Aline Midlej sobre o candomblé: “Ele é parte do que me compõe espiritualmente”
No trabalho, na fé, na maternidade: em todas as instâncias da vida, a apresentadora Aline Midlej procura ser fiel àquilo que acredita

Aline Midlej carrega o Nordeste na alma. Filha de mãe pernambucana e pai baiano, a jornalista maranhense se mudou ainda bebê para a capital paulista, mas nunca abandonou a cultura e a terra de origem — nem as festividades. “O Nordeste tem um peso muito importante na minha formação cultural e afetiva. A forma de pensar e se relacionar em família, o calor do afeto… Na minha família, São João sempre foi mais importante que Carnaval”, conta.
O pai, engenheiro, buscou em São Paulo a chance de dar uma vida boa aos filhos. E conseguiu. Aline cresceu em uma família de classe média alta, e estudou nos melhores colégios da capital. “Meu pai era um hard worker clássico, esse migrante nordestino que trabalhou muito. Ele já tinha algum privilégio na pirâmide, trabalhava como engenheiro, mas batalhou muito para construir essa história em São Paulo”, diz Aline.
Foi o exemplo do pai — e as leituras — que despertaram consciência social na garota. A consciência racial veio um pouco depois, com mais maturidade, na adolescência. “Percebi que eu era esteticamente diferente da maioria das minhas amigas, na faculdade, na escola. Na adolescência você começa a dar atenção para determinados comportamentos, para percepções que antes não eram tão importantes porque ficavam no campo do lúdico, da infância.”
Em entrevista à CLAUDIA, a âncora do Jornal das Dez da Globo News, e dos plantões no Jornal Nacional, da TV Globo, fala sobre tudo: suas raízes, religião, maternidade, e as descobertas com a publicação do livro De Marte À Favela – Como a exploração espacial inspirou um dos maiores projetos de combate à pobreza do Brasil, em parceria com o empreendedor social Edu Lyra, da ONG Gerando Falcões.
Entrevista com Aline Midlej
CLAUDIA: Qual sua relação ainda hoje com o Nordeste?
Aline Midlej: Eu sou maranhense de nascença, mas fui criada em São Paulo. Fui pra lá ainda bebê. Minha vida toda foi ali até me mudar pro Rio com 37 anos. Minha alma é muito forjada nessa cultura. Meu pai até hoje comemora o São João — ele faz uma mesa com tudo de comida típica, coloca chapéu de palha, mantém essa tradição com muito gosto. E tem uma coincidência linda: minha filha, Celeste, nasceu no dia 24 de junho, dia de São João.
CLAUDIA: Apesar da vida de classe média alta, você tem uma consciência de classe muito forte…
Aline Midlej: Cresci com muita consciência social, porque eu sabia que, apesar de estudar em um colégio de elite, de ter acesso ao conhecimento, a uma vida social de extremo privilégio, a construção se deu por meio de muito trabalho, muita dedicação e muita renúncia, eu diria, por parte do meu pai. Ele nunca usufruiu do dinheiro que ganhava, tudo era para família, para os estudos, um foco muito grande em educação.
CLAUDIA: Você viajou ao continente africano como parte do programa Nova África, da EBC (Empresa Brasil Comunicação). O que essa viagem te trouxe?
Aline Midlej: A viagem foi um mergulho mais profundo. Eu tinha 27 anos, isso foi há 15 anos. Então foi uma imersão muito profunda, num aspecto de negritude que não tenho no Brasil. É um continente muito diverso, a negritude também se diferencia em cada país. Não tem como mergulhar nessa diversidade do continente africano sem também fazer um mergulho profundo em mim mesma.
Eu me vi em algumas mulheres — e não em várias, porque já tenho a pele um pouco mais clara. Mas vivi situações inimagináveis no Brasil. Você anda no shopping center e 95% das pessoas são pretas.
Os restaurantes bacanas em Joanesburgo são cheios de pessoas pretas. Isso é muito diferente aqui no Brasil. E isso abre um portal de incômodos, de violências, de consciência.
CLAUDIA: Você veste branco às sextas. Qual sua relação com o candomblé?
