Um Carnaval chamado Fernanda Torres

Adoro maquiagem de Carnaval, fantasia, quilos de glitter. Adoro ver e até entrar na brincadeira, mas meu gosto não chega na avenida. Meu bloquinho preferido é o de anotações, mas isso não significa que eu não incentive a festa. Como ativista da alegria que sempre fui, admiro os foliões e fico feliz só de ver […] O post Um Carnaval chamado Fernanda Torres apareceu primeiro em Dia de Beauté.

Feb 28, 2025 - 14:24
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Um Carnaval chamado Fernanda Torres

Adoro maquiagem de Carnaval, fantasia, quilos de glitter. Adoro ver e até entrar na brincadeira, mas meu gosto não chega na avenida. Meu bloquinho preferido é o de anotações, mas isso não significa que eu não incentive a festa. Como ativista da alegria que sempre fui, admiro os foliões e fico feliz só de ver a alegria da multidão.

 

Alegria, por sinal, é o que as redes sociais decidiram nos dar nas últimas semanas. Num belo dia, o instagram parece ter ficado mais amigável. Parei de ser impactada pelos posts sobre a minha (má) alimentação. Aqueles seis ou dez passos diários para não ter Alzheimer finalmente me deixaram em paz. E nem as mensagens sobre fórmulas certeiras para aumentar o número de seguidores tiveram meu engajamento. Os sete minutos diários de ioga facial, que promete eliminar minhas rugas, foram substituídos por sete minutos de Fernanda Torres. Nem o algoritmo consegue mais disfarçar.

 

Seis meses atrás, aquele aplauso de onze minutos ao filme “Ainda estou aqui” no Festival de Veneza parece ter sido uma previsão meteorológica. O furacão Fernanda Torres começava a tomar forma.

 

Por isso trago o assunto de volta a esta coluna, sem o menor constrangimento. Fernanda provou que ainda há muito a dizer sobre ela. Há semanas os microfones do mundo estão abertos para a atriz, e só fazemos aplaudir. Enquanto nosso foco estiver em Fernanda Torres, quantas bobagens deixaremos de ver e ouvir?

 

A essa altura, provavelmente ela está exausta, mas para nós tem sido um deleite assistir a trechos de suas falas nos principais talk shows norteamericanos. A cada pergunta, não sabemos se a reposta virá de Eunice ou de Fátima. A sensação é a de estar no cinema. É puro entretenimento vê-la pelas calçadas de Nova York, fugindo discretamente dos paparazzi que disputam, entre tapas e beijos, os melhores ângulos da atriz. Queremos flagrar mais fãs esboçando um “por favor” em português sofrível, implorando por uma selfie. Assistir à Vani se tornar ídolo internacional lava a alma de Arletes, Julias, Cristianas, Josefas, Adrianas, Renatas, Lúcias e também das Fernandas, especialmente a Montenegro e a Young (que precisava estar aqui pra ver tudo isso com a gente).

 

Com sua elegância autêntica, Fernanda Torres surge muitas vezes ao dia, em falas de hoje, ontem ou anos atrás — não importa. De terninho Burberry ou num Dior exclusivo, plissado à mão e confeccionado especialmente para ela por centenas de horas, Fernanda diz verdades em inglês fluente, com a mesma classe com que faz a plateia rolar de rir. Fala sobre todo e qualquer tema, sempre em linguagem simples e acessível.

 

Que me perdoem os defensores do uso ortodoxo da língua portuguesa — entre os quais me incluo —, mas merecemos morar nesse tempo verbal que parece sempre em curso.

Fernanda se tornou o nosso melhor gerúndio, e eu posso dar vários exemplos.

 

Fernanda falando sobre sororidade. “Vou me lembrar para sempre da minha caminhada para o palco do Globo de Ouro. Eu vi a Tilda, depois Kate, depois Nicole, e elas estavam me aplaudindo, felizes porque eu ganhei, porque ninguém esperava por isso. Estou certa de que elas estavam felizes por ver esse filme reconhecido através de mim, por uma personagem como a Eunice, tão forte defensora dos direitos humanos.”

 

Amadurecendo, no melhor sentido da palavra: “Quando a gente é jovem a gente é muito ansioso. Com a idade a gente aprende como as coisas são relativas, como você não domina o que deseja, como a vida te leva de roldão. A calma da maturidade é uma maravilha. Você realmente fica mais humilde com relação ao mundo”.

 

Reverenciando a cultura brasileira: “O Brasil é uma ilha continental, isolada pela sua própria língua. A gente consome nossa própria cultura, a gente tem total interesse por nós mesmos. Porque nós somos uma potência de duzentos milhões de pessoas. Somos um país complexo. Eles não conhecem a cultura brasileira. O Brasil tem pena de o mundo não saber do que a gente sabe. Quando alguém fura a fronteira e leva algo que nos é pessoal para fora, é essa espécie de sentimento de ‘olha o que a gente tem de rico’.”

