Quem vai chorar por Demna Gvasalia e o apocalipse da Balenciaga?
Quando Cristóbal Balenciaga decidiu fechar suas portas em 1968, a socialite Mona Von Bismarck chorou, trancada no quarto, por três dias seguidos, em um dos lutos histéricos mais históricos da moda. Agora, é a vez de outra despedida: depois de uma década, Demna Gvasalia está fora da casa (mas a caminho da Gucci) e deixa um […] O post Quem vai chorar por Demna Gvasalia e o apocalipse da Balenciaga? apareceu primeiro em Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site.


Demna Gvasalia na Balenciaga, primeira-verão 2022 (Foto: Reprodução)
Quando Cristóbal Balenciaga decidiu fechar suas portas em 1968, a socialite Mona Von Bismarck chorou, trancada no quarto, por três dias seguidos, em um dos lutos histéricos mais históricos da moda. Agora, é a vez de outra despedida: depois de uma década, Demna Gvasalia está fora da casa (mas a caminho da Gucci) e deixa um legado que acumulou adjetivos como “provocativo”, “polêmico”, “disruptivo” e até “ridículo”. Mas quem vai chorar por ele?
Pode ser Kim Kardashian, Kanye West, Bella Hadid ou outras hordas de influenciadores, modeletes e artistas que, nas redes sociais, se tornaram fieis do georgiano rebelde enquanto se tornavam o rosto de uma geração corriqueiramente vestida para o apocalipse. Mais do que essa turma, entretanto, estão outros milhares de anônimos que, por vontade de serem “enturmados” ou por impulsos experimentais, compraram todas as propostas que Demna lançou dentro e fora das passarelas. Pense em tênis destruídos, moletons desgastados, óculos-máscaras, fitas adesivas, sacolas de plástico, embrulhos de salgadinho… tudo etiquetado com preços exorbitantes e esgotados em minutos das boutiques.

Balenciaga, alta costura, outono-inverno 2021 (Foto: Reprodução)
Para vários, devotos aos “outros tempos” na Balenciaga, foi um susto. São apegados à maestria quase divina que o espanhol Cristóbal eternizou como padrão da haute couture. Para outros (leia-se empresários), foi um sucesso: em 2020, a marca ultrapassou US$ 1 bilhão em lucros pela primeira vez em sua história quase centenária, um marco para a marca que, poucos anos antes, sob o comando de Nicolas Ghesquière e Alexander Wang, ainda tinha perfume de nicho comparado à êxtase teatral da Chanel de Karl Lagerfeld e a Dior de John Galliano.
Desde sempre, Gvasalia escolheu ir na contramão, com alguns atropelamentos na ficha. Desistido da carreira de economista, estudou moda na Antuérpia e trabalhou nos ateliês da Louis Vuitton e Maison Margiela (de onde saiu com a alcunha de “filho espiritual” de Martin Margiela) antes de fundar, em 2014, o coletivo de design Vetements, que deixou para o irmão cinco anos depois. À época, já estava mergulhado no número 10 da Avenue George V, endereço mítico da Balenciaga em Paris, virando cabeças toda temporada.

Balenciaga, outono-inverno 2016 (Foto: Reprodução)
Sua estreia aconteceu em março de 2016, quando revelou seus meses de preparação para assumir a maison em uma coleção bem estruturada (figurada e literalmente) de roupas variadas interpretadas de formas arquiteturais. Alfaiatarias com ombros e cinturas marcados dividiram a passarela com agasalhos armados e vestidos floridos em uma procissão de mensagem clara: a “nova” Balenciaga era ousada, mas ainda apropriada para “cair na rua”.
Encorajado pelos aplausos, Demna se soltou rápido… e sua roupa também. As formas ficaram mais volumosas (o estilista virou referência no estilo “oversized”), as atmosferas bem humoradas, com exageros nas silhuetas, acessórios e paletas vibrantes, e uma maxibag azul, do tipo IKEA, viralizou e chegou ao mercado por quase 2 mil euros. Em 2018, ele já misturava looks femininos e masculinos (seus primeiros flertes com a androginia) e estabeleceu a dinâmica que conduziria seus próximos anos: a paixão pela tecnologia. Na temporada de outono, usou scanners tridimensionais para digitalizar modelos, computadores para fazer as provas e impressoras para criar modelos – o retrato de uma geração criada no mundo digital. Na estação seguinte, o cenário também era high tech.