Aline Midlej: Ele é parte do que me compõe espiritualmente, mas não estou fechada só com o candomblé, não é a minha única fonte de espiritualidade. Faço muito yoga, sou muito conectada com budismo, por exemplo. Sexta-feira é dia de Oxalá, é preceito usar branco.
Apresentar o jornal com ele foi algo que aconteceu naturalmente, de forma fluida. Eu usava branco e decidi usar no trabalho também. E eu entendi que fui levada para aquilo.
Quando a gente está disposto, aberto a essas questões, a espiritualidade encaminha. Apesar de entender a minha posição política no jornalismo e o que represento, não fiz para chocar. Foi algo intuitivo: eu uso branco todas as sextas-feiras, então vou usar também no jornal.

CLAUDIA: Como foi o convite para escrever o livro com o Edu Lyra?
Aline Midlej: Conheço o trabalho do Edu há anos e eu estava de férias, em 2021, quando tocou meu telefone. Era a editora Planeta dizendo: “O Edu Lyra vai fazer um livro muito importante, não é sobre um projeto social, é um livro sobre novos parâmetros de combate à pobreza, ele quer que seja um chamamento para a sociedade brasileira”. Aí já me ganhou, porque entra no problema de uma repactuação ética, que defendo muito na vida.
A elite brasileira intelectual e econômica precisa passar por essa mudança urgentemente. Quando fiz a primeira reunião com o Edu, ele disse: “Você é íntegra, muito fiel às coisas que você acredita, tem uma coerência”. Aí ele me ganhou de vez, eu tenho até uma tatuagem no meu ombro da palavra coerência em latim. Coerência é o grande guia da minha vida hoje. E vi o livro como uma oportunidade de visitar também as minhas incoerências.
CLAUDIA: Como o livro te transformou?
Aline Midlej: Conseguiu contribuir muito para um olhar que eu já tinha. Escancarou a urgência da gente tratar desse tema longe da agenda ideológica. Pobreza não tem lado, pobreza não tem agenda ideológica. A gente não pode deixar isso ser apropriado nem pela esquerda, nem pela direita, nem pelo centro.
CLAUDIA: Você conta no livro que perguntou ao Jorge Paulo Lemann se ele estava pronto para ver os netos estudando no mesmo colégio que os netos da funcionária dele. Qual era a intenção dessa provocação?
Aline Midlej: Tem um ponto bem importante, que eu já suspeitava, e que o livro reforçou. É esse Brasil onde muitas trabalhadoras do cuidado ainda são mantidas em condições análogas à escravidão… Ainda incomoda muita gente o acesso de pessoas a espaços onde elas não acessavam, como aviões ou bens de consumo.
Eu acho que existe um preconceito muito perverso no Brasil, que tem a ver com não querer incluir para não coexistir. A gente quer combater a pobreza para ter algum alívio moral ou por que a gente realmente quer que as pessoas tenham acessos a prazeres que nós temos? Quanto estamos dispostos a rever o nosso conforto para dar um pouco de conforto ao outro?
CLAUDIA: Como está sendo sua vida de mãe?
Aline Midlej: Maravilhosa. Eu amo a maternidade, eu amo ser mãe da Celeste e agora estou num momento um pouco mais maduro, no sentido de entender a vida de mãe profissional, cidadã, gestora. Eu falo isso porque com a chegada dela, além de mãe, eu me tornei também gestora de uma rede de apoio que eu não tinha antes e com a qual eu tenho muito cuidado.
Isso toma uma energia emocional, de gerenciar as cuidadoras que me ajudam. Se eu consegui voltar a ter meu corpo de antes, se consigo cuidar da minha alimentação, ser profissional, é porque eu tenho pessoas que me ajudam nisso. E sem essas pessoas eu não teria conseguido, como a maioria das mulheres não consegue.
Não é sobre voltar a ter trabalho, é sobre voltar a ter uma carreira, com perspectiva, potencial de ser promovida e ganhar mais dinheiro. A independência emocional das mulheres está muito relacionada a nossa independência financeira, isso para mim é algo muito valioso, muito importante que eu quero passar para a Celeste.
A gente precisa ter as rédeas da nossa vida por nós mesmos. Então, a maternidade me tornou melhor, como mulher e profissional. Mais cansada também, porém mais esclarecida de tudo e querendo amar mais o mundo, sabe?
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