexo com amor e amor com sexo. “Mano, eu ando só, eu tenho a Glock, eu tenho a gang e a fé/ Mano, eu ando só, eu tenho a fé e a confiança em mim/ Mano, eu ando só, eu tenho Deus guiando o meu caminho (eu tenho Deus)/ Mano, eu ando só, eu tô na pista mas não é de rolê…”, diz um trecho de Ando Só. “Não temos medo dos homi, meu mano/ Porque somos homens também/ Se isso se chama jogo dos trono/ Meu mano, tu sabe quem vai ser o rei/…/ Pai, me livra do mal e (Pai) me guia na escuridão/ O Senhor sabe qual é (qual é), qual é a minha intenção/ O que tenho no meu coração…”, apregoa em Não Tenho Medo. Julio Ludemir, um dos principais estudiosos do funk carioca no país, afirma que é normal essa reverência à fé e às armas. “Em alguns bailes funks, eu vi armas dos responsáveis pela comunidade sendo benzidas por padres”, conta. TZ comenta sobre os temas que costuma abordar. “Falo em Deus porque é o que acredito, tá ligado? Sou temente a Deus. Minha mãe é evangélica e, desde novinho, aprendi o caminho dos princípios da vida.” As armas, claro, vêm do dia a dia de uma região onde, como diria Zeca Pagodinho, “o filho chora e a mãe não vê”. “O personagem de Ando Só não existe, mas existe. Deu para entender? É como se fosse o TZ de forma figurada, que vai encontrando o desafio da vida, aprendendo com a vida até chegar ao ponto em que anda só. Ele tem que andar só porque tem fé em Deus e não precisa estar rodeado de pessoas”, explica. “Sou criancinha da favela, tá ligado? As letras vêm muito da vivência, de coisas que vi e vivi. Procuro misturar isso de um jeito que fique fácil de entender para quem não vive isso e para quem vive também”, completa.
O rapper trocou Cabo Frio pelo Rio de Janeiro e hoje investe em novos empreendimentos. Um deles é a linha de roupas criada em parceria com a marca FORCA. Inicialmente, serão oito peças. “Vai ter várias peças maneiras: um conjunto inspirado em camisa de futebol, um conjunto de corta-vento. Não desenho, mas dei a ideia de como gostaria que fosse”, diz. “Há tempos a gente queria atingir o público do trap. É um desafio para nós, estamos sentindo o público aos poucos”, comenta Vivi Rivaben, responsável pela FORCA. “O trap tem uma ligação com a marca, são pessoas que gostam de peças mais fortes.” Que TZ da Coronel tenha o mesmo destino brilhante do astuto Ulisses.
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