Sobrecarga de Empatia em UX: Por que vivemos exaustos?
Se você trabalha com UX, seja como pesquisador, designer, pode estar enfrentando algo chamado fadiga por compaixão sem sequer perceber.Provavelmente você já ouviu falar sobre burnout. Esse esgotamento extremo ganhou destaque depois da pandemia e vem sendo discutido como um problema crônico relacionado ao excesso de demandas e à pressão constante no trabalho.Eu já passei por burnout três vezes ao longo da minha carreira e até conduzi um pequeno estudo sobre isso entre profissionais de UX no Brasil. Mas, ao explorar mais a fundo a questão esses últimos meses, me deparei com um conceito que me chamou ainda mais a atenção: Fadiga por Compaixão.Burnout e fadiga por compaixão compartilham alguns sintomas — exaustão emocional, irritabilidade e perda de produtividade — mas não são a mesma coisa.A fadiga por compaixão afeta, sobretudo, profissionais cujas atividades principais envolvem entender, ajudar ou apoiar outras pessoas. Pense em profissionais da saúde, terapeutas, professores… e sim, nós que trabalhamos com UX.Enquanto o burnout é impulsionado pela sobrecarga de tarefas e prazos, a fadiga por compaixão surge da exposição prolongada às dores e frustrações de outras pessoas e da necessidade de manter a empatia mesmo quando o nosso próprio emocional está esgotado.A experiência do profissional de UX: A batalha invisívelSeja na pesquisa ou no design, nos acostumamos a nos conectar profundamente com as experiências dos usuários. Em uma entrevista de pesquisa, um teste de usabilidade ou mesmo durante o desenvolvimento de uma nova interface, mergulhamos nas dores, nas frustrações e nos desejos das pessoas. É isso que faz nosso trabalho tão valioso e, ao mesmo tempo, tão desafiador e cansativo.O problema é que a empatia que cultivamos para entender as dores dos usuários também pode se transformar em uma armadilha. O peso emocional de absorver constantemente as necessidades e angústias de outras pessoas se acumula, e quando somamos isso às demandas dos stakeholders e das equipes, o fardo pode se tornar insuportável. Nos cobram de “ser a voz do usuário” e ao mesmo tempo resolver problemas complexos de negócio. E, na maioria das vezes, isso vem sem nenhum suporte formal sobre como lidar com os impactos emocionais que surgem dessas interações.A política corporativa e o relacionamento entre pares quando se trabalha com UXOutro fator que contribui para a fadiga por compaixão é a constante luta política que enfrentamos em nossas funções. Nosso trabalho muitas vezes impacta diretamente as prioridades de um projeto e pode entrar em conflito com as expectativas de stakeholders.Quando as nossas recomendações não estão alinhadas com o que quem toma decisões esperava ouvir, é um pulo para que a responsabilidade e a pressão recaiam sobre nós.UXers já presenciaram em algum momento da carreira situações como: resultados de pesquisa interpretados como ataques pessoais, recomendações de design rejeitadas por desafiarem suposições preconcebidas, e profissionais de UX vistos como “opositores” por defenderem a perspectiva do usuário.Esse ambiente de tensão e negociações constantes cria um ciclo de esgotamento que afeta não apenas o nosso trabalho, mas também a nossa saúde mental.O trabalho emocional no UXUma vez, numa entrevista de emprego, alguém me perguntou como eu lido com stakeholders difíceis. Minha resposta foi uma só: terapia.A pessoa riu, mas eu nunca havia dado uma resposta mais honesta.É essencial que profissionais que lidam com os problemas e expectativas dos outros tenham ferramentas e estratégias para se proteger da negatividade, pressão e conflitos que enfrentam diariamente.Muitos não percebem, mas trabalhar em UX envolve um grande nível de trabalho emocional. Não é apenas desenhar telas bonitas ou organizar informações de forma clara; é um exercício contínuo de empatia, de compreensão profunda e de mediação entre as expectativas dos usuários e as necessidades do negócio. Esse esforço invisível consome energia mental, e muitas vezes não é reconhecido nem pelos próprios profissionais da área.Cada vez que um colega desabafa suas frustrações esperando que ofereçamos soluções mágicas ou que um stakeholder nos peça para “dar um jeito” em um problema complexo, estamos gastando nosso recurso emocional. Ao mesmo tempo, temos que lidar com as histórias difíceis dos participantes de pesquisa, que muitas vezes nos expõem a situações de vulnerabilidade, traumas e desamparo. E, diferentemente de áreas como a psicologia, onde há supervisão e treinamento para lidar com esses desafios, na área de UX ainda não há uma estrutura formal de suporte para esses impactos.O dilema de amar o que te esgotaA fadiga por compaixão pode ser difícil de reconhecer porque, na maioria das vezes, nós amamos o que fazemos. A maioria das pessoas que está na área tem paixão por entender as necessidades dos usuários e por criar experiências que realmente façam a diferença. Mas amar o que fazemos não significa que isso não esteja nos desgastando. Cada novo pro

Se você trabalha com UX, seja como pesquisador, designer, pode estar enfrentando algo chamado fadiga por compaixão sem sequer perceber.

