Gregório Duvivier defende o ‘envergonhamento’ de pais irresponsáveis
Com a ajuda de especialistas, o humorista conta suas próprias experiências e trata de temas como machismo e patriarcado

Segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, em 2023 o Brasil registrou 160.658 certidões de nascimento em que consta apenas o nome da mãe. Uma outra pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas revela que, no país, pelo menos 11 milhões de mulheres criam os filhos sozinhas. Foi para falar sobre a ausência e a presença dos pais na vida das crianças que Gregório Duvivier criou a audiossérie O Pai Ta Onde?.
Com 10 episódios disponíveis na Audible, o humorista conta seus próprios desafios como forma de abrir o diálogo com outros homens. A ideia não é ser um manual da paternidade, pelo contrário, é apresentar possibilidades e questionar o status quo. E ele não está sozinho nessa, acrescentam na narrativa o psicanalista Thiago Queiroz, a escritora Vera Iaconelli, a comunicadora Elisama Santos e o músico João Gordo.
“Esse tem sido o meu assunto principal nos últimos sete anos, quando nasceu minha primeira filha, Marieta. Ela mudou a maneira que lido com o meu tempo, a hora que durmo, a hora que acordo, mas também as minhas prioridades”, conta Duvivier à CLAUDIA. “Minha vida virou de cabeça para baixo e eu nunca tinha falado sobre isso. Os pais falam pouco sobre serem pais.”
Abaixo, confira a entrevista completa com Gregório Duvivier:
CLAUDIA: As mulheres conversam muito sobre maternidade, paternidade, filhos – é um assunto central na vida delas. Mas quando um homem fala, ele é mais ouvido?
Gregório Duvivier: Talvez eles sejam mais ouvidos pelos próprios homens. É curioso que eles se reúnem muito para falar, mas de coisas além de sentimento. O homem fala sobre futebol, política, aleatoriedades e assuntos que não envolvem as suas próprias vulnerabilidades. Isso porque a masculinidade nos ensinou a esconder. E as mulheres não, elas se abrem para falar sobre qualquer coisa.
Tanto que quis fazer esse programa para que ele fosse uma porta para homens falarem sobre temas que não são confortáveis e habituais para eles mesmos.
CLAUDIA: Você, que é pai de duas meninas, sente que também esteve preso nessa construção patriarcal de como cuidar dos filhos? Você desconstruiu padrões durante esse tempo?
Gregório Duvivier: Ter filhos é não saber tê-los também. Não existe manual de instrução e é bom que não exista. Quer dizer, até existem pretensos manuais, mas não prestam, a paternidade não tem receita. O que funciona mais é a escuta. É perceber o que você não sabe e estar pronto para assumir isso.
O grande perigo da parentalidade, em geral, são as certezas e os dogmas. O que tenho descoberto é minha ignorância em relação ao ser humano. Ele não é a soma das peças que o fazem – é muito mais complexo do que isso.
CLAUDIA: Nesse processo, você já percebeu que estava seguindo regras sociais pré-estabelecidas?
Gregório Duvivier: O tempo todo eu me vejo confrontado com o patriarcado dentro e fora de mim. Tenho duas meninas em uma sociedade em que a paternidade ainda é muito vista como acessória. Antes da minha filha nascer, ouvi uma frase super machista de um médico na maternidade. Ela estava no útero e já estava tendo que lidar com o machismo, sendo tratada como objeto.
Depois que ela nasceu, também percebo isso constantemente. Na pracinha, pessoas falam: ‘olha o namoradinho dela’. Essa coisa de sexualizar a primeira infância é um absurdo. Outros me falaram que as meninas geralmente são apaixonadas pelos pais, como se eu fosse adorar essa coisa estranhíssima e incestuosa.
CLAUDIA: Você fez um movimento de procurar saber esse tipo de informação. E, geralmente, são as mulheres que ensinam os maridos como serem pais. Como você percebe isso?
Gregório Duvivier: A grande dificuldade dos homens é ter essa autonomia e procurar outros pais. As mulheres estão mais acostumadas a procurar outras mães – tem desde grupos no WhatsApp até encontros físicos. Há, sim, redes de pais, mas menos. Eles, em geral, sobrecarregam as mães, como você bem falou.
CLAUDIA: Você costuma trocar com outros homens, com outros pais?
Gregório Duvivier: No começo não, mas hoje em dia sim. Há uma série de pais que têm uma situação parecida com essa minha de ter a paternidade como uma revolução na vida. Mas, a partir daí surgem muitas dúvidas: é isso mesmo? Para onde isso vai? E o casamento, como é que fica? E o tempo? E o trabalho?
No século 19 e 20, os homens focavam só no trabalho e desprezavam o casamento. Os filhos, eles viam no final de semana. Para as mulheres, sobravam todo o fardo no trabalho doméstico.
Os homens não desfrutavam da delícia que é a paternidade. Chegavam ao fim da vida, olhavam para trás e percebiam que não viram essas crianças crescerem. Isso mostra que o patriarcado também nos afeta. Claro, menos do que as mulheres. Esse é um problema sistêmico gerado por uma sociedade que ausentifica os pais.
CLAUDIA: Quando um homem abandona um filho, ainda tem uma rede de pessoas que fica do lado dele. É como se fosse um pacto masculino. Você percebe isso?
Gregório Duvivier: A gente precisa ter um processo de envergonhamento dessas pessoas. A vergonha tem uma função política muito importante. Eu acho que existe uma sem-vergonhice de alguns pais que deveria ser escandalosa. Sabe?! Um pai que tira onda, que está ostentando, por exemplo, enquanto não paga a pensão. Não deveria lhe ser permitido ostentar.
A prisão para quem paga a pensão é importante, claro. Mas ela é quase tão eficiente quanto o envergonhamento. Tem um livro muito bom que se chama A Vergonha é um Sentimento Revolucionário, do francês Frédéric Gros.
Ele analisa o poder político da vergonha, como ela foi importante durante as revoluções e como é difícil ela ser sentida hoje. Acho que é responsabilidade de toda a sociedade dar-lhes a vergonha que eles não têm.
CLAUDIA: Você fala sobre esse assunto, que é super sério, com humor.
Gregório Duvivier: O humor é a nossa última arma. É a arma dos derrotados, dos vencidos, dos fracassados. Acredito no humor de quem está destruído e não sabe para onde ir. Não é um humor superior de quem está impondo regras. É algo do tipo: esses pais são todos ridículos e eu também sou, percebam como estou perdido. Esse é o humor que mais gosto, que me acompanhou durante a paternidade e que me salvou muitas vezes.
Depois de uma noite em claro, tem como ficar pior? Aí a criança vomita em você. O que vai te salvar de dar com a cara na parede e de chorar é a risada. É preciso olhar para si mesmo de fora, como se você fosse um personagem.
Além disso, uma criança é aquilo que o humorista tenta ser. O palhaço é um adulto que está tentando esquecer as coisas que ele aprendeu e voltar ao seu estado anterior à vida adulta.
Ter filhos é viver uma injeção de humor cotidiano e, para mim, é um paraíso. Durante a pandemia, o mundo lá fora estava acabando, mas eu tinha uma filha de dois anos que fazia teatro, engraçadíssima, e a gente gargalhava em casa com ela. Foi ela que salvou a nossa pandemia com a sua alegria, com o seu frescor e com seu espanto em relação ao mundo.
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