‘O Atentado de 5 de Setembro’: a tragédia dos Jogos Olímpicos de Munique vista pela televisão

Produção germano-americana recria o sequestro de atletas israelitas por um comando palestiniano durante os Jogos Olímpicos de 1972, da perspectiva da equipa de jornalistas de desporto da estação ABC que cobria o acontecimento.

Feb 18, 2025 - 14:28
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‘O Atentado de 5 de Setembro’: a tragédia dos Jogos Olímpicos de Munique vista pela televisão
‘O Atentado de 5 de Setembro’: a tragédia dos Jogos Olímpicos de Munique vista pela televisão

Realizados quase 30 anos depois do final da II Guerra Mundial de Munique, os Jogos Olímpicos de Munique de 1972 foram realizados sob o signo do slogan “Os Jogos da Serenidade”. A Alemanha queria proporcionar um grande espectáculo ao mundo e, através dele, mostrar que continuava, consistente e diligentemente, o seu processo de recuperação da devastação, dos traumas e também da culpabilidade colectiva associada àquele grande conflito. Talvez por isso, e para apagar a imagem propagandística e a envolvência marcial dos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, que decorreram durante o regime nacional-socialista, a segurança foi descurada na Aldeia Olímpica e as autoridades alemãs não estavam preparadas para o que aconteceu.

Na madrugada do dia 5 de Setembro, um comando de oito membros da organização terrorista palestiniana Setembro Negro infiltrou-se na Aldeia Olímpica, matou dois membros da equipa olímpica de Israel e fez nove outros reféns. Os terroristas exigiam a libertação de um conjunto de palestinianos e alguns não-árabes ligados a movimentos armados de extrema-esquerda, das cadeias israelitas. Todas as tentativas de negociação e de troca dos atletas reféns por personalidades alemãs falharam. No dia 6 de Setembro foi oferecido um avião aos terroristas, para irem com os reféns para o Cairo. A tentativa de resgate destes no aeroporto militar onde o avião se encontrava, falhou, redundando num massacre em que morreram todos os reféns, um polícia alemão e cinco dos oito membros do comando do Setembro Negro.  

Em 2005, Steven Spielberg realizou Munique, que conta a história da perseguição e eliminação pela Mossad, os serviços secretos israelitas, dos responsáveis pelo sequestro. Agora, O Atentado de 5 de Setembro, uma produção germano-americana realizada por Tim Fehlbaum, adopta uma outra perspectiva. Os Jogos Olímpicos de Munique de 1972 foram os primeiros a ser transmitidos via satélite em directo para todo o mundo. O filme recorda a tragédia centrando-se na equipa de jornalistas desportivos da estação americana ABC, cujos editores decidiram não entregar a emissão à sede nos EUA e aos especialistas em política internacional da sua redacção, e ficaram a cobrir os acontecimentos com os meios de que dispunham à altura.

O Atentado de 5 de Setembro
Jürgen OlczykO Atentado de 5 de Setembro

Fehlbaum, que também escreveu o argumento com Alex David e Moritz Binder, recria o jornalismo tal como se fazia nesse ano de 1972, quando tudo era ainda analógico, em papel e manual, e nem sequer se sonhava com a Internet, as comunicações digitais, as redes sociais e a informação em contínuo e em directo. Os jornalistas e técnicos da ABC, e a sua tradutora alemã, Marianne, que lhes vai servir também de precioso contacto e de “antena” com os media locais, têm que dar asas à imaginação, e improvisar a todo o pé de passada (um deles, inclusivamente, vai fingir ser um atleta dos EUA para levar bobinas de filme aos colegas que desobedeceram às ordens de evacuação da polícia alemã e ficaram escondidos num prédio da Aldeia Olímpica, a filmar com uma câmara portátil e a relatar o que se passa), para conseguirem manter a emissão no ar e ter exclusivos sobre o que está a acontecer na Aldeia Olímpica, e na zona desta onde estão alojados os atletas de Israel sequestrados pelos terroristas.

Interpretado por Peter Sarsgaard, Ben Chaplin, John Magaro e Leonie Benesch, entre outros, O Atentado de 5 de Setembro recorre a muitas imagens feitas na época, e também, para uma maior autenticidade, a material físico de então ainda existente, e passa-se quase todo nos estúdios montados pela ABC em Munique. O que, nas palavras do realizador, “transmite a atmosfera claustrofóbica que lá se vivia e faz com que a fita em si pareça uma reportagem”. Tim Fehlbaum aproveita ainda para deixar subentendidos na narrativa temas que mais tarde seriam muito discutidos, como a informação que arrisca ser transformada em espectáculo, a tentação do sensacionalismo, ou que mostrar ou omitir em acontecimentos como este, captados em directo e contínuo (caso de mortes ou execuções). Ou ainda questões como a confirmação e reconfirmação por fontes credíveis das informações, antes de irem para o ar ou serem publicadas, sob a pressão ou com a ânsia de as dar primeiro e ter a “cacha”.

Não é por se passar há mais de 50 anos que O Atentado de 5 de Setembro (a fita está candidata ao Óscar de Melhor Argumento Original) não deixa de ser relevante para os nossos tempos. Tudo pelo contrário.