Provavelmente você já ouviu falar sobre burnout. Esse esgotamento extremo ganhou destaque depois da pandemia e vem sendo discutido como um problema crônico relacionado ao excesso de demandas e à pressão constante no trabalho.
Eu já passei por burnout três vezes ao longo da minha carreira e até conduzi um pequeno estudo sobre isso entre profissionais de UX no Brasil. Mas, ao explorar mais a fundo a questão esses últimos meses, me deparei com um conceito que me chamou ainda mais a atenção: Fadiga por Compaixão.
Burnout e fadiga por compaixão compartilham alguns sintomas — exaustão emocional, irritabilidade e perda de produtividade — mas não são a mesma coisa.
A fadiga por compaixão afeta, sobretudo, profissionais cujas atividades principais envolvem entender, ajudar ou apoiar outras pessoas. Pense em profissionais da saúde, terapeutas, professores… e sim, nós que trabalhamos com UX.
Enquanto o burnout é impulsionado pela sobrecarga de tarefas e prazos, a fadiga por compaixão surge da exposição prolongada às dores e frustrações de outras pessoas e da necessidade de manter a empatia mesmo quando o nosso próprio emocional está esgotado.
A experiência do profissional de UX: A batalha invisível
Seja na pesquisa ou no design, nos acostumamos a nos conectar profundamente com as experiências dos usuários. Em uma entrevista de pesquisa, um teste de usabilidade ou mesmo durante o desenvolvimento de uma nova interface, mergulhamos nas dores, nas frustrações e nos desejos das pessoas. É isso que faz nosso trabalho tão valioso e, ao mesmo tempo, tão desafiador e cansativo.
O problema é que a empatia que cultivamos para entender as dores dos usuários também pode se transformar em uma armadilha. O peso emocional de absorver constantemente as necessidades e angústias de outras pessoas se acumula, e quando somamos isso às demandas dos stakeholders e das equipes, o fardo pode se tornar insuportável. Nos cobram de “ser a voz do usuário” e ao mesmo tempo resolver problemas complexos de negócio. E, na maioria das vezes, isso vem sem nenhum suporte formal sobre como lidar com os impactos emocionais que surgem dessas interações.
A política corporativa e o relacionamento entre pares quando se trabalha com UX
Outro fator que contribui para a fadiga por compaixão é a constante luta política que enfrentamos em nossas funções. Nosso trabalho muitas vezes impacta diretamente as prioridades de um projeto e pode entrar em conflito com as expectativas de stakeholders.
Quando as nossas recomendações não estão alinhadas com o que quem toma decisões esperava ouvir, é um pulo para que a responsabilidade e a pressão recaiam sobre nós.
UXers já presenciaram em algum momento da carreira situações como: resultados de pesquisa interpretados como ataques pessoais, recomendações de design rejeitadas por desafiarem suposições preconcebidas, e profissionais de UX vistos como “opositores” por defenderem a perspectiva do usuário.
Esse ambiente de tensão e negociações constantes cria um ciclo de esgotamento que afeta não apenas o nosso trabalho, mas também a nossa saúde mental.
O trabalho emocional no UX
Uma vez, numa entrevista de emprego, alguém me perguntou como eu lido com stakeholders difíceis. Minha resposta foi uma só: terapia.
A pessoa riu, mas eu nunca havia dado uma resposta mais honesta.
É essencial que profissionais que lidam com os problemas e expectativas dos outros tenham ferramentas e estratégias para se proteger da negatividade, pressão e conflitos que enfrentam diariamente.
Muitos não percebem, mas trabalhar em UX envolve um grande nível de trabalho emocional. Não é apenas desenhar telas bonitas ou organizar informações de forma clara; é um exercício contínuo de empatia, de compreensão profunda e de mediação entre as expectativas dos usuários e as necessidades do negócio. Esse esforço invisível consome energia mental, e muitas vezes não é reconhecido nem pelos próprios profissionais da área.