 

Tirando onda com os repórteres gringos: “Adoraria fazer uma secretária de um vilão de James Bond e simplesmente dizer ‘Ele está esperando por você na próxima sala, Sr. Bond”, ela declarou à revista Variety, que pelo visto levou a sério.

 

Filosofando numa entrevista de décadas atrás, quase premonitória: “A gente tem que fazer com que eles queiram entender o português. Porque inglês a gente já fala. (…) Quanto mais se descobrir a própria alma do Brasil, mais a gente vai estar falando das coisas universais”.

 

Querendo ser Tilda, para depois ser aplaudida por ela a caminho do palco do Golden Globe. Trocando zap com Demi Moore, batendo cabelo com Ariana Grande, fazendo amizade com as maiores. Surpreendendo a plateia no palco do festival de cinema de Santa Barbara, revelando uma fresta de sensualidade que seu Chanel comprido e fechado jamais poderia fazer supor.

 

Defendendo as novelas brasileiras como gênero genuinamente brasileiro, instrumento de “descolonização” que nos ensina a assistir a nós mesmos e a tomar gosto por nossa língua e nossa cultura.

 

Na cena mais forte do filme, na pele de Eunice, lembrando que o autêntico bilionário (que mataria a fome do mundo com um cheque) jamais compreenderá a fortuna de estar vivo pra tomar um sorvete com os filhos.

 

Mostrando que Eunice Paiva é a tradução do Brasil atual: uma dona-de-casa, mãe de cinco filhos que perde o marido para o sistema totalitário, torna-se advogada e defensora dos direitos humanos e leva 26 anos para que o Estado admita que havia matado o marido por tortura. A história dessa mulher que entra em processo de Alzheimer, esquecendo sua própria história, faz um triste mimetismo com o Brasil que lutou 21 anos para se livrar da ditadura e, numa espécie de amnésia, volta a flertar com ela.

O Brasil e o mundo precisam de bem mais que 15 minutos da lucidez de Fernanda.

 

“É um fato difícil de se alcançar”, define a mãe, Fernanda Montenegro. “Somos representantes de uma cultura altamente referencial, mas abaixo da linha do Equador. De vez em quando nós conseguimos atravessar essa linha”. Fernanda Torres atravessou a linha e não pretende parar. Segue subindo, mas continua ao alcance dos nossos olhos, como um espelho refletindo o nosso melhor.

 

Se Fernanda Montenegro é uma verdadeira entidade, Fernanda Torres é a filha da entidade — encarnada, factível, brasileira e maravilhosamente humana, operando o milagre de fazer a “América Great Again”, ainda que for a while. Queremos notícias do mundo de lá, porque lá está Fernanda. Totalmente premiada, indicada e à vontade, sem medo de arriscar seu possível prêmio. Dizendo verdades sobre a ditadura e cumprindo seu papel de artista, ao lembrar o absurdo que é um país sem sua democracia.

 

Na loucura de sua maratona, descansa no próprio riso. Ela não se leva a sério, como também não leva a sério a palavra impossível. E assim nos leva, cada um de nós, a superar limites sem nos determos neles. Ela vai, sem pensar nos limites. Sem pretensões ou despretensões.

 

Mais do que a variedade de manchetes ruins à nossa volta, que parecem ser diferentes, mas dizem o mesmo, Fernanda é a boa notícia sobre nós.

 

Por isso, não apenas assistimos, espiamos e ouvimos Fernanda Torres. Nós praticamos, como uma espécie de ioga. Inspiramos e expiramos sua existência, e qualquer frequência dela nos faz bem, nos oxigena o cérebro, limpa os pulmões, traz entusiasmo e confiança pra seguir em frente.

 

Fernanda é o melhor do Brasil nas telas do mundo — não só as de cinema. É a rainha do nosso Carnaval, e também é nossa Páscoa, nosso renascimento, cumprindo sua quaresma de eventos. É o Brasil que conhece o Brasil. É a mulher de 50 no seu auge, no lugar que sempre lhe coube. Um Oscar para a maturidade, em que atuamos tão bem no papel de nós mesmas.

 

O Carnaval ainda nem começou, mas Fernanda Torres já realizou nossa maior fantasia. O mundo finalmente está assistindo ao melhor do Brasil, e está se reconhecendo em nós. E se esse é o melhor assunto da atualidade, nós vamos continuar falando sobre ele.

 

Por um feed infinito de Fernanda Torres. Por feriado nacional celebrando seu trabalho e sua vida, pra repetir essa alegria todo ano.

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