Balenciaga, outono-inverno 2021 (Foto: Reprodução)
Nesse drama cibernético, ainda não apocalíptico, sobrava espaço para cor, mas a paleta virou em 2019 quando a passarela ficou preta, os estilos clean e Demna dark. Trocou a acidez dos tons pela acidez na personalidade e os primeiros protótipos de bolsas de couro parecidas com sacolas de papel de supermercado apareceram. “É o retrato das ruas de Paris”, ele explicou, já distante das memórias da infância vivida entre a Geórgia, Ucrânia, Rússia e Alemanha. Também ficou mais político. Na temporada seguinte, com as crises na União Europeia, montou um “parlamento” azul-elétrico como passarela e vestiu seus modelos com crachás e sua própria interpretação do power suit: não apenas alfaiatarias com ombros largos, mas agasalhos esportivos e vestidos de gala exageradamente costurados.
A consagração de sua revolta com o status quo veio em 2020, quando colocou modelos (quase todos de preto e com aura sinistra) em uma passarela alagada, espirrando gotas para os lados. A escolha sombria não tinha só a ver com emoção: Cristóbal Balenciaga tinha adoração pela cor preta, não apenas pela relação com o catolicismo, mas pela possibilidade de trabalhar seus cortes e modelagens sem demais distrações. Demna, criado na Ortodoxia, teve o mesmo fascínio clerical e fez vultos de capas, casacos, jaquetas, botas, saias e vestidos escuros, ainda que mais punks e fetichistas.

Balenciaga, outono-inverno 2020 (Foto: Reprodução)
Nos anos de pandemia, a criatividade não parou nem por um segundo. Com os desfiles em hiato, as marcas passaram a apresentar fashion films, um recurso que Demna recusou com o argumento de achá-los “ultrapassados”. Ao invés, criou seu próprio videogame, intitulado Afterworld: The Age of Tomorrow, para apresentar o outono/2021. Cobertos de maquiagens góticas, os modelos pareciam mesmo personagens customizáveis em equilíbrios de conforto (moletons, jeans e chinelos) e rigidez, com partes de armaduras de cavaleiros medieval nas pernas e braços. Mais tarde, esse seria o prelúdio para uma noiva metálica na alta costura.
No pre-Fall daquele ano, fotografado “pelo mundo” (em fundos falsos de pontos turísticos famosos, como a Muralha da China e o Taj Mahal), Demna fez manchetes com seus moletons “GAY”, em uma brincadeira com o clássico da GAP. Nas semanas seguintes, “quebrou” a internet com uma collab inédita com a Gucci de Alessandro Michele (instantaneamente colecionável) e, depois, orquestrou um desfile falso com convidados gerados por computador. Estava mais futurista do que nunca… mais irônico do que nunca. Em mais alguns meses, ele faria uma parceria com os Simpsons em um fashion film animado – esse não tão “ultrapassado”.

Balenciaga, outono-inverno 2022 (Foto: Reprodução)
Em retrospectiva, 2021 foi mesmo o ano para Gvasalia. Julho, para a surpresa da multidão, viu relançar, depois de mais de cinco décadas, a haute couture na maison. Em silêncio sepulcral, 63 modelos desfilaram com plaquinhas numeradas (à moda antiga) visuais de todos os shapes e materiais, tratados artesanalmente com técnicas contemporâneas. Alguns, reinterpretados e reconfigurados dos arquivos da casa. Outros, tirados da própria imaginação de Demna. Desde então, já foram quatro coleções de alta costura na casa (uma por ano) e a próxima, em julho de 2025, será a grande despedida do designer.
Com lançamentos cada vez mais polêmicos (lembra dos Crocs com saltos?), Gvasalia continuou a desafiar barreiras. Em 2022, fez um desfile no meio de uma nevasca artificial, outro na lama e mais um na Bolsa de Valores de Nova York. Estava elétrico, buscando glamour nos cantos menos prováveis. Desses, o mais clichê foi Beverly Hills, no pre-fall 2024, mas logo se desinteressou pelo assunto. Um ano depois, preferiu fotografar o pre-fall 2025 nos showrooms parisienses da Balenciaga na rue de Sèvres, apenas com o celular mal enquadrado. Imprevisível, continuou com esse estilo até o fim, deixando para anunciar sua saída somente depois do desfile de outono-inverno 2025, dias atrás.

Balenciaga, pre-fall 2025 (Foto: Reprodução)
Assim, rápido (como surgiu), começa a se despedir da marca que ajudou a retransformar em uma gigante digna da concorrência, como fora décadas atrás. No caminho, fez tantas piadas como foi alvo delas. No mesmo sentido, colecionou tantos amigos quanto inimigos, a exemplo da campanha controversa, em fins de 2023, que agitou uma onda de fashionistas a queimar roupas e acessórios da Balenciaga em centenas de postagens. Rumo à Gucci, não há muito pelo que chorar por Demna. O apocalipse que ele tanto prevê ainda não chegou.
O post Quem vai chorar por Demna Gvasalia e o apocalipse da Balenciaga? apareceu primeiro em Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site.