Cada vez que um colega desabafa suas frustrações esperando que ofereçamos soluções mágicas ou que um stakeholder nos peça para “dar um jeito” em um problema complexo, estamos gastando nosso recurso emocional. Ao mesmo tempo, temos que lidar com as histórias difíceis dos participantes de pesquisa, que muitas vezes nos expõem a situações de vulnerabilidade, traumas e desamparo. E, diferentemente de áreas como a psicologia, onde há supervisão e treinamento para lidar com esses desafios, na área de UX ainda não há uma estrutura formal de suporte para esses impactos.
O dilema de amar o que te esgota
A fadiga por compaixão pode ser difícil de reconhecer porque, na maioria das vezes, nós amamos o que fazemos. A maioria das pessoas que está na área tem paixão por entender as necessidades dos usuários e por criar experiências que realmente façam a diferença. Mas amar o que fazemos não significa que isso não esteja nos desgastando. Cada novo projeto, cada nova interação intensa, cada nova demanda emocional nos esgota um pouco mais.
É fácil esquecer que cuidar de si não é egoísmo. Lembra daquela velha analogia de segurança de avião? Você precisa colocar a sua própria máscara de oxigênio antes de ajudar os outros. Da mesma forma, precisamos priorizar nosso bem-estar para continuar fazendo nosso trabalho de forma eficaz e com empatia.
Como se proteger da Fadiga por Compaixão?
Então, o que podemos fazer para nos proteger desse desgaste emocional que acompanha o nosso trabalho? Aqui estão algumas estratégias que têm me ajudado e que acredito serem essenciais para qualquer profissional de UX:
- Reconheça o problema: O primeiro passo é reconhecer que a fadiga por compaixão é real. Precisamos começar a falar sobre isso, não apenas em termos de burnout, mas como um desafio específico que merece atenção.
- Defina limites claros: Comunique claramente os limites do seu papel. Ser empático não significa resolver os problemas de todo mundo. Pratique dizer “Isso está fora do meu escopo”, não tenho condições para realizar esse trabalho. Ou simplesmente dizer não, sem se sentir culpado.
- Encontre apoio entre colegas: Procure outros profissionais de UX que possam compartilhar experiências. Saber que outras pessoas enfrentam os mesmos desafios pode ser um alívio poderoso. Eu sempre digo para as pessoas que trabalham comigo: não há nada que nos una mais que um inimigo em comum. Ter um espaço e pessoas que te acolham para desabafar e trocar experiências ajuda sempre!
- Procure ajuda profissional: Terapia e suporte profissional não são sinais de fraqueza. Pelo contrário, são ferramentas importantes para lidar com a exposição constante a conteúdos emocionais e à pressão de lidar com expectativas conflitantes. Eu pessoalmente faço terapia há mais de uma década e foi um divisor de águas na minha vida. Se você não tem grana pra pagar um psicologo, dá pra procurar atendimentos mais baratos, online ou através do SUS. Tem muito material bom também no YouTube, mas procure ouvir psicólogos, não influencers.
- Crie rituais de recuperação: Após uma entrevista emocionalmente desgastante ou uma reunião estressante com stakeholders, tire um tempo para se recompor. Pode ser uma caminhada, uma breve meditação ou mesmo uma conversa com um amigo. Encontre formas de “desligar” e recarregar as energias. Tenha um tempo pra se divertir também com o que você gosta e pra descansar. Ninguem funciona bem com a bateria baixa, e quando você está esgotado, fica ainda mais difícil lidar com isso.
- Treinamento e suporte: Nos precisamos começar a defender mais suporte e treinamento sobre como lidar com traumas secundários e desafios emocionais no trabalho de UX. Assim como profissionais de saúde têm suporte formal, nós também deveríamos ter recursos para nos proteger.
Um chamado à mudança na comunidade de UX
Se queremos continuar fazendo um trabalho significativo, precisamos começar a reconhecer e abordar a fadiga por compaixão como um problema real na comunidade de UX.
É preciso mudar como falamos sobre empatia, trabalho emocional e os impactos que eles têm. E isso começa conosco — cuidando de nós mesmos, estabelecendo limites e defendendo maneiras mais saudáveis e sustentáveis de trabalhar.
Não se esqueça: coloque a sua própria máscara primeiro.
Referências
- Understanding compassion fatigue: understanding compassion
- Professional Burnout, Vicarious Trauma, Secondary Traumatic Stress, and Compassion Fatigue
- Managing vicarious trauma and compassion fatigue
- A systematic review exploring the presence of vicarious trauma, compassion fatigue, and secondary traumatic stress in alcohol and other drug clinicians
- Vicarious trauma, themes in research, and terminology: A review of literature.
Sobrecarga de Empatia em UX: Por que vivemos exaustos? was originally published in UX Collective